A produção de carne bovina no Rio Grande do Sul foi influenciada pela expansão da soja no estado. A região da planície central, que era predominantemente caracterizada pela pecuária, passou ser importante na produção de soja. Os produtores nesta região têm utilizado o período de entressafra da lavoura de soja para o plantio de azevém e aveia, destinados à terminação de bois. Como resultado, o período de oferta que era concentrado na saída de boi de pastagens entre abril e maio, passou a ocorrer entre setembro e novembro.
Atualmente, o estado vem se destacando por vivenciar um período de preços firmes, diferente de outras praças pecuárias no Brasil, que têm visto os preços declinar desde o início do ano, principalmente neste momento de final de safra. Em 06/07, o boi gordo em Porto Alegre/RS foi cotado a R$ 61,00/@ a prazo, 17,31% de valorização no mês e 19,61% desde o início de 2006. Na região da fronteira do RS (Alegrete, Don Pedrito, Santana do Livramento, Uruguaiana e São Gabriel), foi cotado a R$ 56,00/@, 13,13% de valorização no mês e 16,67% ano ano. Veja no gráfico abaixo as variações em relação ao início do ano para os preços do boi nas diferentes praças cotadas pelo Instituto FNP.
Gráfico 1: variação dos preços do boi gordo em algumas praças do Brasil em relação ao início do ano
Durante 2005, a diferença média entre os preços praticados em Porto Alegre e São Paulo foi negativa em R$ 12,22/@. Atualmente, a situação é oposta: a arroba em Porto Alegre está R$ 11,00 acima do noroeste paulista. O gráfico abaixo mostra a evolução dos preços nas praças de Porto Alegre/RS e no noroeste paulista e a diferença entre os preços.
Gráfico 2: preços médios mensais em Porto Alegre/RS e noroeste paulista (R$/@) e a diferença entre os preços
Com o surgimento da aftosa no MS, a Secretaria de Agricultura (SAA/RS) proibiu a entrada de carne in natura e bovinos provenientes de outros estados. Devido à esta portaria, a oferta de animais para abate ficou restrita à produção do próprio estado. O abastecimento interno de carne também ficou sujeito ao mesmo processo, pois o RS costuma ser abastecido com carne proveniente do MS. Esta semana, a SAA flexibilizou a norma para entrada de carne proveniente de estados com status de livre de aftosa com vacinação.
Contribuindo para dificultar a oferta de boi terminado, a reposição também se encontra bastante enxuta. O Rio Grande do Sul passou por alguns anos de seca, o que prejudicou os índices de natalidade na cria, além da baixa lucratividade que retirou muitos produtores da atividade. A pesquisa de abates do IBGE revelou que em 2005 a taxa média de abate de fêmeas foi de 36,63%. Em 2006, até março, essa taxa foi de 41,03%, indicando um desestímulo pela atividade.
Outro fator que restringe a oferta de animais para reposição, tem sido a demanda pela exportação de gado em pé, que oferece preços mais atraentes ao criador e retira esse animais do mercado. Segundo o MDIC, de janeiro a maio de 2006, foram exportados 36,8 mil bovinos do RS (não contabiliza animais para reprodução). No mesmo período de 2005, foram exportados 9 mil animais. Veja os dados sobre exportações de gado em pé no gráfico abaixo.
Tabela 1: animais exportados do RS
Tabela 2: preços do bezerro em SP e RS
A seca que se iniciou no fim do outubro passado no sul do estado ajudou a atrasar a saída dos bois de verão, que deveria acontecer entre abril e maio. Como a planície central, que é importante região produtora de soja, não sofreu o mesmo impacto da seca, muitos animais devem ser terminados na entressafra da soja, a partir de setembro.
Segundo o gerente de extensão rural do frigorífico Mercosul, Gustavo Moglia Dutra, a maioria dos frigoríficos teve dificuldade para comprar bois terminados para abate nas últimas semanas. Além disso, o frio ainda não chegou no Rio Grande do Sul, permitindo ao pecuarista reter os animais à espera de melhores preços.
Fortalecendo a demanda, o Rio Grande do Sul tem se beneficiado por aberturas comerciais de mercados importantes, o que favoreceu a exportação de carne bovina in natura. No início de abril, a Rússia abriu o mercado para as exportações do RS e SC, seguido pelo Chile em junho, que só abriu ao RS. No final de junho, a China habilitou o frigorífico Mercosul à exportação.
Para o gerente de operações da Associação Brasileira de Angus, Fernando Furtado Velloso, a predominância de raças britânicas no rebanho gaúcho é um fator positivo para exportação de carne à UE. Gustavo Moglia defende que uma série de fatores faz com que alguns mercados dêem preferência ao RS, tais como composição do rebanho, pastagens naturais (que têm menor impacto ambiental) e a sanidade do rebanho no RS.
