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Algumas considerações sobre a produção de carne orgânica

Marcelo de Queiroz Manella1 e Celso Boin2

No mês passado, no estado do Mato Grosso do Sul, foram abatidos 120 bovinos de corte em um importante frigorífico. Não há nada de mais nisto em função da quantidade de cabeças abatidas diariamente naquele estado. Entretanto, a importância dada ao ocorrido foi pelo fato deste ter sido o primeiro lote de animais produzidos no Brasil em um sistema de produção com certificação “orgânica”. A perspectiva de remuneração 25% superior para @ de animais criados neste sistema, além da possibilidade da exportação para o Mercado Europeu, despertou o interesse de alguns frigoríficos e pecuaristas. Por outro lado, esta exploração tem gerado certa inquietação no meio técnico e científico. Desta forma, o objetivo deste artigo é o de resumir algumas normas necessárias para processo de certificação da produção de carne neste sistema, para que os produtores possam ter alguma idéia das implicações da sua adoção.

A carne “Orgânica” é obtida através de “técnicas” que utilizam os recursos naturais de forma racional, sendo o sistema por si só alto sustentável, não causando maiores transformações no ambiente. No sistema é proibitivo o uso de produtos químicos não naturais, quer na pastagem na forma de adubos ou herbicidas, ou no próprio animal, como medicamentos, vermífugos, promotores de crescimento, ionóforos, etc. São permitidos apenas medicamentos naturais e homeopáticos, e as vacinações obrigadas por lei (aftosa). O uso de sal mineral e inseminação artificial são permitidos, mas os antibióticos, proibidos.

Para certificação orgânica é necessário que se comprove que, por dez anos não foram utilizados produtos químicos na área em questão. Para conversão de toda uma área (pastagens, lavoura, etc.) para o orgânico é necessário cerca de 24 meses. Para o ingresso de animais oriundos de áreas não orgânicas para o sistema já certificado, o período de conversão é de 12 meses, inclusive para reprodutores, ressaltando que, para a renovação ou complementação de um rebanho, estes animais não podem superar 10% do rebanho total. É claro que, segundo as normas, é necessária a autorização do órgão certificador. Os animais do sistema orgânico devem ser totalmente adaptados a região em questão.

O manejo dos animais no sistema limita-se a vacinação e cura de umbigo com anti-séptico. Medidas de vermifugações e tratamentos de animais doentes devem ser feitas com medicamentos naturais e homeopáticos. Alguns produtos com baixo poder residual podem ser permitidos em caso especiais. As instalações, como piquetes, curral de manejo, Creeper e confinamento, devem ser construídas de modo a permitir segurança e conforto aos animais.

O manejo das pastagens é feito em pastejo rotacionado, respeitando uma lotação máxima de 3 UA/ha/ano, lembrando que a adubação nitrogenada é totalmente vetada. A produção de volumosos para o fornecimento aos animais nas formas de feno e silagem, também é permitida, desde que sejam produzidos de forma orgânica.

A suplementação mineral é basicamente a mesma dos sistemas tradicionais, respeitando-se a não inclusão de uréia e ionóforos. A suplementação de animais em Creeper, na recria, ou a terminação em confinamento ou semiconfinamento, é permitida, com a autorização do órgão certificador. Os alimentos devem ser de origem vegetal, obrigatoriamente produzidos de acordo com as normas da “agricultura orgânica”. Alimentos orgânicos não produzidos na propriedade devem entrar no máximo em 30% da formulação, já quando oriundos da própria unidade podem compor até 60%.

0 transporte, o manejo pré-abate e o abate dos animais devem seguir princípios humanitários e de bem estar animal, assegurando a qualidade sanitária da carcaça. Para a efetivação da sustentabilidade, esses sistemas devem obedecer aos seguintes requisitos:

a) respeitar o bem-estar animal;
b) manter um nível higiênico em todo o processo criatório, compatível com as normas de saúde pública vigentes;
c) adotar técnicas sanitárias preventivas sem o emprego de produtos proibidos;
d) contemplar uma alimentação nutritiva, sadia e farta, incluindo-se a água, sem a presença de aditivos químicos e/ou estimulantes, conforme o Anexo IV, da Instrução;
e) dispor de instalações higiênicas, funcionais e confortáveis;
f) praticar um manejo capaz de maximizar uma produção de alta qualidade biológica e econômica; e
g) utilizar raças, cruzamentos e melhoramento genético compatíveis tanto com as condições ambientais e com o estímulo à biodiversidade (Organismos geneticamente modificados, especificamente os transgênicos, são proibidos).

Uma possível limitação a sistemas orgânicos de produção é a baixa produtividade quando comparados com os sistemas considerados modernos. Em regiões de alto custo da terra e da mão de obra, os custos de produção podem ficar muito altos. Entretanto, não devemos esquecer que sistemas orgânicos de produção atendem nichos de mercado que podem remunerar os prováveis altos custos de produção.

Definitivamente, sistemas orgânicos de produção não são adequados para produtores que visam maximizar (otimizar?) a produção por unidade de área em função de áreas de alto valor e da necessidade maior giro de capital. Nessas circunstâncias, há a necessidade de tecnologias intensivas para proporcionar altos incrementos de produção. As estratégias de adubação nitrogenada e otimização do uso das pastagens, freqüentemente discutidas nos radares técnicos do BeefPoint, demostram que é possível obtenção de taxas de lotação e de níveis de produção bastante elevadas.

Nos sistemas intensivos, técnicos e produtores podem também produzir carne de boa qualidade, de modo eficiente e que respeite o ambiente, bem como os seus recursos naturais, respeitando o bem estar animal, ou seja, preconiza-se pecuária de forma ética e ecológica.

O mercado para carne orgânica tem seu nicho de mercado certo, e deve ser preferencialmente explorado em regiões, onde a intensificação é dificultada. Porém, não é necessário este sistema para se estabelecer rigoroso processo de fiscalização para garantia de qualidade. O uso dos produtos permitidos pelo Ministério da Agricultura, respeitando seus tempos de carência, já seria um avanço muito grande em termos de qualidade e de segurança alimentar da carne bovina.

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