O próximo Workshop BeefPoint será sobre Gestão de pessoas na pecuária de corte. Para conhecer melhor o tema, o BeefPoint preparou uma série de entrevistas com gestores que têm se destacado nessa área.
André Bartocci é administrador da fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS. No texto abaixo, André fala sobre o trabalho de gestão realizado na fazenda, a rotina dos funcionários e o que tem dado mais resultados para a equipe.
André Bartocci (à esquerda)
Em 1990 comecei a administrar a fazenda Nossa Senhora das Graças em Caarapó – MS, onde hoje produzimos novilhos precoces com ILP. O Brasil vivia um período inflacionário em que a economia não tinha muita lógica. A rentabilidade da pecuária vinha basicamente da comercialização que tinha uma regra de sucesso: “compre antes, venda depois”. Uma grande qualidade de um funcionário era contar bem os bois, pois o que se media na pecuária era o estoque (quantos bois haviam no pasto) e a produtividade era quase uma conseqüência.
Se você buscasse um bom peão, capataz ou gerente há 25 anos, estas eram as características ideais: “Um homem sério, 50 anos, conta bem, não bebe, castra, laça e doma bem.”
Com a estabilidade da moeda, a pecuária se revelou como atividade de baixa lucratividade e conseqüentemente com pouca necessidade de mão de obra especial. Os bons profissionais mudaram para agroindústria ou para a agricultura. No boi só ficaram por paixão ou falta de opção. Isto gerou uma corrente perversa nestes últimos 20 anos onde não se aplica em tecnologia e gestão, porque não se tem bons profissionais e não se investe em formação porque o modelo arcaico não exige. Muitas fazendas ainda baseiam sua contabilidade em controlar estoques ou no máximo estoque do hectare (UA/ha), em função do baixo preparo da equipe.
Produção eficiente e sistema transparente
Na minha administração, sempre tentei realizar uma produção eficiente. Isto significa que a pecuária deve render mais ou igual à outras atividades locais. E jamais se consegue isto sem um bom time ou uma boa gestão de pessoas.
Trabalho com um sistema de hierarquia transparente. Isto quer dizer que todos sabem claramente o que estamos buscando naquele momento e têm direito de opinar. Fixando metas e decisões importantes, concentrados em uma ou duas pessoas.
A pecuária é um sistema complexo que envolve animais e plantas, que são suscetíveis ao clima, a fertilidade, ao relevo e ao manejo. Por este motivo é necessário uma equipe muito disciplinada, mas não engessada. Preciso de trabalhadores de atitude que tomem a melhor decisão no momento da operação e que principalmente saibam assimilar novas idéias.
A cada semestre os números da produção são demonstrados sem reserva para todos os trabalhadores quando fazemos uma reunião, quase uma assembléia, e pagamos (ou não) bônus. Durante todos os meses os resultados são divulgados como um placar de um jogo. O fato de premiarmos o grupo igualmente reforça a sensação de “time”. Muitas vezes vaqueiros ajudam na construção de cercas, tratoristas trocam lotes em rodízios e o pessoal do escritório ajuda no curral. Isto não significa desordem e sim uma atitude positiva e disposição.
Qualificação profissional dos funcionários
Quilos de N/ha, altura de entrada, índices pluviométricos, sensação térmica, Gr/cab/dia, GP/ha, carcaça uniforme, data de corte, leitura do chip, são termos utilizados no dia a dia da nossa produção. O peão tradicional não conhece este idioma! Com ele não teríamos uma boa gestão. Então surgiu uma questão: “mudar de pessoas ou mudar as pessoas?” A resposta: “É mais fácil e seguro ensinar um vaqueiro operar um software, do que um programador montar uma mula!” Decidimos então realizar o dever do estado (governo): educar e formar cidadãos.
Criamos um espaço cultural onde todas às quartas são ministradas à partir das 16hs aulas de informática, palestras profissionalizantes e outros eventos para trabalhadores. Neste mesmo local, crianças e mulheres têm aulas de inglês, informática, artesanato, leitura e reforço escolar.
Toda equipe conhece a base da produção. Tratorista, cerqueiro, o pessoal do escritório e até da cozinha participam de cursos ligados à produção, mesmo que não atuem diretamente com os animais. A intenção é envolver todos no principal: terminação de novilhos.
Além dos ganhos diretos com as aulas, observamos um aumento da auto-estima, uma melhora na relação interna e uma preocupação maior com a educação (aprendizado) própria e de toda a família. Estas mudanças ajudam muito na gestão.
Comunicação interna na fazenda
Outro ponto fundamental da gestão é a comunicação interna. Rádios portáteis fazem parte da tralha do cavaleiro e andam junto com os EPIs dos tratoristas. Eles servem para dar feedback instantâneo e dinamizam o trabalho. A internet é essencial inclusive como meio de monitorar o clima. Também existem painéis ou lousas espalhados pela fazenda onde se registram comunicados e datas importantes, como embarque ou alerta de geadas.
De comum acordo com a equipe, trabalhamos com uma semana alternativa onde dependendo do clima ou de fatores adversos, segunda-feira se torna um sábado.
