Em meu ultimo artigo no BeefPoint, veiculado em 20/08/02, mencionei que passaria a escrever sobre um assunto vital para uma atividade como a nossa, que opera com pequena margem de lucros: sistema de levantamento de custos de produção, e normas gerais para uma boa administração de propriedade rural, independentemente de seu tamanho, e da complexidade de suas atividades.
Perdoem minha ausência de modéstia: a Fazenda Água Milagrosa tem um dos melhores e mais abrangentes sistemas de gestão de empresa rural do Brasil. Permito-me a falta de modéstia pois nada é fruto da influência ou labuta de uma pessoa só, e sim de uma equipe bem entrosada, motivada e competente. E muito, muito trabalho.
Como o assunto é extenso, hoje tratarei apenas de um tema: (III) Parâmetros e Definições. Com intervalos de aproximadamente quinze dias, irei completando a matéria, como se fosse um fascículo. Se você achar o assunto interessante, minha sugestão é que vá imprimindo cada artigo, que terá sempre como título básico: Administração de propriedade rural.
Se você perdeu o primeiro artigo, intitulado Administração de propriedade rural (i) princípios básicos e (ii) objetivos, procure neste mesmo tópico do BeefPoint, que você o encontrará na lista de artigos já publicados. Ao final, você terá montado uma “apostila” a respeito deste assunto crucial, mas ainda não encarado, a meu ver, com a devida importância por entidades de ensino dirigido à agropecuária.
Administração de propriedade rural : ( iii ) parâmetros e definições:
Gostaríamos de mencionar que a maioria dos parâmetros e definições de apropriação de custos, aqui descritos, são de uso generalizado, e alguns poucos são específicos da Água Milagrosa. Tudo o que vamos mencionar nesta apostila é cópia fiel do que fazemos na Água Milagrosa. O que fazemos não é o melhor, nem o pior. Simplesmente é o mais adequado às nossas necessidades.
1. Cada atividade deve ser constituída como um “departamento de custo”. Quantas atividades uma fazenda tiver, tantos “departamentos de custo” deverá ter.
2. O que às vezes parece pertencer a um mesmo “departamento de custo”, muitas vezes não é exato. Exemplo: Em uma fazenda planta-se milho todo ano. Então bastaria haver apenas um “departamento de custo MILHO” , correto? Errado, pois se planta-se todo ano, então deveria haver, ao mesmo tempo, dois “departamentos de custo MILHO”, caso em contrário o custo de um estaria afetando o custo do outro. Por que? Porque um milho teve terreno preparado, digamos em agosto de 2.001 foi plantado em outubro de 2.001, teve tratos culturais em novembro de 2.001, e foi colhido em março de 2.002. Suponhamos que o milho do ano seguinte obedeceu o mesmo calendário. Se tivéssemos apenas um “departamento de custo” para milho, em um mesmo ano estaríamos misturando a colheita do milho 2.001 com o preparo de solo, plantio e tratos culturais do milho 2.002. Outro exemplo: Em uma propriedade rural existe criação de gado. Se existir apenas uma finalidade, será apenas um departamento. Mas, se tiver gado de campo e gado de cocheira, deverão ser dois departamentos de gado. Ou gado de corte e gado de leite, e assim por diante.
3. Todas as atividades deverão ter informadas nos relatórios de custeio mensais (e anual) as áreas que estão ocupando em hectares (pois é medida de área universal), já que é vital saber-se qual a produtividade por área, qual a receita bruta e a receita líquida também por área. Não é aceitável dizer-se que se obteve uma produção de xx caixas de laranja por pé, e sim que a produção por hectare foi de yy caixas. A unidade espacial não é pé de laranja, mas sim hectare. Além das áreas ocupadas por cada departamento, deve-se mencionar também as unidades específicas daquele departamento, para facilitar análises posteriores. Exemplo: se for gado pode-se usar UA (Unidade Animal), se for café, laranja ou seringueira, pode-se usar pés. Mas sempre acompanhadas da área efetivamente ocupada por aquele departamento.
4. Da mesma forma, é preciso que se estabeleça uma unidade de valor. Esta unidade de valor precisa ser representativa da desvalorização monetária, pois caso contrário torna-se inútil e equivocada a comparação de custos de um ano com outro, ou até mesmo entre meses do mesmo ano. Na Água Milagrosa usamos o dólar norte americano (US$), cotação Ptax do Banco Central, cotação diária de venda (também conhecido por dólar comercial). Mas esta é apenas uma referência. Se for uma fazenda exclusivamente de pecuária de corte, poderá usar a cotação diária da arroba de boi. Poderá até usar como unidade de valor o próprio real (R$), corrigido mensalmente pelo IGP-M, IPCA, IGP-DI, etc. O importante é que seja uma unidade de valor que tenha mais ligação com sua atividade, e que seja consistentemente utilizada ao longo do tempo. Sim, por que a troca freqüente de unidade de valor também descaracteriza o levantamento de custos e a capacidade de comparação, invalidando todo o processo. Veja também o sub-item 6.4. abaixo.
