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Ajuste da produção no inverno e a rentabilidade na pecuária de corte

Por Ari José Fernandes Lacôrte1 e Mario Celso Fernandes Lacôrte2

O planejamento e a busca da maximização da produtividade, em muitos sistemas de produção animal, passa por um viés de não estabelecer, necessariamente, o nível de produção mais econômico para o fazendeiro. Na maioria dos casos o ajuste do desfrute econômico do rebanho passa pela superação da sazonalidade das pastagens, através da adoção de uma ou mais estratégias de inverno. Em microeconômica, de forma bem sintética, na Teoria da Produção e dos Custos admite-se, no modelo da maximização dos lucros, que a empresa deve aumentar seu custo de produção até o ponto em que seu custo marginal se iguale á receita marginal (Fergusson, 1.986) considerando-se um insumo variável qualquer (X), dado uma tecnologia e mantendo outros fatores de produção constantes.

Imaginemos primeiro uma função de produção geral e hipotética apresentada na figura 1, muito útil para explorarmos melhor o problema da maximização dos lucros. Nesta figura temos a curva de produção total (TPx), a curva de produto médio (APx) e a curva de produto Marginal (MPx). O produto médio é dado pela divisão da produção total pelo total de unidades do insumo X (TP/TX). Já o produto marginal é resultado do aumento (variação) da produção total dado um aumento qualquer no insumo X (VarTP/VarTx). Identifica-se 3 estágios típicos do rendimento da produção com relação ao nível do uso do insumo X.

Esta curva é utilizada para explicar a lei dos rendimentos decrescentes na produção. Podemos verificar que no estágio 1, também chamado de irracional, o produto médio é maior que o produto marginal onde a produção se caracteriza por rendimentos crescentes em resposta a adições de maiores quantidades da variável X. O estágio 2 começa onde o produto marginal é igual ao produto médio e termina no ponto onde o produto marginal é zero e a produção total é máxima. Este se caracteriza por rendimentos decrescentes a adições da variável X. É conhecido como estágio racional da produção. No estágio 3, também chamado de irracional, verificamos que os rendimentos da produção são negativos a adições de X e a produção total começa a diminuir (Seo, 1.994).

É de se esperar que o planejamento da produção de qualquer fazenda procure se manter nos limites do estágio 2. Neste nível de produção os fatores de produção, fixo e variável (X) estariam sendo utilizados numa nível de otimização com relação aos rendimentos da produtividade. Esta análise mede apenas a eficiência da produção, mas não necessariamente o nível de máximo lucro.

Figura 1: Função de Produção Hipotética.

Fonte: K.. K. Seo, Managerial Economics

Ao colocarmos os preços tanto nas quantidades usadas da variável X quanto no produto de venda, podemos então obter a função de custo marginal e receita marginal. A receita marginal é o acréscimo da receita, gerado por um aumento de uma unidade da variável X. Este aumento da quantidade utilizada de X também resulta num aumento do custo total. A variação do custo total é o custo marginal. A teoria prescreve que no curto prazo, num mercado em concorrência pura, que tem um bom exemplo nos mercados dos produtos agrícolas, o lucro máximo pode ser encontrado quando o custo marginal é igual à receita marginal.

Abstraindo-se muito deste modelo podemos usá-lo para tentar explicar porque a chave da viabilização econômica dos sistemas de produção na pecuária de corte requer um ajuste da produtividade no inverno em resposta a sazonalidade das pastagens.

Sazonalidade da produção e percepção da lucratividade

Apesar da reconhecida competitividade dos sistemas que extraem somente das pastagens a nutrição do rebanho, estes sistemas, quando não superam a limitação imposta pela sazonalidade dos pastos verificadas no inverno tendem à baixa lucratividade e, muitas vezes estão associados à degradação das pastagens. De uma forma bem geral admitindo-se que a produtividade média é baixa no inverno é de se esperar que a produtividade marginal possa ser alta. Adicionando-se tecnologia ao sistema de produção, admitindo-se que o uso da tecnologia é conceitualmente o mesmo que a variável X da função de produção, o que é evidentemente uma abstração, é de se esperar que o sistema desta fazenda esteja aumentando sua produção com rendimentos positivos da produção quando a tecnologia contribui para o aumento da produtividade no inverno. Neste caso crescimento da produção no inverno se caracteriza bem como uma caminhada na curva de produção total do estágio 1 para o estágio 2. Portanto é de se esperar que, dados os outros fatores constantes, o custo marginal esteja se aproximando da receita marginal e o sistema de produção entrando num nível de maximização dos lucros quando uma técnica ou tecnologia são aplicadas para aumentar a produtividade do rebanho no inverno. A contribuição à produção anual de peso vivo da fazenda, gerado por uma estratégia de inverno, viabiliza o aumento do desfrute do rebanho, com uma interação economicamente eficaz entre o custo e receita total dependendo do nível de produtividade original da fazenda com base nos conceitos microeconômicos.

