Na semana passada a aftosa voltou a rondar o Brasil, com a confirmação do novo foco em Japorã/MS. Para o produtor, os impactos negativos da aftosa são imediatos. O mercado, que trabalhava em alta, com a notícia teve uma redução de preços em várias praças.
O objetivo desse artigo é analisar o estágio atual do controle da aftosa no Brasil e seus efeitos no mercado do boi gordo e da carne, no mercado interno e externo. Historicamente casos de aftosa têm um efeito muito prejudicial nas exportações de carne bovina in natura, devido aos embargos impostos pelos importadores. Com os casos de 2005, houve perdas estimadas pela Abiec de US$ 250 milhões.
Os estados do PR e MS tiveram prejuízos evidentes. No entanto, a regionalização das áreas livres de aftosa, o aumento do número de plantas habilitadas e a diversificação dos estados exportadores permitiram um efeito menor do que o previsto ao se analisar o total das exportações brasileiras.
Dos principais importadores brasileiros, apenas o Chile fechou as portas ao Brasil, não importando nada desde os focos do MS de 2005. Até a Rússia, que embargou um grande número de estados, continua importando grandes volumes. Com isso as exportações, mesmo com a aftosa, continuam em alta.
Outro efeito negativo foi o adiamento da (possível) abertura do mercado dos EUA, a carne in natura brasileira, para um futuro ainda incerto. Apesar desses efeitos, o fato é que os danos foram menores do que o esperado, ao menos para as exportações.
Já para o produtor a situação foi diferente.
O preço ao produtor sofreu queda em reais e em dólares (mesmo com a desvalorização da moeda norte-americana) maior do que os preços da carne exportada e da comercializada no mercado interno.
Gráfico 1: Preços da carne in natura exportada, carne bovina no mercado interno e arroba do boi gordo em dólares (janeiro 2005 = 100)
A conclusão é que, com a aftosa, os frigoríficos exportadores sem dúvida perdem, mas o produtor perde mais. Para o varejo, no mercado interno, os meses de outubro a dezembro, justamente pós-aftosa, foram os de preços mais altos em 2005. Ou seja, o interesse de resolver o problema de uma vez, embora seja de todos, deve preocupar mais o setor produtivo, que tem menos condições de manter a rentabilidade na sua presença.
Aproveitando a abertura da Expozebu 2006, na quinta e sexta-feira da semana passada, a ABCZ organizou em Uberaba/MG, o 1o Seminário Interamericano de Saúde Pública Veterinária, com tema central a erradicação da febre aftosa no continente americano, reunindo autoridades e lideranças de diversos países. As conclusões desse seminário são positivas, ficando claro que estamos muito próximos de livrar as Américas dessa doença.
Vários pontos importantes foram confirmados e reforçados. Entre eles pode-se destacar:
– A melhor maneira de se erradicar a aftosa continua sendo a vacinação em massa, com atenção especial a qualidade da vacina, sua conservação e aplicação corretas;
– O trabalho de erradicação da aftosa não pode ser realizado de forma isolada por cada país, precisa ser um esforço regional;
– É importante ter um bom cadastro de propriedades e rebanhos, além de controlar a movimentação de animais, nas áreas críticas, que no continente americano são: fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, fronteira Brasil-Bolívia, Venezuela e Equador, região do Chaco (Argentina, Bolívia e Paraguai), regiões NO e NE do Brasil (risco desconhecido);
– É preciso criar mecanismos de vacinação assistida em rebanhos localizados em assentamentos e territórios indígenas;
– Também é preciso criar mecanismos de punição para os produtores que não vacinam seus rebanhos.
Segundo Sebastião Guedes, presidente do Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa (GIEFA), o futuro do continente americano é ser livre de aftosa sem vacinação. Citou como exemplo o estado de Santa Catarina que há seis anos não vacina seus animais. Se o continente como um todo se comprometer como o estado de SC já faz, é possível vislumbrar o status livre sem vacinação. Guedes também citou a iniciativa, já apresentada aos frigoríficos exportadores (e com parecer inicial favorável), de criação de uma taxa de 5US$ por tonelada de carne exportada pelos países da América Latina, para criação de um fundo privado de apoio a ações de erradicação.
