Mercados Futuros – 07/04/08
7 de abril de 2008
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9 de abril de 2008

Amazônia: o segundo embate dos irlandeses

A próxima grande barreira que enfrentaremos, sem dúvida depois da rastreabilidade, será meio ambiente e desmatamento. As tendências de crescimento da carne bovina brasileira estão sendo relacionadas com o aumento das taxas de desmatamento, levando a discussão para argumentos emocionais e enviesados, ignorando os aumentos de produtividade do nosso segmento, inclusive na região amazônica.

Nos últimos dez anos, a produção de carne bovina aumentou 48% e o volume de exportações em US$ aumentou 850%. Nosso rebanho decresceu 1,4% segundo os dados preliminares do censo 2006 no mesmo período, obviamente nossa produtividade aumentou. O Brasil superou a Austrália, não somente por motivos climáticos, e os Estados Unidos pelo fechamento do mercado asiático, mas o setor cresceu com competência e consolidou esta liderança hoje com uma margem considerável sobre seus concorrentes.

As exportações americanas apresentaram em 2007 a maior taxa de crescimento, junto com a Índia e Argentina, mas não ameaçam a liderança brasileira por motivos de limitações políticas, culturais e geográficas.

Entre os cinco maiores importadores mundiais, Estados Unidos, Rússia, Japão, União Européia e México, estamos atualmente fora do mercado americano, mexicano e japonês para carne in natura, com sérias restrições com a UE e vivendo uma lua de mel com a Rússia.

O precedente de ter perdido, embora temporariamente, a UE responsável pela compra de 18% da exportação da nossa carne in natura e os países que mais pagam pela carne brasileira representa 32% do faturamento da nossa exportação, dificultam ainda mais a entrada da nossa carne aos mercados de maior valor agregado.

Vamos abrir novos mercados. Não há dúvida da capacidade comercial da nossa indústria frigorífica, nossa carne tem qualidade e sanidade, são afirmações para nós mesmos. Não são argumentos de venda no mundo globalizado onde há imposição de pré-requisitos regulatórios e sanitários a serem cumpridos, negociações frente a barreiras tarifárias e ações contras as barreiras não tarifárias.

A próxima grande barreira que enfrentaremos, sem dúvida depois da rastreabilidade, será meio ambiente e desmatamento. As tendências de crescimento da carne bovina brasileira estão sendo relacionadas com o aumento das taxas de desmatamento, levando a discussão para argumentos emocionais e enviesados, ignorando os aumentos de produtividade do nosso segmento, inclusive na região amazônica.

Na grande maioria dos âmbitos ambientalistas, as questões sobre o Brasil tratam do relacionamento entre a produção rural versus conservação ambiental. Dos principais assuntos discutidos com maior intensidade, destacam-se aqueles que associam a carne brasileira às mudanças climáticas, ao aquecimento global, à Amazônia, seu desmatamento e a nossa expansão no mercado internacional.

O conceito da Amazônia legal, criado com objetivos fiscais em 1953, é um conceito jurídico que abrange nove estados, 510 milhões de hectares, envolve 61% do território brasileiro e possui somente 30% do seu total ocupado por propriedades rurais das quais somente 4% estão em situação regular frente ao INCRA.

O bioma Amazônia foi conceituado por critérios ambientais, fauna e flora, possui 419 milhões de hectares e não inclui o Estado de Tocantins, nem o sul do Estado de Mato Grosso que estão localizados no bioma cerrado e esta última região é a única dentro da Amazônia legal que estava habilitada para exportação para a União Européia. Portanto, a UE não está consumindo gado criado no bioma amazônico.

Preservar o bioma amazônico é responsabilidade premente de todos os brasileiros. Não há como negar o crescimento da pecuária em parte dos estados que constituem a Amazônia legal, com ganhos consideráveis de eficiência e uma atividade que representa hoje um segmento importante da economia regional.

É necessário admitir de forma definitiva que mecanismos econômicos não podem ser deixados de lado para resolver o problema e fazer cumprir a legislação ambiental e que, os instrumentos utilizados até agora para preservar a floresta foram ineficientes. Não há outro caminho a não ser a criação e adoção de instrumentos e mecanismos econômicos, que remunerem os produtores, responsáveis pelas atividades voltadas à manutenção e conservação da Amazônia, através da valorização tributária da floresta em pé e projetos com incentivos fiscais para exploração sustentada de uma parte da reserva legal obrigatória.

