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Alguns aspectos sobre a utilização de novas raças (sintéticas ou compostos)

Por Ana Carolina Espasandin1 e Rodrigo A. Teixeira2

As constantes variações na demanda dos consumidores em relação ao tipo de produto desejado e a ampliação de mercados exigem adequações rápidas de manejo, tipo biológico e consciência ambiental existentes nos diferentes sistemas de produção.

Busca-se na produção animal criar animais capazes de satisfazer os requisitos da indústria e que, ao mesmo tempo, sejam adaptados ao ambiente sem implicar em aumentos no custo de produção devido às maiores exigências nutricionais para crescimento e/ou reprodução.

Em ambientes tropicais, as raças zebuínas têm demonstrado uma grande adaptabilidade, inclusive com respostas produtivas muito altas, além de ampla tolerância às doenças parasitárias e temperaturas extremas. No entanto, apesar dos avanços conquistados em vários rebanhos através do melhoramento genético, em geral, ainda persistem alguns problemas associados às raças zebuínas, entre eles aqueles relativos aos aspectos de maciez da carne e precocidade sexual.

O processo de seleção e a implantação de sistemas de cruzamentos entre raças são medidas que demandam tempo e organização. Além disso, no delineamento de sistemas de cruzamento, é necessária uma avaliação da compatibilidade das características do sistema que, em determinados casos, podem ser favoráveis a uma raça ao mesmo tempo em que podem inviabilizar a utilização de outra. Nesse sentido, a criação de uma nova raça (Composto ou Sintético), buscando-se principalmente a complementariedade entre as diferentes características, é uma alternativa que merece a atenção dos pecuaristas, sejam eles criadores de gado puro ou cruzado.

Frente à possibilidade de conquistar novos mercados, a criação de raças que combinem características desejadas de diferentes raças puras, aparece como uma alternativa interessante a ser adotada, pois apesar de não consistir em uma nova técnica, seria capaz de reunir caracteres de diferentes biótipos que satisfaçam às exigências tanto dos mercados consumidores quanto do setor produtivo, ao mesmo tempo em que podem proporcionar a facilidade de manejo de uma raça pura.

O objetivo final é o de explorar os ganhos em heterose dos cruzamentos aliados às facilidades de manejo da criação de raças puras. Através dos cruzamentos poderíamos combinar de diferentes formas, de acordo com cada sistema produtivo, o alto potencial de crescimento das raças continentais, a alta qualidade de carne das raças britânicas e a resistência a parasitas e adaptabilidade ao clima tropical das raças zebuínas.

O sucesso desse tipo de criação pode ser representado observando-se a sua difusão pelo Brasil. Hoje, os produtos de cruzamento já estão distribuídos por criadores de diferentes níveis desde o Estado do Rio Grande do Sul até o Tocantins, sendo que os maiores grupos são os das raças Brangus, Braford, Montana e Canchim.

Por outro lado, no passado, alguns casos de insucesso podem ter associado algumas desvantagens à criação de novas raças. Em pequenos rebanhos fechados, eram comuns os aumentos nos valores de endogamia e as conseqüentes perdas produtivas e reprodutivas. Esse aprendizado deve ser sempre lembrado e os aspectos negativos envolvidos na exploração de raças compostas podem ser eliminados através de trabalhos sérios de estudo que controlem, entre outros fatores, os níveis de endogamia. Por exemplo, no Brasil, um trabalho elogiável é realizado com a raça Canchim, que há vários anos vêm sendo desenvolvida e avaliada pelo Centro e Pesquisa Pecuária do Sudeste da EMBRAPA. Na Tabela 1 são apresentadas algumas informações em relação à origem, composição racial e características principais de algumas raças sintéticas para produção de carne criadas nos países da América do Sul.

Tabela 1. Composição, origem e características de algumas raças sintéticas utilizadas no Mercosul para produção de carne bovina.

Além da complementariedade, o uso de raças compostas permite a exploração da heterose. De acordo com a maioria dos estudos em cruzamento, entre eles, aquele realizado pela equipe do Clay Center, em Nebraska – USA, onde várias raças e compostos têm sido avaliados a fim de caracterizá-los sob diversos aspectos bio-econômicos, apontam que, “nenhuma raça foi superior em todas as características importantes para produção; deste modo, sistemas de cruzamento que explorem a heterose e a complementariedade e que compatibilizem potencial genético com restrições de mercado, alimentares e de clima, fornecem o meio mais efetivo de melhorar geneticamente a eficiência de produção“. Nesse, e na maioria dos estudos em cruzamento, aceita-se que a heterose é retida no composto de forma proporcional ao número de raças envolvidas e em função da proporção com que cada uma participa dessa nova raça, sendo calculada a partir da seguinte fórmula:

Retenção da heterose (HR, %) = (1 – pi2)x 100

Por exemplo, se usamos uma raça produto do cruzamento entre Angus e Hereford, a heterose retida seria:

HR = (1 – (1/2)2 + (1/2) 2 ) x 100 = 50%

Se a heterose para o peso à desmama na F1 do cruzamento (HxA) for de +8 kg, a proporção retida numa raça sintética no avanço das gerações será de 50% conforme calculamos. Portanto, seria esperada uma superioridade de +4 kg nesta característica na raça sintética produto desse cruzamento.

Outros estudos mais recentes tentam ainda quantificar esses valores de maneira diferente, considerando, entre outros, os efeitos de epistasia, que seriam capazes de influenciar muito as estimativas de heterose. Esses efeitos seriam causados principalmente pela quebra de ligações favoráveis existentes entre os genes selecionados durante o processo de formação das raças puras.

Os ganhos em produtividade e qualidade utilizando-se animais cruzados são evidentes em diversos trabalhos, devendo-se concluir que é necessário na pecuária moderna ter uma visão sistêmica e objetivos claros, e que podem ser alterados ao longo da atividade de acordo com as tendências de remuneração do mercado. Assim, sempre haverá aquele produtor que poderá se beneficiar do uso da heterose para a produção de carne e, também, aquele que se beneficiará ao produzir animais puros, seja porque as condições ambientais não permitem a adição de genética taurina, seja por questões de mercado, como no caso de vender animais para outros criadores de gado puro, ou criadores que pretendam “alimentar” seus sistemas de cruzamento sem a utilização de compostos.

Existe uma enorme diversidade de sistemas de produção e de mercados consumidores, o que gera espaço suficiente para a produção de animais puros, cruzados ou compostos. Antes de tudo, essa decisão deve ser técnica. As opções são muitas e, hoje, essa decisão não deve ser impulsionada meramente por fidelidade à raça A, B ou AB.

Bibliografía consultada

Bourdon, R. M., 2002. Breeding Composite Seedstock. Part 1: Forming the composite. Part 2: Breeding the Formed Composite. Colorado State Univrsity. http://ansci.colostate.edu/ran/beef/

Bourdon, R. M., 1997. Understanding Animal Breeding. Ed. Prentice-Hall, New Jersey. 523 p.

Hammond, K., Graser, H.U., Mc Donald, C.A., 1992. Animal Breeding, The modern approach University of Sydney, 256 p.

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1Ana Carolina Espasandin é aluna de doutorado em Produção Animal – UNESP/Jaboticabal, Bolsista do Convênio PEC/PG. Prof. Universidad de la República Oriental del Uruguay

2Rodrigo A. Teixeira é aluno de doutorado em Produção Animal – UNESP/Jaboticabal, Bolsista FAPESP

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