Figura 1: Focos de aftosa na América do Sul (2001-2005)
A febre aftosa está quase erradicada no continente. Em 2001, só a América do Sul teve mais de 4.500 de focos de afosa. No ano passado foram apenas 70 focos. Um grande avanço. As conclusões do seminário de Uberaba e a drástica redução no número de focos confirmam que estamos no caminho certo, mas quase-sucesso significa insucesso.
Os avanços da pecuária de corte brasileira são em sua grande maioria esforços individuais. Ao se melhorar a genética ou a nutrição de um rebanho, os ganhos são auferidos mesmo que seus vizinhos não façam o mesmo investimento. Geralmente ocorre justamente o contrário, quanto mais “atrasado” for seu vizinho, maior a chance de seu investimento em produtividade e eficiência serem remunerados, pois terá um diferencial em relação ao outros fornecedores.
Por exemplo, numa região em que tradicionalmente se encontra muitos produtores ofertando animais castrados para abate , bem terminados e pesados é improvável que se consiga um sobre-preço. Por outro lado, esse mesmo gado, numa região com pouca oferta de “gado bom”, pode valer mais. O sucesso de cada produtor é medido de acordo com a velocidade que aumenta sua eficiência e produtividade, em relação à média.
Com a aftosa ocorre o oposto. Pouco adianta ter uma vacinação excelente em sua propriedade e seus vizinhos não vacinarem corretamente. A remuneração do produtor não é mais proporcional ao seu diferencial em relação a média, mas dependente da realização bem-sucedida da vacinação em massa de toda região (estado, ou até mesmo país). Com isso a estratégia para se obter sucesso se torna mais complicada, pois é preciso ter a grande maioria dos produtores (idealmente todos) envolvidos nesse desafio.
Ao se analisar os preços pagos ao produtor em 2005 e a oscilação de mercado na semana passada é facilmente observável que a aftosa impacta muito negativamente no bolso do pecuarista. Em comparação ao que já foi feito, falta pouco para se erradicar a doença, mas ainda é preciso um trabalho concentrado, e que minimize falhas.
Os benefícios de ser um país livre de aftosa são muito superiores ao custo de erradicação. Além disso, a situação atual é a pior de todas, pois muito se investe (mas não o suficiente), logo tem-se o custo, mas não o benefício.
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Meu caro Miguel,
Permita-me discordar da afirmação “Com a aftosa,os frigoríficos exportadores sem dúvida perdem…”
No primeiro trimestre,tivemos:
Embarques:crescimento 12%
Receita:crescimento 23%
Com o dólar a R$2,10 as exportações só se viabilizam com arroba barata.
Assim,a aftosa (suposta ou real) tem sido a maior arma dos exportadores para, junto com o Mapa, para derrubar o preço da arroba.
Para isso,uma única vaca (creio que não é Nelore), é transformada em um foco!!! Mata-se mais de cem reses da propriedade, mais todas as reses dos vizinhos, o Mato Grosso do Sul inteiro é transformado em suspeito e isolado, esquece-se convenientemente que o MS é maior que muitos paisinhos da Europa, que na verdade estpa apenas interessada em criar obstáculos comerciais, vergonhasamente amparada por acordos esdrúxulos, firmados por delegações brasileiras comprometidas com interesses de nossos exportadores.
Parabéns Miguel,
Como sempre seus artigos são bem desenvolvidos, articulados e com conteúdo de uma análise crítica construtiva.
O assunto foi muito bem abordado pelo Eng. Agron. Miguel, destacando a condição que a indústria tem hoje, pois a mesma possui maior flexibilidade de contornar a situação, sendo até vantajosa para ela, principalmente, porque para as grandes indústrias, com diversas plantas em diversos estados, basta simplesmente migrar de estado e continuar exportando, e com maior margem, pois paga menos pela matéria prima. Além disso, o mercado interno paga o preço de carne de boi por carne de vaca, geralmente de qualidade inferior, aumentando ainda mais a lucratividade da indústria.