O desmatamento da Amazônia está ligado em primeiro lugar à exploração de madeira exportada e comercializada aqui e no exterior. A pecuária entra posteriormente nestas áreas como única atividade que viabiliza uma exploração econômica, mas longe de padrões de uma pecuária moderna.

O ritmo do desmatamento será seguramente diminuído através da ação fiscalizadora e repressora, com regularização de venda nacional e internacional de madeira e estimulando o aumento de produtividade pecuária e a atividade agrícola em áreas já desmatadas.

Há necessidade de reconhecer que a viabilização da atividade agropastoril, respeitando as normas ambientais legais em parte do bioma amazônico, precisa encontrar uma solução definitiva, madura e real para os estados da região norte do país.

Recentemente, as divergências entre os ministérios da área agrícola, do meio ambiente e da presidência mostraram a falta de planejamento decorrente da inexistência de zoneamento agro-ecológico na Amazônia legal, que permita definir as políticas públicas que conciliem produtividade agrícola com o aproveitamento e a preservação dos nossos recursos naturais com benefícios tangíveis para a sociedade.

O impasse atual com a União Européia mostra uma vez mais o notório despreparo dos nossos governos para agir frente a crises comerciais internacionais, inclusive no setor pecuário. Nos últimos anos a forma como foi negociado o SISBOV com UE no governo passado, a desinformação com os focos de febre aftosa no Paraná a desabilitação do Estado de São Paulo para exportação para União Européia na primeira gestão deste governo, as incoerências sobre a lista de fazendas certificadas e recentemente as divergências entre o MAPA e o Itamaraty sendo citadas na imprensa internacional, deixam claro a falta de um norte certo e a fragilidade de todo o sistema.

Vamos retomar as exportações, mas os irlandeses preparam o segundo embate e teremos desdobramentos com as questões ambientais. O nosso setor precisa construir a sua própria agenda no que se refere à área ambiental para não ser novamente atropelado por exigências desprovidas de base científica, que têm impacto negativo sobre o preço da arroba do boi gordo.

Precisamos cobrar das nossas lideranças terminar com as reuniões intermináveis recheadas de vaidades e oratória para trabalhar pela definição do zoneamento ecológico-econômico da Amazônia e de todo o Brasil, sem o qual aumentarão ainda mais as pressões internacionais sobre a pecuária.

Liderança impõe responsabilidades, antecipar tendências, assumir posicionamento e postura para não ser atacado nas nossas fraquezas pelos nossos concorrentes.

0 Comments

  1. Nelson Pineda disse:

    Caro Jose Marcio,

    sua palavras são motivo de alegria. O amigo na Bahia tem sido a cada encontro uma fonte de conhecimentos deste estado que tem entrado tanto na minha vida nos últimos dois anos.

    Grato pela sua palavras.

    Nelson Pineda

  2. Olivier Topall disse:

    Prezados colegas,

    Tenho trabalhado 8 anos no sul do Para. Mostramos que era possivel aumentar 3 vezes a produção de leite por vaca e 6 vezes por hectare de pasto. Isso apenas multiplicando por 3 a lotação animal, melhoria da complementação animal e melhoria genetica. Esses resultados foram principalmente obtidos com agricultura familiar. Varias vezes as fazendas ja tinham alcançado maior intensificação (mas nem todas…).

    A situção da pecuaria na Amazonia vai evoluir em função do processo de intensificação.

    Mas a situação da pecuaria na Amazonia brasileira vai também evoluir em função da segurança alimentar mundial; são paises demais que gritam por comida e não tem agricultura competitiva. Em outros paises a agricultura não é suficiente para leite, carne, queijo e a classe media vai no mercado mundial.

    As universidades de agronomia do Brasil são boas e em quantidade suficiente. Mas faltam pelo menos 3.000 escolas agrotécnicas, seja federais, sejam EFA ou CFR. Isso é bastante urgente. Isso porque intensificar a agricultura e pecuaria requer profissionalização dos agricultores.