Talvez isto explique, em parte, porque o fazendeiro que planeja seu sistema de produção para superar a sazonalidade das pastagens registradas no inverno corre menor risco de insucesso econômico. De certa forma, o pecuarista que privilegia sua produção no verão reproduz um sistema que já está pronto na natureza há muito tempo, repetindo um ciclo de alta produtividade no verão e baixa produtividade no inverno.

Estratégias de inverno para minimizar ou superar a sazonalidade das pastagens

A tabela 1 resume a maioria das estratégias de inverno disponíveis para minimização ou mesmo à superação da sazonalidade das pastagens no inverno. A adoção de uma ou mais estratégias deve ter o objetivo de resolver o problema de produção de peso vivo em cada categoria animal: cria, recria e engorda e servir como um instrumento auxiliar de manejo de pasto.

Além das diferentes exigências nutricionais de cada fase, deve-se levar em conta como estas fases se complementam visando o desfrute planejado do rebanho e o equilíbrio da taxa de lotação das pastagens no ano. Por exemplo, a manutenção do peso vivo de vacas é evidentemente menos exigente em requerimentos nutricionais do que a engorda. Assim como do ganho de peso (crescimento) na fase de recria é uma das fases de maior eficiência, a priori. A engorda tem alta exigência em quantidade e qualidade com relação à matéria seca consumida pelo rebanho. No confinamento, onde a dieta é plenamente controlada, o ganho de peso é uma estratégia a ser definida ano a ano, com base no custo da ração, na expectativa de preço do boi gordo e na meta do desfrute do rebanho a ser atingido. O desfrute é uma variável de longo prazo no planejamento da fazenda e é a síntese do ganho de peso de cada categoria animal ao longo do ano todo.


As estratégias da tabela 1 podem ser utilizadas isoladamente ou em conjunto. No caso da cria o diferimento de algumas áreas de pastagens mais o descarte de vacas e novilhas diminui a pressão de pastejo e contribui para o equilíbrio da disponibilidade de pastagem neste período. Para a recria, por exemplo, o uso de sal proteinado, de consumo auto-limitado com boa macega, pode resultar em ganhos de 200 a 400 grama/dia porém sem efeito na redução da pressão de pastejo. O confinamento pode agregar de 100 a 200 kg de peso vivo, dependendo da ração e dos animais confinados. O benefício indireto da intensidade da redução da pressão da pastejo deve ser considerado caso a caso para cada estratégia adotada. O confinamento é a estratégia que reduz a zero a pressão de pastejo dos animais de engorda, liberando pastagem para categorias menos exigentes no inverno. O planejamento de cada fazenda pode definir o arranjo das estratégias de inverno de acordo com suas potencialidades e objetivos.

Pastejo em pastagens irrigadas

Como o pastejo em pastagens irrigadas não se propõe a resolver o problema da sazonalidade não a consideramos uma estratégia de inverno. A irrigação de pastagens passa por um momento crítico. Utilizada sem critérios e na maioria das vezes sem planejamento, trouxe mais problemas do que soluções. Foi um caso “learning by doing”. Talvez isto ocorra com muito mais freqüência do que se possa imaginar. Porém hoje pode-se dizer que a experimentação e as pesquisas formais no Brasil começam a formar uma base consistente para o entendimento desta tecnologia e a projeção dos seus resultados no planejamento das fazendas de gado de corte.

No trabalho de pesquisa apresentado por Balsalobre no 20o Simpósio de Pastagem da Esalq, realizado num amplo projeto de experimentações denominado projeto Capim em Piracicaba-SP, o autor alerta para o fato de que a irrigação de pastagem pode piorar o problema da sazonalidade de produção, dependendo da região onde se localiza a fazenda. Isto pode ocorrer, pois a irrigação das pastagens contribui para o aumento da produção no verão, mas não aumenta significativamente a produção no inverno, limitado pela luminosidade e pela temperatura. Usando o conceito da temperatura base, que é a temperatura limitante para o desenvolvimento de uma forragem, Balsalobre cita o trabalho de Medeiros et al (2.002) que constatou ser 13oC a temperatura base do capim elefante. Segundo o autor a irrigação tende a gerar menos déficits de forragem entre o verão e o inverno quanto menor for a latitude do local.

Um problema a ser considerado em pastagens irrigadas é perda da produção em pastejo que pode chegar em alguns casos ao redor de 40% da produção total de forragem. Como a irrigação e adubação de pastagens tendem a maximizar a relação solo planta, esta perda aumenta o custo de produção da forragem. Ou seja, maximiza-se a produção de capim e utiliza-se um sistema de colheita relativamente ineficiente que é o pastejo bovino quando comparado com a colheita mecânica. Talvez, na cria, que necessita de uma dieta menos rica e depende de uma oferta mais regular de pasto no período de primavera-verão para manutenção da estação de monta a irrigação de pastagem poderia ser viabilizada com taxas de lotação moderadas e adubações leves. Isto diminuiria o hiato entre custo da produção da forragem e o benefício traduzido pela renda da produção de peso vivo. Pesquisas poderiam também avaliar o potencial da cria em sistemas de irrigação por gotejamento. Isto mudaria o desafio desta tecnologia e, eventualmente, melhoraria a viabilidade econômica do pastejo irrigado nos sistemas de produção em pecuária de corte.