De fato, o crescimento das exportações no RS é surpreendente. Segundo dados do MDIC, as exportações de carne bovina in natura no RS cresceram 26,53% em volume de janeiro a maio, em relação ao mesmo período de 2005. Em receita, o crescimento foi de 62,36%. Se compararmos apenas o mês de maio, o crescimento é ainda maior: 49% em volume e 55,19% em receita comparado a abril deste ano; e 92,18% em volume e 154,99% em receita em relação a maio de 2005. Acompanhe no gráfico abaixo as exportações de carne bovina in natura do RS.
Gráfico 3: exportações de carne bovina in natura exportado do RS, em US$ mil
Gráfico 4: volume de carne bovina in natura exportado do RS, em toneladas
Com reposição cara, muitos pecuaristas optaram por segurar o boi no pasto e obter maior peso final, compensando o custo maior na compra dos terneiros. Os frigoríficos que estavam com dificuldade no preenchimento de escalas de abate já encontram maior facilidade, com a saída do boi de verão, o que deve provocar um equilíbrio na oferta em curto prazo.
Devido à seca, muitos animais que seriam engordados em pastagens no verão, deverão ser terminados na entressafra da lavoura, concentrando a oferta entre setembro e outubro. Isso deve provocar uma pressão neste período, principalmente porque os agricultores necessitam escoar os bois até o fim desse período para a preparação para a nova safra.
A qualidade das pastagens não foi afetada somente pela seca, mas por uma série de fatores, como explicou o presidente do Sindicato Rural de Bagé, Paulo Ricardo Dias. O pecuarista precisou elevar a lotação das pastagens para conseguir se adequar aos níveis elevados de produtividades e manter a lucratividade. “A seca foi determinante para prejudicar a semeadura e a produção nos campos nativos”, afirmou. “E a necessidade de estar com uma lotação forte, até pela questão fundiária”, referindo-se ao nível de estoque exigido pela lei fundiária para que se considere a propriedade produtiva.
Recentemente, portaria que restringe a entrada de carne e animais de outros estados foi flexibilizada, no entanto mantém a restrição para a entrada de animais vivos. Com a aproximação da Expointer, existe uma grande expectativa de que a norma permita a entrada de animais.
Otavio Negrelli, Equipe BeefPoint
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Prezado Otávio,
Parabéns por sua análise do mercado do boi gordo no RS.
Faz tempo que este Estado, que detém um sistema de produção bovina muito peculiar em relação ao resto do País (ambiente, escalas, composição de rebanho etc.) não ocupava manchetes por fatos positivos ao produtor da carne bovina.
Suas observações sobre o cenário atual estão corretas mas, devemos destacar que este momento é decorrente de um processo de perda de vitalidade, após um exaustivo esforço de modernização e ganhos de eficiência atingido pelos produtores. Os preços atrativos de nossos principais cultivos agrícolas (arroz e soja) em 2003, empurraram a bovinocultura para áreas marginais na primavera e verão mas propiciaram um significativo incremento na produção de pastagens de inverno pela redução dos custos de formação. Além disso, áreas tradicionais da agricultura como o Planalto Médio/Missões, que se encontravam capitalizadas e sem boas alternativas para o inverno, investiram na terminação de bovinos.
Este processo determinou uma modificação na estacionalidade e um aumento na oferta em um mercado despreparado para vender. Sem indústria competitiva e desordenado na produção, o RS assistiu a uma súbita redução dos investimentos na produção ganadeira nos últimos dois anos que, aliados aos outros fatores destacados em seu artigo, resultaram na redução da oferta e na já esperada recuperação de preços.
Para finalizar, asseguro-lhe que, difentemente do informado, não ocorre restrição de vendas para aumentar peso e compensar o maior custo de reposição. Ocorre é uma real redução de oferta de gado gordo para um mercado cada vez mais exigente em qualidade e acabamento.
Atenciosamente.
Eng. Agr. José Luiz Martins Costa Kessler
Pelotas/RS
Prezado Sr. Otavio Negrelli, parabenizo V. Sa. pelo artigo “Análise do mercado do boi gordo no RS de 07.07.06”, correto na grande maioria dos pontos.
Repassei seu artigo a vários colegas, tendo recebido retorno de alguns idêntico ao citado. Sou assinante da consultoria do iFNP, repassando alguns dados a estes e tendo amizade pessoal de longa data com o Sr. Victor Nehmi.
Sou agr°., agropecuarista há 21 anos e presidente do Sindicato Rural de Caçapava do Sul-RS.
Através de um grupo de sindicatos ligados à pecuária e produtores, estamos monitorando os abates de bovinos no estado, baseado nas informações das Inspetorias Veterinárias municipais (pela emissão de GTAs) e abrangendo 30% do abate legal, por perceber a necessidade e falta de unificação destes dados em tempo útil.