Quanto à culpa? Essa eu acredito, infelizmente, que seja de alguns produtores, justamente porque esses alguns não se comprometem com a causa, repercutindo negativamente para toda a cadeia, com ênfase para o setor primário, sendo reflexo de um ponto de estrangulamento antigo da classe, que é a falta de organização. Se não houver um envolvimento de todos não iremos para lugar nenhum e continuaremos a receber esse preço “de banana” pela @.
Caro Miguel
Muito oportuno seu artigo. O exame do gráfico incluído no mesmo mostra que apesar da febre aftosa o preço no mercado interno teve tendência de alta, ou seja, a margem dos distribuidores cresceu significativamente já que o preço da arroba caiu.
Já a exportação não foi afetada tanto em preço como em volume.
O governo, por sua vez, exultou já que é composto por políticos que naturalmente adoram preços baixos ao consumidor em ano de eleição,por razões óbvias.
Como você deixou bem claro no artigo, o único prejudicado foi o pecuarista.
Se os pecuaristas são os únicos prejudicados pela aftosa por que deveriam esperar ações da indústria e do governo para resolver o problema que não lhes afeta?
Vamos esperar sentados.
A única alternativa é criar mecanismos privados de defesa da pecuária nos moldes da extinta Fundepec, financiada pelos produtores e com suporte político do CNA e Federações Rurais.
Só assim vamos ter melhores condições de evitar que a falha de alguns poucos prejudiquem o trabalho da maioria.
Um abraço
Eduardo Miori
Miguel gostei muito do seu artigo, mas estou pessimista o que vem pela frente. Nós sabemos produzir tanto soja quanto gado, mas o que adianta só saber produzir, nossa matéria prima não tem valor algum. Do que adianta ser o ” Celeiro do Mundo”? Essa palavra da até raiva, se o produtor a cada dia que se passa fica mais pobre e é visto pelo o governo como peão rural.
Nesse governo maldito não se resolve nada. Eu e meu irmão somos o quarto da nossa geração a assumir a nossa propriedade e acho que ficará na quarta geração e olha que somos preparados, sabemos produzir. Mas eu te pergunto, do que adianta tudo isso?
Caro Miguel,
Parabéns pelo artigo esclarecedor sobre os efeitos da aftosa na cadeia de carne, e o produtor é quem está sofrendo mais no país inteiro enquanto os frigoríficos grandes têm mais poder de neutralizar os prejuízos locais através de escala e diversificação geográfica das unidades abatedouras.
Se você pergunta hoje aos fazendeiros ingleses se valeu a pena não ter vacinado contra a febre aftosa lá, provavelmente terá a resposta que não.
Quando surgem casos de aftosa num rebanho não vacinado, o resultado é péssimo e pode resultar num verdadeiro holocausto de animais como houve na Inglaterra uns anos atrás.
Também nas fazendas grandes, a vacinação é um meio obrigatório de ver todo o gado num curto espaço de tempo e é assim uma ferramenta de administração.
Brasil tem que lutar para eliminar as diferenças de preços que existem para produtos oriundos de áreas livre de aftosa e os produtos oriundos de áreas livre de aftosa com vacinação.
Um abraço,
Louis
Parabéns pelo editorial do coordenador do BeefPoint, Miguel da Rocha Cavalcanti, pelas informações contidas em seu artigo.
Isso é informar o produtor pecuarista, analisando com números e gráficos a tendência do mercado com relação às perdas por setor, e o que foi discutido no 1° Seminário Interamericano de Saúde Pública Veterinária organizado pela ABCZ realizado semana passada na Expozebu em Uberaba/MG.
O artigo cita os efeitos negativos do mercado em conseqüência do surgimento do novo foco de Febre Aftosa em Japorã/MS, sem entrar no mérito do acerto ou erro da notificação pelo Mapa. Na verdade, o que nós precisamos ter é clareza e confiabilidade em um órgão governamental – apesar das suas limitações – que tem a noção da importância de se mostrar confiável, não só para o público interno, mas principalmente para os países importadores, dos quais o Brasil precisa muito. E como foi analisado, houve perdas sim, mas não com a magnitude alardeadas pelos pitonisas de plantão.
