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Agregação de valor na cadeia da carne

A agregação de valor é definida como a disposição do comprador para pagar acima do custo de produção. O mercado consumidor atual é bombardeado por inúmeras ofertas e está cada vez mais saturado pela concorrência. Com objetivo de fazer frente aos baixos preços do boi gordo, alguns produtores vem buscando formas de aumentar o valor de suas produções.

Para entender como agregar valor no produto carne bovina é importante compreender uma série de tendências que afetam o comércio de todos produtos. A mais importante mudança é o maior e mais rápido acesso a informação. Isso torna o consumidor mais exigente, menos negligente e de convencimento mais difícil.

Pode-se ganhar mais competividade no mercado ao se garantir mais padronização e uniformidade do produto e também mais maciez, que é o atributo desejado por todos os consumidores. Outra característica muito comentada, o marmoreio pode ser desejado por um determinado segmento de mercado, que deseja mais sabor e rejeitado por outro que procura um alimento com menos gordura, mais saudável. A maciez é desejada por todos os segmentos atualmente conhecidos. A procura por mais qualidade, nesse caso maciez e padronização, foi o que estimulou a criação de carnes com marca em outros países.

Outra forma de diferenciar um produto é garantir que ele é produzido seguindo padrões desejados pelo consumidor. Há cada vez mais demanda por sistemas de produção que sejam sustentáveis ambiental e socialmente e, no caso da produção animal, se preocupem com o bem-estar animal. O aumento da importância dos alimentos orgânicos aqui e no exterior pode ser explicado por essa nova necessidade do consumidor. Vale lembrar que o maior acesso a informação torna essas características cada vez mais importantes.

A carne bovina é produto amado pelo consumidor no Brasil e em inúmeros países do mundo. Além disso, o crescimento econômico mundial está permitindo que um número cada vez maior de pessoas troque a proteína vegetal pela proteína animal. O Brasil é o país que mais se beneficiará desse aumento de mercado potencial de carne bovina, suína e de frango.

Há no Brasil um exemplo de empresa dedicada ao comércio de carne bovina que há muitos anos se preocupa em agregar valor na carne bovina pelo fornecimento de produtos de acordo com as exigências do consumidor (e muita vezes superando essas exigências). É a Wessel, que pode ensinar muito a cadeia da carne brasileira na busca por diferenciação, agregação de valor e maior rentabilidade.

Os Wessel vieram ao Brasil fugindo dos comunistas no ano de 1957, tendo aberto seu primeiro açougue no Brasil em 1958. O livro “Os Wessel, uma história sem cortes”, de István Wessel, é uma agradável narrativa dos desafios dessa família há algumas gerações se dedica a carne bovina.

O livro mostra que desde o difícil começo no Brasil, sem dinheiro, mas com muita disposição e conhecimento sobre carne, conseguiram inovar e ter sucesso. Em 1974, por exemplo, decidiram abrir uma filial, na avenida Faria Lima, e optaram por centralizar a produção, como forma de garantir a qualidade dos cortes. Dessa forma, há mais de 30 anos, foram contra o mito (ainda hoje muito respeitado), de que o consumidor quer ver o corte e preparo da carne, antes de comprá-la.

István relata que nos primeiros dias de funcionamento, muitos clientes reclamavam e diziam que a venda de carne embalada a vácuo não iria dar certo. Ele garantia, dizendo que se não ficassem satisfeitos, devolveria o dinheiro. Conta que por alguns dias o mais comum era o cliente dizer “Isso não vai dar certo, mas me dá dois pacotes”. Ou seja, o consumidor dizia que queria ver cortar, quando na verdade queria apenas a garantia de que a carne era de qualidade.

Os Wessel inovaram também ao lançar brindes como facas e tábuas de churrasco, que serviram como forma de divulgação da marca. Muito cedo perceberam que vendiam um corte de carne e o cliente queria comprar uma refeição, ou seja, a carne era apenas a matéria-prima. Com isso lançaram pequenos folhetos de receitas, que facilitavam e melhoravam o produto deles, aumentando seu valor, pois a qualidade do prato final aumentava. Um excelente exemplo de como a informação ajudou a agregar valor a um produto.