A nosso ver, uma fazenda que opta pela irrigação, uma tecnologia sofisticada, deve também dominar a tecnologia agrícola para explorar ao máximo a área irrigada, com produção de grãos e volumosos que podem ser fornecidos no inverno ao rebanho, ai sim, contribuir decisivamente na redução do problema da sazonalidade das pastagens e melhorar a rentabilidade do sistema como um todo.

Análise econômica para escolha do sistema de produção

Como as fazendas na prática não têm uma função de produção como a que analisamos aqui, a avaliação da viabilidade econômica do sistema de produção é mais empírica. Também não é recomendável analisar apenas um insumo ou uma técnica dependendo do impacto operacional e econômico no sistema de produção da fazenda. Num sistema de produção, alterações tecnológicas precisam ser avaliadas do ponto de vista econômico, financeiro e operacional, pois muitas vezes se relacionam de forma sinérgica ou competitiva dependendo da situação original da fazenda e da relevância da alteração tecnológica que se pretende fazer.

Algumas decisões, mais rotineiras, podem ser avaliadas com simples orçamentações. A Análise Econômica de Projetos (Noronha, 1.986) e Análise de Decisão (Perez, 1990) são instrumentos formais de planejamento disponíveis para serem utilizados quando há relevância na decisão. Na análise de projetos de pecuária de corte a orçamentação gerada pelo projeto é avaliada num fluxo de caixa de longo prazo, de preferência com horizonte de 10 anos quando envolve somente a recria e engorda e de 15 anos quando a cria está envolvida. Os principais parâmetros obtidos são a Taxa Interna de Retorno (TIR), o Valor Presente do projeto, considerando-se uma taxa de desconto anual (juros), o repagamento dos investimentos e Lucro Bruto anual após a estabilização do rebanho. O risco na análise de projetos pode ser avaliado pela simulação das principais variáveis como preço do bezerro, preço do boi gordo ou a produtividade esperada como ganho de peso, taxa de prenhez, peso na desmama ou idade da primeira parição, por exemplo.

Na Análise de Decisão o risco associado ao resultado econômico é focado com mais relevância através da inclusão das probabilidades usadas na análise. Define-se um parâmetro econômico, como o lucro bruto, por exemplo, e através das árvores de decisão simula-se o resultado da estratégia analisada associando-se estimativas de probabilidades para preços e produtividade. O resultado encontrado para o Lucro Bruto é ponderado, portanto pelas probabilidades permitindo uma avaliação do risco da estratégia adotada.

Comentários finais

Provavelmente o fator mais problemático para a viabilização da produção de carne bovina seja a sazonalidade de produção das pastagens. A quantidade de pastos degradados ou com baixa produtividade no Brasil reflete, de forma indireta, uma certa dificuldade no ajuste no manejo das pastagens. O potencial da produtividade no verão acaba sendo limitado pelo inverno. Com base em alguns conceitos teóricos de microeconomia tentamos explicar porque os sistemas de produção de carne bovina que focam esta restrição sazonal das pastagens podem ter menor risco econômico.

As estratégias de inverno, algumas muito antigas, devem tentar compensar a sazonalidade das pastagens, favorecendo a interação estratégica do ganho de peso vivo de cada categoria animal, auxiliando no manejo e na preservação das pastagens, contribuindo para um elevado desfrute do rebanho que é em essência, o objetivo de todas as fazendas de pecuária de corte. O ajuste do sistema de produção visando o aumento do lucro deve contar com um planejamento formal onde a Análise Econômica de Projetos e a Análise de Decisão são bons exemplos de instrumentos disponíveis para o pecuarista que o auxiliam na concepção do melhor sistema diminuindo o risco estratégico e econômico de suas decisões.

Literatura citada

Balsalobre, Marco Antonio et alli, “Pastagens Irrigadas” 20o Simpósio sobre Manejo de Pastagens da Esalq USP, Setembro de 2.003, Piracicaba-SP.

Fergusson, C.E. “Micoreconomia” 10 edição, 1.987, Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro-Brasil.

Noronha,José F.”Projetos:Agropecuários:Administração Financeira, Orçamentação e Avaliação Econômica. Fundação de Estudo Agrários Luis de Queiroz. Piracicaba-SP

Perez, F.C. “Confinamento de Gado de Corte: um modelo de análise de decisão”, Tese de Livre Docência, Departamento de economia e Sociologia Rural da Esalq-USP. Maio de 1.990.

Seo,K.K. “Managerial Econômics”Sixth edition, Richard D. Irwin, INC, Homewood illinois, 1.984.
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1Ari José Fernandes Lacôrte é engenheiro agrônomo, mestre em economia agrária e sócio-diretor da PLANO Consultoria

2Mario Celso Fernandes Lacôrte é engenheiro agrônomo, mestre em nutrição animal e pastagens e sócio-diretor da PLANO Consultoria

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