    O Brasil tem umas 400 escolas agrotécnicas e precisa de 4.000. Na pequena França temos 1000 escolas agrotécnicas, metade publicas (Ministerio da Agricultura) e metade particular com apoio financeiro publico (agrotécnicas catolicas, maison familiale rurale, Unrep…).

    Intensificação necessita profissionalização…

    Abraços, Olivier

  3. andre cunha disse:

    Gostaria de saber qual é o total do território brasileiro já desmatado sendo utilizado para a pecuária?

    Quanto ainda podemos desfrutar com a pecuária na área já desmatada?

    Grato a quem puder responder.

  4. Marcelo Ribeiro disse:

    Caro Nelson Pineda,

    estivemos juntos, por algumas vezes, discutindo o desenvolvimento de um sistema de rastreamento eletronico, chamado DOMINAR, o qual estavamos desenvolvendo.

    Desde aquele, momento pude notar o tamanho da sua lucidez e sensatez em temas que estavamos vivendo naqueles momentos.

    Hoje, morando fora e trabalhando na industria da carne Brasileira-Australiana, posso enxengar claramente suas colocacoes, em um futuro muito proximo ai no Brasil.

    Tomara que neste ponto, nosso governo seja pro-ativo em prever e agir na prevencao destes fatos inevitaveis.

    Grande abraco e parabens mais uma vez pela sensatez!

  5. Breno Augusto de Oliveira disse:

    Nelson,

    Concordo com grande parte do vosso texto, porém mais uma vez estudiosos, empresários e outros, esquecem da mão de obra rural. A profissionalização desta é uma obrigação que ninguém quer assumir, sendo mais fácil e barato plantar árvores. Com relação ao sisbov, o grande problema (no meu humilde ponto de vista) é a coleta de dados, pois a grande maioria dos funcionários rurais são semi-analfabetos.

    Não acredito que se ficarmos apenas atendendo exigências de clientes, seja ele qual for, resolveremos o problema na raiz. Maior exemplo disto, vejo diariamente aqui na região, produtores negando autorização a funcionários para dirigir a caminhonete nova porém os tratores ou colheitadeiras com valores 10-15 vezes maiores são autorizados. Principal política pública deveria ser capacitação de empregado e empregador.

  6. Nelson Pineda disse:

    Prezado Sr. Olivier,
    Prezado Sr. Breno,

    Me permito dar uma resposta em conjunto, pois ambas cartas tem pontos em comum. O Brasil vive a sindrome do Doutor, a maior preocupação da familia brasileira e ver os filhos em universidades e esquecemos que os técnicos a nível médio são fundamentais e muito bem remunerados. Estamos carentes sim de escolas técnicas mas este processo exige planejamento a longo prazo e visão de futuro, é o que mais falta para o Brasil deixar de ser o pais do futuro e ser o Brasil de hoje.

    Atenciosamente,

    Nelson Pineda

  7. Nelson Pineda disse:

    Prezado Marcelo,

    Que bom que esta ai na Australia. Aprenda tudo sobre como o australiano sabe promover sua carne, como organizam os programas de informação para o cunsumidor japones. Você que esta ai na casa do principal concorrente do Brasil quando consigamos dominar a aftosa e limpar esta mancha que carrega nossa pecuária.

    Abraço,

    Nelson Pineda

  8. Luiz Ribeiro Villela disse:

    Prezado Sr Nelson Pineda, caros leitores e participantes do Beefpoint;

    Não concordo com a afirmação que a pecuária da Amazonia está longe dos padrões de uma pecuaria moderna.

    Afinal, ser moderno limita-se ao conceito de produzir em confinamentos com uso intensivo de produtos veterinarios e rações derivadas de grãos e volumosos onde tambem se utilizaram intensivamente fertilizantes quimicos e agrotóxicos?

    No meu conceito ser moderno é antes de tudo produzir com eficiencia um produto de qualidade, com sanidade inquestionavel, com baixo custo para ser competitivo comercialmente.

    Cada região procurará a melhor maneira de atingir esses objetivos.

    A Amazonia deve sim ser explorada com cuidado, mas tambem as demais regiões do Brasil e de todo o Planeta.

