Por Miguel da Rocha Cavalcanti
No final de fevereiro estive na França visitando o Salão Internacional da Agricultura de Paris. Além de ser um evento de negócios, é uma feira que recebe mais de 600.000 visitantes, onde as cadeias produtivas se mostram ao consumidor. Da fábrica de ração ao supermercado todos estão presentes com stands, com o objetivo de informar ao público da cidade como cada alimento é produzido.
Na França o conceito de cadeia produtiva é muito desenvolvido. Uma indústria de nutrição animal sabe muito bem que o que passa pela cabeça do consumidor é muito importante e realmente afeta o negócio de todos. Todas as empresas ligadas à cadeia da carne sofreram com a queda do consumo depois do aparecimento da vaca louca e hoje sabem que é importante trabalhar para que o consumidor tenha acesso a um produto seguro e que atenda seus anseios, de qualidade e de segurança.
Outro fato muito interessante é a organização dos produtores franceses. Hoje eles sabem que toda e qualquer mudança que afete o agronegócio, terá primeiro impacto no produtor. Para isso precisam estar mais preparados que todos. Os problemas ocasionados com o surgimento da vaca louca deixaram todos mais preparados para lidar com crises e conscientes que uma resposta rápida e firme é o melhor caminho.
É incrível como as organizações de produtores são fortes e têm apoio dos produtores. Alguns anos atrás, decidiu-se que a contribuição para a associação de produtores passaria de 5 euros por tonelada de equivalente carcaça vendido para 10 euros (simplesmente o dobro). Essa medida foi aprovada pelos produtores, que acreditam que esse dinheiro é bem empregado e mais recursos trariam maiores possibilidades de melhoras para o setor.
É marcante também como a indústria da carne trata seu consumidor: com muito respeito. O CIV (Centre d´Information des Viandes) tem como objetivo informar ao consumidor e dar a oportunidade deste fazer escolhas corretas, por si próprio. Não há o objetivo simples, linear e direto de aumentar o consumo de carne bovina, pois esse tipo de enfoque é frágil e de curto prazo. Sugerem, por exemplo, para ter uma alimentação balanceada, que se consuma 2 a 3 porções por semana de carne vermelha, não mais do que isso. Oferecem todas as informações de maneira muito transparente, desde como o gado é produzido a como preparar cada corte mais adequadamente.
Há uma tendência clara na pecuária francesa de se especializar em produtos de nicho de mercado, produtos tradicionais, gourmet, refinados, etc. Os selos de qualidade primam por sua credibilidade, pois sabe-se que de nada adianta ter um selo dizendo “produto de alta qualidade” ou “produto especial” se os consumidores não conhecem ou não confiam naquele selo. É notável o zelo existente com o selo francês mais famoso, o Label Rouge. Para obtê-lo, tudo deve ser feito dentro de normas muito específicas, desde número de dias de maturação da carne ao tamanho e localização do logo Label Rouge na embalagem.
A pecuária francesa vem sofrendo sérias ameaças nos últimos tempos. A crise da vaca louca afetou a credibilidade na segurança do consumo de carne. Alguns dados informam que 80% das propriedades francesas são inviáveis economicamente sem a ajuda dos subsídios. A concorrência com outros países está cada vez maior, dentro e fora da Europa, uma vez que a França sempre foi uma tradicional exportadora de carne.
Apesar de todos esses problemas, o produtor francês, a cadeia da carne francesa como um todo, parece estar preparada para todos esses desafios. Todos vêm atuando de forma muito pró-ativa e buscando encontrar soluções para esses problemas. Para tudo parece haver uma saída. Para a competição por preço com a carne da América do Sul, a solução parece ser a produção de produtos refinados, gourmet. A desconfiança do consumidor, por sua vez, é tratada com informação consistente e transparente, o que trouxe a reconquista da credibilidade.
O Brasil, por outro lado, não está sofrendo no momento nenhuma dessas ameaças. Temos preços competitivos e possibilidade de produzir alta qualidade, segurança alimentar e com respeito ao meio-ambiente. É preciso apenas que tomemos como exemplo os produtores franceses que poderiam estar reclamando das dificuldades, mas estão na busca de soluções. Precisamos buscar as soluções para nossas ameaças: rastreabilidade para ter acesso a mercados externos, sanidade do rebanho, aumento da qualidade de nossos produtos, melhoria da imagem da carne brasileira no exterior e do produtor em nossa sociedade.
Nosso potencial produtivo é muito mais favorável que o francês, mas não existe almoço grátis. É preciso apenas fazer o dever de casa, vencer esses desafios que estamos vivenciando. Precisamos ver o potencial de ser o maior produtor de carne bovina do mundo como nosso destino, nossa responsabilidade.
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Miguel, é importante divulgar as soluções que os franceses tem encontrado para conquistar o respeito e a preferência do consumidor.
Como bem dissestes aqui no Brasil não temos boa parte dos problemas que os franceses têm, e além disto temos um sistema de produção mais sustentável (sem os subsídios).
Cabe a todos nós colocar em prática os bons exemplos que vem dos países desenvolvidos.