Na década de 90, os supermercados se modernizaram muito, tomando espaço de diversos tipos de comércio, inclusive dos açougues. Os Wessel transformaram essa ameaça numa grande oportunidade. Da mesma forma que uma empresa de cosméticos “assumia” uma pequena área de uma enorme loja de departamentos para vender seus produtos, começaram a operar a venda de carnes especiais dentro de uma rede de supermercados.

Uma grande mudança e um grande avanço. Antes tinham duas lojas administradas pela família e em menos de dois anos tinham mais de 20 “espaços” dentro de supermercados.

Outra ferramenta utilizada para fortalecer a marca foi o envolvimento com a mídia. Além do uso pioneiro da publicidade e relações públicas, István Wessel já escreveu mais de 200 de artigos para publiações gastronômicas e registra centenas de participações na TV e rádio.

Publicou quatro livros, o último em parceria com renomados chefs de cozinha e a equipe de nutrição e dietética de dois famosos hospitais de São Paulo, com o título “Os Chefs do Coração”. Uma excelente forma de registrar que é perfeitamente possível usar seu produto – a carne bovina – numa dieta saudável.

A história dos Wessel é um interessante exemplo de sucesso na cadeia da carne brasileira, que comprova que mesmo com poucos recursos iniciais e muitas dificuldades é possível, com muito trabalho e criatividade agregar valor ao nosso produto.

0 Comments

  1. Bruno de Jesus Andrade disse:

    Em uma recente pesquisa de mercado que realizamos aqui em Maringá/PR, constatamos que as pessoas preferiam comprar carne direto no balcão, sem estar na bandeja ou embalada à vácuo (por causa da coloração causada pela falta de oxigênio). Enfim, notamos uma grande desinformação das pessoas entrevistadas, não sabiam muita coisa sobre a carne, suas características, benefícios e importância.

    Portanto, acredito que exista muita desinformação por parte dos consumidores sobre a carne bovina. Talvez, o melhor enfoque a ser dado aos produtos de origem animal é que se consumidos de forma consciente só trarão benefícios, e as pesquisas realizadas em universidades revelam isso e são materiais acessíveis. Falta apenas essas informações chegarem aos consumidores de forma clara e objetiva.

  2. Paulo Cesar Bastos disse:

    Prezado Miguel Cavalcanti

    A respeito do seu mais novo e oportuno editorial, seguem algumas considerações.

    Em plena safra de boi gordo a pecuária de corte está em tempo de vacas magras. Isso é inaceitável para uma atividade tão importante para o desenvolvimento sócio-econômico do nosso País.

    Assim, é urgente e preciso repensar o setor para o atual momento, para as novas condições do mercado contemporâneo. Torna-se necessário refletir: por que fazemos dessa forma e não está dando certo? Por que não mudamos?

    Uma falta de sintonia com os novos tempos poderá custar ainda mais caro à pecuária de corte do Brasil. A resistência à mudança do hábito é um freio natural. Ocorre no entanto, que não se pode mais correr o risco de parar no tempo e passar do ponto.
    Tudo isso, sinaliza, de imediato, para uma necessidade vital de um plano de transformação e modernização da indústria da carne através de uma evolução tecnológica e mercadológica que venha a favorecer o processamento de novos produtos mais competitivos e atraentes para o mercado , tanto em custo como,tambem ,em qualidade.
    A palavra chave é agregar valor aos produtos ,aliado a um melhor aproveitamento dos subprodutos. Continuo acreditando que essa pode ser uma solução para equacionar o desafiante binômio preço justo x baixa renda que pôe à prova a cadeia do agronegócio da carne.
    Posto isso , um caminho , provável, embora não seja o único,para conseguirmos uma justa remuneração pela arroba do boi passará pelo estabelecimento de uma indústria de abate mais processadora e eficiente que pague o certo e
    produza a custos competitivos sem repasse inviável para a maioria dos consumidores , que não compra mais por falta de renda.
    PAULO CESAR BASTOS
    Engenheiro civil e pecuarista- Feira de Santana/BA