5. Existem departamentos de serviços e departamentos de produção, ambos fazem parte do custeio da propriedade:
5.1. Os departamentos de serviços são aqueles que não produzem bens, apenas prestam serviços. Exemplo: Administração, Manutenção (oficina, serraria, marcenaria, etc.) e Casa da Sede. É o chamado “overhead” ou custo indireto:
5.1.1. É desejável que haja o mínimo de itens possível atribuídos a custo indireto, para evitar-se eventuais alocações equivocadas. Mas para se alocar algum custo diretamente a qualquer departamento, é necessário ter-se certeza absoluta que este custo será utilizado apenas por este determinado departamento. Melhores explicações serão fornecidas no capítulo (IV) Como Fazer Levantamento de Custos ? – o próximo desta série de artigos. A data provável de veiculação deste próximo capítulo deverá ser 20 de setembro.
5.1.2. Os custos indiretos são aqueles impossíveis de serem alocados direta e/ou exclusivamente a algum(s) departamento(s). Exemplos: contas de energia elétrica; contas de telefone; pagamento de taxas e impostos, como ITR, IPVA, IR; despesas com casa de sede, oficina mecânica, marcenaria, serraria; despesas com material de escritório; serviço contábil, etc.
5.2. Os departamentos de produção são, basicamente, os que produzem bens que vendemos: gado, frutas, cereais, mudas, borracha, sementes, leite, etc. Ou seja, os custos destes departamentos são os denominados custos diretos.
5.2.1. São assim chamados pois os itens que compõem custos diretos são inequivocamente atribuíveis àquele departamento. Exemplo: o custo de adubo usado em uma plantação de café; o custo de uma aplicação de acaricida em pomar de laranja; o custo de vacinação contra aftosa em gado, etc.
5.2.2. Como corolário ao item 5.1.1. acima, é desejável que haja o máximo possível de itens atribuídos a custo direto. Mas para se alocar algum custo diretamente a qualquer departamento, é necessário ter-se certeza absoluta que este custo será utilizado apenas por este determinado departamento. Melhores explicações serão fornecidas no capítulo (IV) Como Fazer Levantamento de Custos? desta série de artigos.
5.3. Outros conceitos necessários de se estabelecer são: o que é custeio (ou custo), o que é investimento e o que é depreciação:
5.3.1. Basicamente custeio é aquilo que é consumido imediatamente, seja alocado a custo direto ou indireto. Exemplo: conta de luz, taxas e impostos, sal mineralizado, rações, salário de funcionários, herbicidas, adubos, vacinas, impostos, etc.
5.3.2. Investimento é aquilo cuja despesa ou custo vai retornar lentamente. Exemplo: formação de um pomar de laranja. Nos primeiros anos só se gasta, e nada se produz. Começa a produzir do 3o para o 4o ano, e normalmente se amortiza (paga) o investimento feito entre o 7o e o 8o ano.
5.3.3. Depreciação é o mecanismo utilizado para apropriar custos de:
5.3.3.1. Bens duráveis, como por exemplo: computadores, tratores, veículos, curral ou qualquer construção, etc. Tomemos um trator, por hipótese: custou US$ 25.000,00, e a regra é que seja depreciado em 10.000 horas. Dos US$ 25.000,00 deduzimos 10% – que seria o valor residual de revenda. Sobram US$ 22.500,00. Cada hora deste trator custará US$ 2,25 (que é a depreciação da máquina) mais a despesa efetiva do trator (combustível, peças, óleo lubrificante, etc.)
5.3.3.2. Bens de alto valor, que não sejam consumidos rapidamente, mesmo que não sejam considerados normalmente como bens duráveis. Na Água Milagrosa usamos como parâmetro US$ 300,00. O que fica abaixo disto é lançado como custo de forma imediata. A US$ 300,00 ou mais, é depreciado. Tomemos como exemplo um pneu de trator que custou US$ 400,00. Se lançássemos este pneu de trator como custo direto, o departamento que naquele mês utilizasse mais intensamente este trator, arcaria isoladamente com este custo. Se o mesmo trator no mês seguinte, fosse usado por outro departamento, ficaria ele isento do custo do pneu. Ou seja, um departamento seria penalizado, e outro seria beneficiado.
