Algumas considerações sobre a palatibilidade da carne bovina

Por Renata Torrezan1

Quem já não se deliciou diante de um bife saboroso, macio, suculento e com aroma capaz de despertar o nosso apetite? Saborear uma boa carne que mantenha as suas características e nos proporcione prazer é do desejo dos apreciadores de carne bovina.

Os fatores que determinam a satisfação de comer carne são o sabor, aroma, suculência e a textura.

Os sabores e aromas da carne cozida são determinados por compostos químicos específicos presentes na gordura intramuscular. Assim, um gado bem alimentado e com maior teor de gordura (acima de 2%) certamente terá maior sabor e suculência, visto que a suculência também está ligada ao conteúdo de gordura intramuscular, quantidade de água, capacidade do músculo de reter água e grau de cozimento da carne.

Se a carne possuir um maior teor de gordura intramuscular, ainda que haja cozimento excessivo, esta poderá ainda assim, manter a sua suculência. Durante o cozimento, a gordura derretida se localiza ao longo das bandas do tecido conjuntivo perimísio. Esta distribuição uniforme dos lipídeos ao longo do músculo pode agir como uma barreira que impede a perda de umidade durante o cozimento.

A textura da carne está ligada tanto à características estruturais e histológicas quanto à aspectos relacionados ao animal e ao seu meio ambiente.

A quantidade de tecido conjuntivo presente, a maturidade fisiológica e o tipo de cozimento utilizado para a carne (úmido ou seco) podem influenciar a sua maciez. Os músculos e as fibras musculares são recobertos pelo tecido conjuntivo (colágeno, elastina e reticulina), desta forma, se for utilizado calor úmido, o tecido conjuntivo será solubilizado e haverá maior maciez.

Quanto maior a idade fisiológica dos animais, proporcionalmente, maior será o teor de tecido conjuntivo e, portanto haverá maior número de ligações cruzadas no colágeno e a maciez da carne será prejudicada. O ideal é abater o gado até 30 meses de idade.

A gordura intramuscular também exerce um papel fundamental sobre a maciez da carne; influenciam o volume, a distribuição dos depósitos de gordura e o tamanho dos glóbulos. Quanto maior a dispersão da gordura maior será a maciez.

A capa de gordura externa do animal também exerce influência sobre a maciez, pois quando há uma cobertura de 0,5-0,8 cm de gordura na altura da 12 – 13a costela haverá possibilidade de diminuição dos efeitos do encurtamento pelo frio, que contribui para a sua dureza.

O comprimento dos sarcômeros, que são as unidades da miofibrila onde ocorrem a contração e o relaxamento muscular, também têm influencia sobre a maciez. Quanto maior o comprimento dos sarcômeros maior a maciez da carne.

A pendura das carcaças pela pelve mantém a maioria dos sarcômeros alongados e os músculos tendem a ser mais macios.

A maciez da carne após o rigor mortis é decorrente da ação das enzimas proteolíticas catepsinas e calpaínas que degradam a miofibrila pela ruptura de sua estrutura na linha Z dos sarcômeros. A enzima calpastatina diminui ou impede a ação da calpaína. Atribui-se a atividade da calpastatina a maciez inferior da carne. A presença da calpastatina está ligada a raça do animal. O gado Zebu, de grande presença no Brasil, possui naturalmente em sua composição maior teor de enzima calpastatina.

A raça do gado tem grande influência sobre o sabor e maciez da carne. Raças de gado selecionadas para carne tendem a ser mais macias. Mesmo com o mesmo índice de gordura ou classificação, uma carne pode ser diferente de outra de acordo com a raça do animal.

O temperamento natural da raça do gado e o seu manejo têm influência direta sobre a maciez da carne. Estudos feitos compravam que o gado mais calmo produz carne mais macia do que o gado mais agitado.

A castração tardia (realizada após a idade de 7 meses) e o uso de hormônios naturais ou sintéticos prejudicam a maciez da carne.

Algumas intervenções recomendadas internacionalmente são passíveis de serem utilizadas no Brasil e podem aumentar a maciez da carne como o uso de estimulação elétrica de alta voltagem das carcaças, pendura das carcaças pela pelve e a maturação úmida controlada da carne por 7 a 21 dias.

A carne maturada apresenta um sabor característico mais acentuado, no entanto, a carne ganha muito em maciez e suculência.

Um outro sistema já adotado com sucesso na Austrália para garantia da qualidade da carne é o PACCP (Segurança da Palatibilidade através dos Pontos Críticos de Controle) definindo-se, caso a caso, a árvore decisória e as intervenções efetivas para assegurar a palatibilidade da carne, dentro de critérios científicos comprovados. Este sistema permite atingir uma melhor uniformidade, reduzindo assim, os índices de não-conformidades.

O conhecimento dos aspectos que influenciam a palatibilidade da carne bovina sempre aponta para o fato que deve-se ter uma atenção especial a cada detalhe ligado à produção do gado, desde a seleção das matrizes, criação, alimentação, manejo, transporte, abate, processamento até chegar à mesa do consumidor.

A carne bovina é e sempre será, um alimento de qualidades insubstituíveis, sempre presente na dieta dos brasileiros. No entanto, como os demais produtos alimentícios, a qualidade da carne bovina precisa ser constantemente trabalhada e assegurada. É necessário estimular os consumidores não só para manter o seu consumo, mas também para aumentá-lo e passar este hábito saudável às futuras gerações e isto só é possível pelo preenchimento das expectativas dos consumidores.

Bibliografia consultada

HEDRICK, H.B.; ABERLE, E. D.; FORREST, J. C.; JUDGE, M. D.; MERKEL, R. A. Principles of Meat Science. 3a ed. Dubuque: Kendall / Hunt Publishing Company. 1984. 354 p.

SMITH, G. C. Factors affecting the palatability of beef. Presented at Future Beef Operations Seminar (Fort Collins, USA) p. 1-21, 2001. Disponível:http://ansci.colostate.edu/ran/beef/index.html resgatado em 06/03/2003.

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1Renata Torrezan é pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos e aluna de pós-graduação em Tecnologia de Alimentos, Fea – Unicamp, Campinas, SP.

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