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Agroindústrias: uma bênção ou um castigo?

É realmente um absurdo que esta pergunta tenha que ser feita, porque ninguém devia ter a menor dúvida sobre a resposta. Mas acontece que muitos pecuaristas nunca conseguiram enxergar os frigoríficos como uma bênção ou um valorizador de seu patrimônio e por isto não hesitam em chamar estas indústrias de um verdadeiro castigo da atividade de pecuária de corte, porém na sua total ou parcial ausência ouvimos gritos de socorro.

Visão de produtor

É realmente um absurdo que esta pergunta tenha que ser feita, porque ninguém devia ter a menor dúvida sobre a resposta. Mas acontece que muitos pecuaristas nunca conseguiram enxergar os frigoríficos como uma bênção ou um valorizador de seu patrimônio e por isto não hesitam em chamar estas indústrias de um verdadeiro castigo da atividade de pecuária de corte, porém na sua total ou parcial ausência ouvimos gritos de socorro, por exemplo, vindo do Estado de Rondônia conforme registrado no artigo recentemente publicado neste espaço pelo Alexandre Foroni, sobre a crise na pecuária naquele estado, “Pecuária de Rondônia em crise“.

Também os produtores de leite, na sua grande maioria, decididamente não vão chamar as indústrias laticínios como uma bênção ou valorizador do patrimônio, mas na sua falta ou ausência, a atividade se torna simplesmente inviável.

Os lavouristas não devem enxergar as indústrias de processamento de grãos como benfeitores ou valorizadores de patrimônio, apesar de que isto pode acontecer via a bolsa de Chicago, como nos já vimos em vários anos principalmente com a soja.

De certa maneira podemos até dizer que a soja, pelo menos em alguns anos, conseguiu ser uma benfeitora e valorizadora de patrimônio e certamente os laços entre as indústrias e produtores são mais estreitos, substituindo parcialmente ou até totalmente financiamentos bancários através da soja verde. Mas infelizmente os abusos cometidos pelas indústrias e os produtores também foram e são muitos e a falta de compromisso com – falta de pagamento – a qualidade, tipo teor de óleo faz com que o produtor não tenha qualquer incentivo de produzir cultivares mais ricos em óleo. Até hoje o produtor só tem descontos por umidade, impurezas e % de grãos ardidos ou avariados, mas não tem nenhum prêmio pela qualidade.

Os fornecedores da cana na sua grande maioria enxergam sim as indústrias sucro-alcooleiras realmente como benfeitores e valorizadores do patrimônio e o segredo do sucesso é o reconhecimento da interdependência que é, pelo menos por enquanto, uma palavra quase desconhecida nos meios da pecuária.

Também algumas cooperativas conseguem ter a interdependência reconhecida e renumerada, mas infelizmente ainda são raridades.

Visão da Indústria

É interessante que o contrário funcione do mesmo jeito, os frigoríficos na sua grande maioria não consideram os pecuaristas uma bênção, mas procuram sistematicamente minimizar a qualidade e maximizar os defeitos dos produtos adquiridos pagando sempre o mínimo possível, e pior não reconhecem ou usam as informações que são obtidas a partir das carcaças na sala de matança e nas câmaras frias.

Ser o comprador de gado de um frigorífico deve ser um dos serviços mais chatos e descartáveis que tem, pois só cumpre ordens e é o responsável visível e o catalisador de queixas partindo dos fazendeiros, transportadores, inspeção federal do próprio frigorífico. E o pior, não faria muita diferença se o compra de gado fossa totalmente informatizado e automatizada com um callcenter SAC na Índia o paraíso atual da língua inglesa para o outsourcing destes serviços, para nós aqui podia ser até nas ilhas de São Thomé quem sabe?

A única informação que o produtor recebe e que o frigorífico guarda é o relatório de abate com sexo, idade, lote, dia de matança e o peso das carcaças.

Não existe, pelo que sei, um feedback do frigorífico para o vendedor – produtor do gado abatido – sobre como produzir uma carcaça que agrega mais valor, etc.