Quanto aos tópicos discutidos no Seminário quando citou o estado de Santa Catarina como exemplo a ser seguido pelos países do continente Sul Americano para a obtenção do status de área livre sem vacinação, embora aquele estado tenha só reconhecimento nacional, isso não invalida o seu esforço despendido principalmente na época em que ocorreram os focos de Febre Aftosa no RS. Posso falar disso por que acompanhei de perto a preocupação e a seriedade deles, colaborando com meu trabalho nas fronteiras com o estado vizinho por duas vezes. Isso só tem uma explicação: consciência da importância do setor para o desenvolvimento do estado. Não é por acaso que as maiores empresas frigoríficas do setor avícola e suinícola originaram naquele estado.
Concluindo, eu diria que os outros estados da federação deveriam ter Santa Catarina como exemplo, cada um com suas particularidades e dificuldades, mas nunca fugindo do objetivo principal, que é a busca obstinada pela excelência da condição sanitária dos seus rebanhos.
MV Francisco Pereira Neto
Botucatu – SP
Acho que, estando como estamos os pecuaristas, nas Garras de Aço de 5 frigoríficos. Cada vez que o boi ameaçar melhorar de preço, esses frigoríficos, com a ingenuidade, ou com a cumplicidade do Min. da Agricultura, abrem sua caixa de maldades, e descobrem mais um foco, como foi o caso recentemente.
Com isto, o governo tem carne barata abastecendo Rio/São Paulo, os frigoríficos exportam de outros estados, a melhores preços. Quem paga a conta são os produtores de carne.
Nunca vai acabar, porque não há interesse…e temos centenas de quilometros de fronteira, ainda totalmente desprotegidas, com o Paraguai, que é de onde sempre vem a doença para nos assombrar. Os frigoríficos cartelizados e o Governo, ambos inimigos dos pecuaristas, sempre ganham, às custas do produtor brasileiro de carne.
Caro articulista,
Abaixo do mapa da Aftosa nas Américas (fonte Panaftosa), no segundo parágrafo tu disses que os avanços da pecuária etc, etc …
Discordo, pois me parece que esse ganho atual é ilusório vendemos para um mercado externo cada vez mais exigente e que vê o Brasil pecuário como um todo. Me parece que deveríamos ter um padrão de carne melhor “no todo” não isoladamente para que não só mantivessemos os mercados, mas também acessássemos outros mais promissores em preço, e que ainda não temos, e que vai exigir não só do nosso sanitarismo mas também de questões de meio ambiente, bem estar animal, rastreabilidade e outros fatores excludentes desses mercados e que temos que fazer em conjunto.
Dessa forma me parece que o terceiro parágrafo a meu juízo também não fecha com minha opinião. O sobre preço é para mim ilusório pois o que temos é sub-preço. As indústrias não terão volume suficiente nem qualidade de produto para alcançar os melhores mercados pagadores se não tivermos mais e mais produtores no Brasil produzindo com eficiência.
O teu próprio artigo diz isso em relação a Aftosa, temos que pensar no todo também em eficiência dentro da propriedade e principalmente fora da propriedade tendo a gestão da comercialização como fator de diferencial do sobre preço, mas isso não se faz isoladamente.
Temos que diferenciar nosso produto como um “todo”, ou seja mais e mais produtores produzindo com a eficiência que alguns já o fazem.
Um abraço,
Silvio
Brasil livre de aftosa sem vacinação não acredito que seja possível, visto o grande número de animais potencialmente transmissores da doença em nossas florestas. No entanto, quanto aos pecuaristas, estes deveriam sim ser penalizados quando comprovado que não vacinaram seus rebanhos.
A vacinação deve ser entendida como obrigatória e portanto parte do processo de produção do gado de corte. Claro, não podemos esquecer do Estado, que não opera como devia, de forma mais enérgica e preventiva, (como podemos observar com todos esses protestos de agricultores). Esperamos que desse evento ocorrido na ExpoZebu venham ações concretas para o campo.