Seis meses após a primeira notícia de contaminação por Covid-19 entre trabalhadores de frigoríficos no Brasil, a adoção de medidas de proteção contra a doença ainda opõe sindicatos e empresas no país. Além disso, a própria indústria admite que tem adotado por contra própria medidas extras às exigidas pelo governo para exportar carne.
Com uma estimativa de que cerca de 20% dos profissionais do setor já tenham sido contaminados, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos e Afins (CNTA) e a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação da CUT (Contac) defendem a ampliação das medidas de proteção já adotadas, com maior distanciamento de funcionários na linha de produção, testes em massa e fornecimento de máscaras de proteção adequadas aos padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde.
“Nós entendemos que há uma necessidade de fazer, realmente, a implantação de mais um turno de trabalho para reduzir os número de trabalhadores por turno. Achamos isso essencial”, aponta o presidente da CNTA, Artur Bueno Camargo, que não descarta a possibilidade de greve caso a situação saia de controle.
“Se não tivéssemos essa situação de pandemia, já teríamos paralisado os frigoríficos”, revela o sindicalista. A entidade chegou a realizar uma reunião com a diretoria da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), mas disse que suas reivindicações foram negadas. “A posição da ABPA foi de que eles tiveram uma reunião com o conselho deles e que estão cumprindo protocolo do governo”, aponta Camargo.
Publicada há três meses, em 18 de junho, a portaria conjunta nº 19, editada pelos ministérios da Agricultura, Saúde e Economia, definiu padrões mínimos de controle e prevenção da Covid-19 em frigoríficos. As normas, contudo, foram consideradas inadequadas para a combater a pandemia, com medidas de proteção inferiores ao sugerido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
O órgão chegou a editar uma nota técnica apontando divergências entre o texto do governo federal e as referências técnicas oferecidas durante a elaboração da portaria. Segundo o vice-gerente do projeto nacional de adequação do meio ambiente do trabalho em frigoríficos do MPT, Lincoln Cordeiro, em alguns casos, o próprio setor adotou medidas protetivas adicionais ao estabelecido pela portaria, caso dos cem frigoríficos que firmaram termo de ajustamento de conduta com o órgão.
Para chinês ver
O presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, confirma que as empresas têm adotado medidas de proteção que vão além do estabelecido pelo governo. “Para atender clientes específicos, que pedem algo a mais, os frigoríficos estão adotando mais medidas”, aponta Salazar.
É o caso do mercado chinês, cujos órgãos de fiscalização suspenderam a autorização de exportação de oito plantas no país. “A portaria é uma norma padrão, todos estão seguindo e nós, inclusive, a traduzimos para o mandarim e para o inglês e enviamos para os nossos compradores. Desde então, a situação está sossegada” avalia o presidente da Abrafrigo.
“O que a gente vê hoje é que há uma consciência maior, mas a gente ainda encontra muitos ilícitos. Temos observado muita resistência de boa parte das empresas em testar os trabalhadores, afastar os contaminados e seus contactantes no sentido de evitar as contaminações comunitárias dentro da empresa”, explica Lincoln Cordeiro, do MPT.
Segundo cálculo da CNTA, mais de 20 empresas precisaram suspender suas atividades devido ao aumento do número de casos de Covid-19 desde o início da pandemia.
Ministério admite mudanças
Em nota, o Ministério da Agricultura afirmou que, em conjunto com as demais pastas envolvidas, estuda atualizar a portaria. Apesar de destacar a importância da medida, a pasta não apresentou dados que apontem queda das contaminações após a sua publicação.
As modificações, segundo o ministério, “contemplam atualizações como, por exemplo, equipamentos de proteção” e “estão relacionadas às novas informações científicas, recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e adequações que o Ministério da Saúde fez em decorrência da avaliação de seus dados e informações quanto ao comportamento da Covid 19”.
Novos casos
Responsáveis por fiscalizar as condições sanitárias dentro dos frigoríficos, os auditores fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura relatam que a situação epidemiológica nos frigoríficos três meses após a portaria nº 19 é de queda no número de contaminações.
“Embora não haja um relatório periódico, conversando com outros auditores fiscais agropecuários, eles apontam que os casos reduziram de 20 sintomáticos por dia para cinco por semana”, afirma Antonio Andrade, diretor de políticas profissionais do Sindicato dos Auditores Fiscais Agropecuários (Anffa Sindical).
Além da portaria editada pelo governo, que contribuiu para uniformização da fiscalização, Andrade ressalta o papel do MPT e da pressão do mercado internacional para o avanço nas medidas de controle da doença no setor.
“Com todos aqueles problemas com a China, as próprias empresas têm uma preocupação de não ter casos entre seus funcionários para também não ter que reduzir o volume de produção”, relata o auditor fiscal, lembrando que, nacionalmente, também houve queda nas contaminações.
Segundo dados do Ministério da Saúde, foram registados 192.687 novos casos de Covid-19 no Brasil na semana encerrada no último dia 12 de setembro, queda de 30% ante o observado na semana anterior.
O MPT e a CNTA, contudo, negam, que tenha havido redução no número de casos dentro dos frigoríficos, já que, sem a testagem em massa, muitos trabalhadores podem estar tendo contato com a doença de forma assintomática sem saber.
“Aponta-se uma redução no número de casos quando há, na verdade, uma busca por não testar e não fazer a verificação da realidade apresentada”, destaca Cordeiro, que defende a continuidade das medidas de proteção e vigilância ativa dentro dos frigoríficos.
Com o avanço silencioso da doença, o presidente da CNTA teme que o setor presencie uma nova explosão de contaminações no médio prazo, conforme os trabalhadores que já contraíram a doença percam a imunidade adquirida e os que foram afastados por apresentarem fatores de risco retornem à atividade.
“Estamos vendo que essa imunidade de quem já contraiu o vírus pode acabar em quatro meses. Então essa é uma preocupação que nós temos, independente do número de novos casos estar reduzindo ou não”, ressalta Camargo.
Fonte: Globo Rural.