É incompreensível que até hoje não se implantou um sistema nacional de classificação de carcaça e um sistema de pagamento de acordo com a classificação feita nas indústrias frigoríficas.

Parece que desde que não tenham muitos animais fora do padrão combinado, os processadores não ligam muito para a qualidade, pelo menos no que tange o produtor. Mas preferem achar que o valor agregado somente pode ocorrer nas fábricas e por isso mesmo não deve ser pago como bônus para o produtor, que é no meu ver um ledo engano cometido por falta de informações sobre os efeitos acumulativos do ciclo virtuoso de qualidade dentro das próprias indústrias.

A conta que não é feita

Um frigorífico situado numa região reconhecida como sendo livre de febre aftosa com vacinação e que tem capacidade de abater 1500 bois certificados, rastreados, de 18 arrobas cada por dia e sendo todos dentro de padrão exportação para os mercados mais exigentes e recompensadores, tem um potencial de produção e receita que devem permitir pagar preços muito maiores dos que estão sendo pagos atualmente, mas obviamente este potencial é comprometido por cada variável que está fora destas especificações.

Creio que pouquíssimos frigoríficos fazem esta conta; o potencial não realizado deve entrar direto nos custos de produção. Colocar vacas na linha com 12 a 14 arrobas de fato compromete tudo o que foi planejado, mesmo quando estas vacas por vias milagrosas se tornam bois no papel.

Um executivo do ramo Sucro-alcooleiro colocaria o potencial na lousa, e definiria isto como meta a ser atingida pela empresa, o executivo do frigorífico usa o mesmo número para explicar porque não pode mudar nada e pagar nenhum centavo a mais para os seus fornecedores de gado.

A responsabilidade que não é assumida

Em vez de assumir de vez a responsabilidade pelos custos e operacionalidade da defesa sanitária e da rastreabilidade, todo mundo quer jogar isto nas costas do governo, se esquecendo que eventuais problemas terão reflexos financeiros nas próprias indústrias em primeiro lugar e por tabela na cadeia inteira depois.

Está na hora de promover uma mudança radical na pecuária brasileira e é válida tanto para o mercado interno como para a exportação.

Chega de manipular, enganar, fazer de conta, culpar os outros, no fim todas as indústrias e seus fornecedores serão beneficiados quando a defesa sanitária e a rastreabilidade estiverem funcionando bem no país inteiro, mas agora é necessário tomar a dianteira porque as cercas estão se fechando na Rússia e na União Européia.

Num lado estamos vendo trabalhos feitos sobre os efeitos dos embargos na economia paulista, e no outro lado os irlandeses afirmam que a carne brasileira continua a chegar na UE como se nada tivesse acontecido, mais um exemplo da mirabolante criatividade?

Será que precisamos passar por uma operação tipo “carne assada” para acordar?

O planejamento que não é feito

Não existe nenhum planejamento sério e baseado nos contratos de compra de bois porque pelo jeito nem os produtores/fornecedores de gado e nem as indústrias compradoras se interessam por isto; o máximo que chegam são operações na bolsa de futuro.

Sem ter uma visão realista, documentado e comprometida sobre o fluxo de abates, é impossível trabalhar da maneira mais eficiente possível e ambos os lados estão perdendo muito com esta falta de compromisso e planejamento. O plano da safra é um ponto crucial para o executivo do Sucro – alcooleiro e um piada de mau gosto para o executivo do frigorífico e seus fornecedores.

As conseqüências

Tanto o produtor do gado para o abate, como o comprador frigorífico se auto-enxergam como onipotentes e auto-suficientes, “sempre posso procurar outro frigorífico” e “sempre posso comprar o gado de outro fornecedor”.

Claro que não deixa de ser uma verdade e possibilidade, mais sem dúvida a grande maioria de quem parte para este lado vai para levar vantagem e não quer saber se de fato vai prejudicar quem fica para trás.

