Uma pena que o assunto Amazônia seja quase sempre abordado em clima de ideologia, por vezes inspirado por pessoas que desconhecem a realidade, sem se deslocarem para o sertão, com seu desconforto, primitivismo e risco de malária.
Com relação às ocorrências em Anapu, vale analisar os três grupos principais de interessados existentes na região:
1- Os ditos “posseiros”, que ocupam um local, sem se importar a quem pertence, e fazem lavouras em pequenas áreas da melhor mata, que seguem derrubando de dois em dois anos, em rotação com capoeira, logo que o terreno fica praguejado de invasoras. Ultimamente semeiam braquiária, objetivando valorizar a “posse” que acabam vendendo para ir fazer nova derrubada em outro local, escolhendo sempre as melhores terras, como já faziam os índios para cultivar mandioca1. Negociam a madeira existente. Segundo estimativas oficiais, são milhares de unidades de agricultura familiar, compreendendo cerca de 500.000 pessoas, dispersas por uma imensa área, assim totalmente desassistidas;
2- Os fazendeiros, compradores de “posses” para formar fazendas,- em geral de pastagens para conviver com troncos e tocos,- na esperança de obter título de domínio através de usucapião ou legalização por esquemas anteriores de colonização oficial. Também vendem madeira. O adjetivo “grileiro” é geralmente aplicado a esse grupo, embora possa ser extensivo também aos “posseiros”.
3- Os madeireiros, que não se interessam pela terra, mas somente em adquirir arvores em pé a fim de retirá-las por picadas, sem derrubadas por desnecessárias e onerosas. Procuram ter projetos de “manejo sustentável” aprovados pelo IBAMA, o que nem sempre é possível nas aquisições esparsas dos pequenos posseiros.
Ao que tudo indica, no caso da religiosa naturalizada, o problema foi decorrente de incitação para que os posseiros parassem de vender árvores, ou dificultassem seu trânsito, interrompendo a atividade das inúmeras pessoas envolvidas nas atividades madeireiras, sejam operadores de moto-serra, tratoristas, caminhoneiros, condutores de jangadas de toras e operários das serrarias, bem como de toda a gama de pessoas ocupadas em serviços ligados à vida desses trabalhadores.
A considerar também os intermediários de todo os tipos que distribuem mercadorias ou que promovem a retirada de toras e as vendem aos comerciantes que a transportam legalmente para os grandes centros de consumo ou para exportação. São eles os contratantes da mão de obra, responsáveis pelas folhas de pagamento ao fim de cada mês. Recentemente noticiou-se a existência de 350.000 pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, em atividades madeireiras.
Os vários grupos formam um conjunto de patrícios que se dedica ao trabalho duro, construindo suas vidas com privações e riscos de toda a sorte. É de se supor que dentre elas existam indivíduos dispostos a apelar à violência para proteger seus patrimônios conquistados a duras penas, bem como seu ganha pão, já que é inexistente um sistema policial e judiciário institucional capaz de defender seus direitos. Essa ausência atrai por seu lado indivíduos de má índole, aproveitadores, geralmente protegidos por “maiorais” dos mais variados interesses, inclusive políticos.
Vai daí, ocorrem historicamente crimes esporádicos, tanto quanto nas lavras de ouro, sem maior repercussão. Mas se a vítima é uma gringa americana, uma freira ativista, bem intencionada, mas com atividades diversas das prédicas religiosas, então acontece uma verdadeira ocupação militar, medidas provisórias, discursos presidenciais, reuniões ministeriais, mudanças nas regras do jogo do trabalho e uma corrida de políticos para se colocarem à frente das câmaras de TV.
Faz lembrar os filmes do “far west” americano e dos gangsters de Chicago e Nova York, só que, naquele tempo não havia aviões e helicópteros para rápido transporte de tropas, com aparato de guerra em defesa da pátria ameaçada. E, mais que tudo, não existia a televisão apelando mais para a emoção e sensacionalismo, do que se empenhando em reportar a realidade tal como ela de fato é! Fazem parecer que somos um país de bandidos o que está longe da verdade.
Nossos governantes sabem de tudo isso, mas agem em função da suposta reação das grandes massas eleitorais dos centros urbanos do país e da opinião do exterior conduzida por entidades que se dizem protetoras das florestas, do ambiente, dos bichos, dos índios, etc., sempre à caça de notoriedade e de publicidade, para poderem vender notícias. São na maior parte organizações originadas de paises gélidos, já sem florestas, derrubadas que foram muitos anos atrás para deixar entrar luz e assim viabilizar a produção de alimentos tanto vegetais como animais, que hoje requerem pesados subsídios.
Que fazer então? Muito simples no enunciar, muito difícil de implementar no sertão: dar escola a todos, fazer funcionar a polícia e a justiça institucionais, permanentes e confiáveis!
Por outro lado, alterar o sistema de vida de 350.000 madeireiros e de 500.000 posseiros, e respectivos familiares, não é tarefa fácil!… Em que pese o estrebuchar de nosso Presidente.
1P. João Daniel – “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas”, 2 vol,1200 págs.,1776 – Editora Contraponto, 1985.
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Brilhante! Muito inteligente.
Finalmente consegui entender o conflito (sem influência da mídia, grupos religiosos, partidos políticos, etc.) envolvendo posseiros, fazendeiros e madereiros.
O Sr Fernando Cardoso nos deu uma verdadeira aula sobre o assunto.
Qualquer pessoa ou ONG que tomar partido de um dos lados, ganhará o ódio de milhares e milhares dos do outro lado.
A solução foi dada pelo Sr Cardoso: definir uma boa política sobre o assunto, dar educação e principalmente desenvolver novas atividades e oportunidades de renda para os que ficarem de fora.
Parabéns Dr. Fernando, muita clareza e sobretudo uma crítica isenta de atitude tendenciosa, diferente da forma como este tema vem sendo constantemente abordado.
Os problemas fundiários desta nossa imensa Amazônia, vêm desde o fim da década de 70, e já naquela época tivemos a oportunidade de vermos este “filme” de perto, pois participávamos do Projeto Rondon, na condição de estudante universitário, e notávamos claramente o barril de pólvora que ali está alojado, com as frentes religiosas ligadas à pastoral da terra, as organizações que na época não tinham o nome de ONGs, e o governo do regime militar cada qual à sua maneira tentando fazer valer a correta ocupação daquele espaço.
O descaso realmente só é lembrado, quando uma das vítimas, é uma brasileira naturalizada, citada na mídia internacional, e não as milhares de vidas que se foram tentando se fixar dignamente neste território.
Aí está uma visão clara sobre os problemas em nossa Amazônia.