    Mas nem por isso devemos atender a todo e qualquer argumento “ambientalista” pseudo-cientifico, baseado em desinformações propositais que encobrem objetivos politicos, presunções ideologicas e barreiras comerciais.

    Exemplo atualíssimo temos nos ataques a elevação dos preços dos alimentos, ocultando-se a elevação muitas vezes maior dos preços dos insumos como fertilizantes e defensivos, estes dominados por multinacionais sediadas na Europa e nos EUA.

    Tambem se oculta convenientemente a especulação desenfreada com alimentos elevados a condição de “commodities”, especulação essa por parte de grandes empresas, capitalistas e fundos de investimentos, com origem principal na Europa, EUA e paises produtores de petróleo.

    Assim, creio que o tema Amazonia é bastante amplo e complexo, merecendo um debate mais amplo pelos multiplos interesses que necessariamente têm que ser considerados, especialmente a questão da população que ali trabalha e produz, que é constantemente desprezado e que, creio que para a vontade dos “ambientalistas”, deveria ser trazida de volta para os Estados do Sul e Sudeste.

  9. Janete Zerwes disse:

    Prezado Nelson,

    É sempre oportuno levantarmos questões que envolvam a pecuária brasileira e os múltiplos fatores que interferem sobre a comercialização da carne que produzimos:

    Segurança alimentar e a eficiência dos controles garantidores dessa segurança;

    Impactos do aumento da produtividade agrícola e pecuária sobre os recursos ambientais;

    Mecanismos protecionistas internacionais que se apossam do argumento ambiental para nos ameaçar;

    Necessidade de políticas públicas voltadas à estruturação do Estado que facilitem a organização do crescimento econômico do ponto de vista social/ambiental, para que se possa incluir esse crescimento no conceito de desenvolvimento propriamente dito.

    Já foi o tempo em que o pecuarista precisava estar atualizado apenas sobre os resultados das últimas pesquisas e procedimentos técnicos para garantir maior produtividade de bois e carne, hoje o pecuarista e/ou agricultor precisa conhecer o contexto amplo onde suas empresas se inserem, o contexto político e estrutural, local e global.

    Artigos como esse, “Amazônia: segundo embate dos irlandeses”, que propõe uma antecipação de problemas, são sempre bem vindos. Ao mesmo tempo em que informam, induzem à reflexão sobre a necessidade dos produtores participarem ativamente da construção de políticas públicas que apóiem suas vocações.

    Mais uma vez fica evidente que a iniciativa privada se organiza e responde às demandas de mercado por matérias primas agrícolas, mas o Estado está desorganizado e põe em risco esses investimentos.
    Temos atualmente, dois problemas que exemplificam claramente esse fenômeno: a falta de recursos humanos, estruturais e técnicos para garantir a preservação ambiental; e, a deficiência operacional do controle sanitário, que deixa desarticuladas as informações entre os Órgãos do governo responsáveis pela Segurança Alimentar, as certificadoras, e, as informações fornecidas pelos produtores.

    Os prejuízos, determinados pela imprevisibilidade política e estrutural do governo, são absorvidos pela iniciativa privada que se descapitaliza a cada ano. No entanto esses mesmos prejuízos são “mascarados” positivamente nas publicações sobre o crescimento do PIB, superávit da balança comercial, aumento das arrecadações tributárias, etc e tal.
    Na grande mídia quase não se fala da descapitalização do produtor, dos aumentos dos custos para produzir, da desvalorização cambial. Os temas recorrentes a respeito do setor agrícola são os impactos ambientais. Dificilmente é abordada a necessidade de arroz, leite, carne, feijão; a necessidade do “pão nosso de cada dia” sobre a mesa do consumidor urbano.

    Abraço,

    Janete Zerwes
    Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso.
    Comissão de Produtoras Rurais
    Coordenadora em Tecnologia e Pecuária

  10. Nelson Pineda disse:

    Prezada Janete,

    Sua carta me deixa muito feliz pois ela mostra duma forma resumida a complexidade do problema e um visão clara dentro da Federação da Agriculrtura de Mato Grosso. Faço votos que este conceitos formem um consenso dentro da comunidade.

    Atenciosamente,
    Nelson Pineda