Quase ninguém houve falar do ditado “Não faça aos outros o que não quer que façam com você”, mas se todos os elos da cadeia praticassem esta sabedoria milenar, sem dúvida este artigo não precisaria ser escrito e nem publicado.

Ficamos presos num ciclo vicioso, reclamando sempre de tudo como, por exemplo, a famosa suposição de formação de cartel por parte dos frigoríficos.

Para mim é obvio que se instalou de fato um tipo de tabela de preços e de certa maneira isto já está acontecendo no mercado de grãos, leite e principalmente no setor sucro-alcooleiro. No meu ver o principal problema não é tanto uma possível formação de cartel, mas sim a relação totalmente prostituída e doente entre os fornecedores de matéria prima e os frigoríficos, que está inibindo, cada vez mais, ganhos maiores para ambos pela plena e mútua ignorância, desconfiança, ganância e teimosia.

A falta de comprometimento mútua dos elos da cadeia de carne bovina é o grande diferencial e a razão principal pelos problemas que temos na pecuária de corte, incluindo a não valorização do patrimônio dos produtores.

Vejamos como estão completamente opostas as coisas no segmento sucro-alcooleiro, um setor que também já passou pelas várias crises, sendo a pior em 98-99 quando o setor realmente balançou e quase afundou.

As soluções

No outro lado temos atualmente a indústria sucro-alcooleira, e esta sim pode de fato ser visto como uma bênção e valorizadora de patrimônio; vamos pensar um pouco sobre o porque disto.

A qualidade de cana que entra nas indústrias determina em grande parte o rendimento final, o resultado financeiro e o bem estar da indústria e o reconhecimento disto acabou de vez com a mentalidade de “cada um por si”.

Esta interdependência foi descoberta principalmente depois a implantação do Proalcool nos anos 70 e o surgimento da Única (União de Agroindústria Canavieira), que está fazendo um excelente trabalho unindo todos os elos da cadeia de açúcar e álcool e poderá até servir como um exemplo para o que tem que ser feito com a Agroindústria Bovina.

A interdependência é hoje o fundamento principal que rege a relação entre fornecedores e as indústrias e constitui a chave mestra do funcionamento integrado das áreas de administrações agrícolas, logísticas, industriais e gerenciais.

O sistema atual de pagamento da cana baseado no ATR (Açúcar Total Recuperável), não só paga o produtor pela qualidade, como também na mesma hora indica que rendimento industrial está sendo esperado e pago, e coloca de fato metas a serem atingidas para a fase industrial.

É primordial que seja implantado nos frigoríficos um sistema de classificação de carcaças simples e transparente, sem maracutaias onde a qualidade é paga partindo do potencial que a carcaça vai ter na indústria.

O plano da safra no setor Sucro-alcooleiro é feito com base nos compromissos previamente assumidos com os fornecedores, avaliação de produção esperada em cada talhão de cana e a partir desta informação a indústria pode planejar a logística necessária para alcançar os objetivos.

Os frigoríficos precisam se organizar muito melhor, priorizar os clientes e criar a fidelidade dos fornecedores que realmente interessam pelos produtos fornecidos. Cada ano safra deve ser elaborado junto com estes fornecedores valiosos da matéria prima.

O departamento de compras de gado deve ser totalmente re-inventado e trabalhar como a divisão agrícola funciona no setor sucro-alcooleiro, tendo um planejamento feito junto com os fornecedores sobre o fluxo de abates e usar a bolsa de mercados futuros como uma ferramenta de proteção aos compromissos assumidos.

Para poder ser muito mais eficiente, é necessário um grande workshop com todos os elos da cadeia de carne bovina para indicar os rumos que temos que tomar; o Beefpoint pode ser o grande promotor deste evento que deve ser o divisor de águas e melhorar de vez os relações entre todos que querem o bem da pecuária brasileira.

0 Comments

  1. Eduardo Pereira Dutra disse:

    Parabéns, muito bom esse artigo!!!