Ambiente de trabalho e comprometimento da equipe
Quem quer trabalhar com boi deve morar perto dele. Não rola chegar às 7hs e voltar às 17hs! Moral: o peão e sua família moram no local! Por isso o ambiente físico deve ser o melhor possível. Nossas casas são de boa qualidade, nossa água é boa, temos internet para todos e o ônibus escolar chega a todas as portas. Também por este motivo, desrespeitamos uma lei clássica de gestão: “Não empregue quem você não pode demitir”. Filhos, irmãos, maridos e esposas sempre que possível contribuem com a produção. Talvez uma oportunidade, talvez um mal necessário.
Meus salários não são os maiores da região, nossa carga de trabalho é intensa (minha equipe trabalha no limite) e nossa exigência tende à perfeição e a um conceito de melhoria contínua (resumindo: para o administrador nunca está bom!). Apesar deste quadro, meus trabalhadores mais novos tem cinco anos de casa e muitos estão há uma ou duas décadas. Imagino que esta preferência se deve ao cuidado que temos pela família do funcionário, as regras muito claras, a participação nos resultados e principalmente liberdade de expressão.
Pecuária exige poucas pessoas. Talvez uma qualidade do negócio: “É mais fácil entender o boi do que o homem”. Por isso, talvez temos poucos exemplos de gestores de pessoas. Um exemplo de gestão fora da área é o Bernardinho, técnico da seleção de vôlei, que executa em seu trabalho a essência da melhoria contínua (sempre podemos fazer melhor!).
Produzir na Nossa Senhora das Graças é participar de um campeonato com jogos que se iniciam a cada semana. Nosso objetivo é alcançar metas e superar nossos resultados. É preciso que todos estejam ligados e procurem dar o máximo, mas isto tem que ser bom, tem que ser divertido. É estimulante pensar assim. Tento passar este sentimento para a equipe. Neste campeonato, não vale reclamar do preço da @, do rendimento de carcaças, da chuva que não vem, da cigarrinha, da alta do adubo, pois tudo isto já foi combinado que seriam os obstáculos a serem vencidos. Não somos invictos, às vezes levamos umas lavadas, mas o melhor é saber que a cada semana começa um novo jogo e desta vez poderemos ser campeões.
O Workshop BeefPoint Gestão de pessoas na pecuária de corte será no dia 7 de agosto, em São Paulo.
9 Comments
Parabéns pela matéria, muito boa e demonstra a realidade que a pecuária está vivendo..
Com certeza a chave para o sucesso na pecuária! O primeiro passo para tentar desenvolver qq programa depende disso.
Parabens pelo trabalho!
Parabéns BeefPoint pelo assunto abordado e principalmente Sr. André Bartocci, pela forma de condução de sua equipe.
Aqui no Tocantins encontramos dificuldade quanto à qualificação destes colaboradores, mas os pecuaristas que adotaram estas estratégias já colhem os frutos de uma equipe coesa e comprometida, também acredito que o valor de salario fique em segundo plano quando se tem reconhecimento e dignidade partindo dos empregadores.
Marcelo Barros
Secretário de Agricultura e Pecuária Araguaçu- TO
Bom, conheço André Bartocci há algum tempo e é um prazer ve-lo com constancia defendendo a cadeia produtiva da carne com competência e muito conhecimento. Conheço a Fazenda, conheço seus funcionários o suficiente para dar o aval necessário para o que Diz André. Parabens meu amigo, não recolha suas velas, elas o levarão sempre em caminho seguro, veloz e sábio. Abraço grande.
Se todos os pecuaristas pensassem assim a pecuária seria bem mais forte,abraço Dr. André, você é o cara.
E funciona assim mesmo,pois sempre estou la na fazenda e vejo como os peões se sentem valorizados.
Abraço do amigo – VILAS BOAS
nós que gerenciamos atividades que envolve qualquer tipo de mão de obra, precisamos ser formadores de pessoas….de seres humanos… que nos surpreende a cada dia com as atitudes positivas. é muito gratificante!!! parabéns André.
André, sua entrevista está excepcional!
Muitas vezes, o que você propõe parece impossível, mas seu relato é uma bomba de ânimo para a classe pecuarista.
Um abraço.
Excelente matéria exposta pelo André Bartocci sobre a gestão de pessoas na pecuária e parabéns aos proprietários da fazenda Nossa Senhora das Graças por dar condições dignas aos seus trabalhadores e suas famílias.
Assim, o resultado final será sempre bom e positivo para todos.
Vocês são exemplos dignos de serem copiados pelos pecuaristas em geral!
Assisti hoje cedo na Globo,a reportagem sobre a fazenda,realmente me encantei com tamanha tecnologia e excelentes resultados…Parabéns por levarem qualidade do que se produz de bom,aqui no nosso amado país…pois lá fora,geralmente ficam sabendo,somente as coisas ruins que aqui acontecem…sem necessidades de comentários!!! estão de parabéns,mesmo!!! Meu grande abraço!!! Especialmente ao André!!!