6. Parece complicado, não é??: custo direto, custo indireto, custeio, investimento, depreciação.
Na realidade é simples. Mas é necessário que se estabeleçam regras, ou parâmetros, que determinem como classificar cada custo, ou despesa. Os conceitos e definições básicos são os mencionados no item 5. acima, e em seus sub-itens. Mas não são conceitos rígidos. Existe uma certa liberdade para que cada um estabeleça suas próprias regras, ou parâmetros, dentro das peculiaridades de sua fazenda, ou dentro de sua conveniência. O que realmente é importante é que as regras ou parâmetros sejam claros, objetivos, e que sejam aplicados de forma constante e consistente. Em resumo:
6.1. Todo o levantamento de custos deve ser dividido em “departamentos”. (item 1. acima).
6.2. Deverá haver tantos departamentos quantas atividades ou sub-atividades existirem. (itens 1. e 2. acima).
6.3. Cada departamento (exceto os de serviço, é claro) deverão ter informação das respectivas áreas utilizadas ou ocupadas, mês a mês. (item 3. acima)
6.4. É preciso estabelecer-se unidade de valor, que pode ser dólar, arroba de boi ou mesmo o real, corrigido por algum indexador. Quanto menor o período de cotação desta unidade de valor, melhor. Unidade de valor com cotação diária é mais eficiente e exata que unidade de valor com cotação semanal. Unidade de valor com cotação semanal é mais eficiente e exata que unidade de valor com cotação mensal, e assim por diante.
6.5. Quanto à classificação dos dois grupos a que pertencem os departamentos de custo: podem ser de serviços = custo indireto, ou de produção = custo direto. (itens 5.1. e 5.2. acima)
6.6. Tudo é despesa, mas a despesa pode ser de custeio (lançado o valor total da despesa em departamento de custo direto ou indireto). Ou a despesa pode ser de investimento, que será amortizado ao longo do tempo (até se pagar). (itens 5.3., 5.3.1., e 5.3.2. acima)
6.7. Bens duráveis e/ou acima de determinado valor e que não sejam consumidos rapidamente, devem ser depreciados para evitar distorções (itens 5.3.3., 5.3.3.1 e 5.3.3.2 acima)
6.8. Se o leitor verificar que é difícil conciliar, ao mesmo tempo, os conceitos de custeio e de investimento – que devem sempre andar paralelamente – considere então tudo como custeio. O que se vai perder (mas apenas em parte), é a análise de retorno do investimento, ou TIR., e a possibilidade de estabelecer se um investimento pretendido deve ser lucrativo, ou não.
6.9. O melhor sistema de apropriação de custos é aquele que mais se identifique com a empresa, e com suas necessidades e peculiaridades. Não existe, portanto, “fórmula feita ou perfeita”. Os conceitos básicos podem (e devem) ser gerais e basicamente os mesmos, mas adequados a cada caso.
6.10. O importante é que o sistema adotado seja consistente, e alimentado com dados corretos. E que seja um espelho da realidade.
6.11. O último parâmetro a ser mencionado é a “remuneração da terra” , ou seja, quanto se “cobra” anualmente pela utilização de um hectare, por exemplo. Embora seja um conceito perfeitamente aceitável, devendo ser considerado como um dos itens que formam o “custo” de uma atividade ou departamento, na Água Milagrosa não o utilizamos, pois no nosso caso é aceitável considerar-se o valor da terra, e, conseqüentemente, sua remuneração, como amortizado. Seria diferente se fosse uma fazenda adquirida há pouco tempo. O custo de aquisição desta fazenda então seria considerada como investimento, como vimos acima.
Vamos dividir a matéria em mais três capítulos, os quais, como dissemos no início, pretendemos veicular no BeefPoint em intervalos aproximados de quinze dias. Estes três capítulos são:
IV – Administração de propriedade rural: Como fazer levantamento de Custos? 1
V – Administração de propriedade rural: Como fazer análise de resultados?
VI – Administração de propriedade rural: Análise de risco: investimentos e custeio operacional, finalizando com mais modelos de planilhas
1 O próximo capítulo: (IV) Como fazer levantamento de Custos? Será o mais longo as série: não apenas porque o tópico é extenso, e difícil de ser fracionado – como também porque estaremos incluindo modelos de planilhas, sem o que o texto ficaria sem nexo, e de difícil compreensão.
E, por favor, lembre-se sempre da regra básica:
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