Com relação aos preços, informo que na região central do estado, Caçapava do Sul, Cachoeira do Sul e Santa Maria, houve negócios realizados e existem ofertas a R$2,00/kg vivo a vista ou com prazo reduzido (R$60/@) para novilhos bem acabados. Com relação às exportações de bovinos vivos, somos favoráveis como forma de elevar os preços da reposição, pois a cria estava trabalhando com os maiores prejuízos do setor pecuário.
Como informações complementares à sua análise, baseado nesta amostragem de 30%, demonstram que o abate de fêmeas atingiu 52% do abate em 2005 e 50% nos cinco primeiros meses de 2006. Nossa antiga safra do 1º semestre, (em 2005 representando 46% do abate anual), transferiu-se para o 2º semestre, destacando-se de setembro a outubro com a oferta da serra gaúcha e com as maiores concentrações mensais em novembro e dezembro (30% acima da média mensal anual do abate), ofertados principalmente pela depressão central e fronteira sudoeste. Lembrando que o regime de chuvas tem tido maior regularidade e volume no inverno e primavera, nos últimos dois anos. O mês de julho tem se caracterizado como o de menor oferta do ano, sendo junho o mês de maior abate percentual de fêmeas, pela manutenção do estado corporal. Em 2006, houve uma antecipação dos abates em março a maio (confirmado pelos volumes exportados), devido aos efeitos prolongados da seca, iniciada em novembro de 2005. O final desta seca, como bem citado, retardou o desenvolvimento das pastagens de inverno em maio/junho. Portanto não acreditamos em retenção de bovinos gordos, talvez de magros (reposição). Quanto à futura oferta da serra gaúcha, os volumes reais “alegados” são conflitantes. O indicativo e histórico é que as ofertas aumentem, a partir de agosto, mas há dúvidas quanto aos volumes.
Com relação à portaria que proíbe a entrada de carne com osso e de animais suscetíveis à febre aftosa, mas que já permitia o ingresso de carnes desossadas e maturadas. Os sindicatos ligados à pecuária foram atuantes em relação a manutenção da proibição (representados nas reuniões com o governo pela Farsul), e focados no aspecto sanitário, dado a dificuldade pública em rastrear a real origem das carnes. Tendo sido este um diferencial para Rússia e Chile abrirem seus mercados ao RS. Com o adicional da importância que representa o corte da costela na formação dos preços pagos na aquisição dos bovinos pelos frigoríficos, já que no RS os valores da costela no atacado são próximos ao do traseiro. A informação repassada pela SAA/RS é que ingressaram no estado em 2005 aproximadamente 90 mil ton. de carne e segundo a Secex foram exportadas ao redor de 104 mil Ton. pelo RS. No passado vendíamos volumes consideráveis de carne e bovinos vivos (hoje proibidos) para Sta. Catarina, atualmente reduzido.
Na comercialização de bovinos para abate, há sérios problemas no histórico da renda dos pecuaristas gaúchos, devido a concentração dos frigoríficos aptos á exportação. O frigorífico Mercosul concentra aproximadamente metade do abate legal do estado, englobando plantas de Alegrete, Mato Leitão, Extremo Sul, Riopel, Corivá de São Gabriel e antiga “Cicade” de Bagé. Além das plantas em Paiçandu no PR e Naviraí no MS, as quais nos preocupam. Com relação aos exportadores, temos ainda o frigorífico Silva, com escala pequena de exportação e o Marfrig, que ficou limitado à prestação de serviço da planta do frigorífico 3C de Rio Pardo (400 a 600 bov/dia). Portanto temos uma concentração excessiva nos abates, principalmente destinados à exportação, refletindo em baixa ou falta de repasse destes ganhos comerciais aos produtores e por vezes gerando distorções no mercado interno de carnes, basicamente quando o dianteiro é vendido abaixo do preço de custo, em função dos volumes envolvidos.
OBS.: Bônus fidelidade proposto pelo frigorífico Mercosul, para bovinos planilhados e rastreados: Jan+4%, Fev4%, Mar+1%, Abr+1%, Mai+1%, Jun+2%, Jul+4%, Ago+3%, Set+1%, Out+1%, Nov+2% e Dez+3% (Logicamente este bônus tem a ver com oferta & demanda e lembrando o aumento expressivo da demanda no natal e fim de ano ).
A título de curiosidade, no Uruguai, com rebanho bovino semelhante ao RS, há mais de 30 plantas aptas a exportação.
Uma lógica que seguimos, é trabalhar pelo fortalecimento do mercado de bovinos, pois medidas que auxiliem o mercado das carnes, normalmente não chegam como renda adicional aos pecuaristas, pois “carne é mercadoria dos frigoríficos”.