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Árvores nas pastagens: ganhos para o pecuarista e para o planeta

Por 1Guilherme L. Reis, Ângela M. Quintão Lana, Rogério M. Maurício, Rodrigo M. Machado, Eloísa de Oliveira S. Saliba, Luciano F. Sousa, Guilherme R. Moreira, Talmir Quinzeiro Neto

Para criar os herbívoros, o homem utilizou por muito tempo como recursos forrageiros as áreas de pastagens nativas, que constituíam ecossistemas estáveis, permanecendo pouco alteradas pelo pastejo. Devido ao crescimento da população e, conseqüentemente, aumento da demanda de produtos animais, houve necessidade de expandir a criação desses animais. Dessa maneira, as pastagens avançaram sobre as florestas. No Brasil, 61 % das áreas desmatadas estão, no momento, ocupadas com pastagens.

A bovinocultura é uma atividade de importância econômica no Brasil, entretanto freqüentemente está associada à degradação ambiental. No Brasil, cerca de 50% dos 105 milhões de hectares de pastagens implantadas encontram-se degradados ou em início de degradação, reduzindo a produção animal e aumentando os custos de produção além de causarem prejuízos ambientais como a perda de solo por erosão, redução da disponibilidade de água, assoreamento de cursos d´água e perda da diversidade vegetal e animal.

Nas décadas de 1960 e 1970, houve ênfase nos modelos baseados na adubação química dos solos, uso de variedades melhoradas de espécies forrageiras, mecanização pesada do solo, utilização de agrotóxicos contra pragas e doenças, proporcionando um aumento substancial na produção mundial de alimentos.

Entretanto, devido às conseqüências negativas como erosão, contaminação de solos e mananciais, passou-se a buscar sistemas de produção de alimentos menos agressivos ao meio ambiente, com menor dependência de insumos externos e busca por produtos sem agrotóxicos.

O objetivo passou a ser a sustentabilidade, ou seja, manutenção de uma situação mais adequada ao longo do tempo, de forma que não ocorra um impacto negativo de qualquer que seja a atividade escolhida.

Uma opção viável para a produção animal seria a utilização de sistemas agroflorestais pecuários ou sistemas silvipastoris (SSPs), que consistem em uma combinação de árvores, culturas e animais numa tentativa de imitação do funcionamento e da estrutura dos ecossistemas naturais. As árvores nas pastagens constituem uma alternativa para a manutenção da fertilidade natural do solo pelo aporte contínuo de matéria orgânica e controle da erosão.

No território brasileiro, vários fatores justificam a adoção de SSPs, tais como: grande quantidade de terras degradadas utilizadas para agricultura e pastagens, descapitalização dos produtores e êxodo rural em função da difusão da agricultura intensiva baseada em altos insumos e mecanização; drástica redução da biodiversidade nas áreas de produção agropecuária; extensas áreas de pastagens desprovidas de sombreamento e deficiência nas práticas de conservação de solo.

O processo de degradação das pastagens

Uma técnica muito utilizada, na implantação de fazendas para exploração da pecuária, é a semeadura das forrageiras logo após a derrubada e queima da floresta primária. Nos primeiros anos, devido à queima da vegetação, há aumento da disponibilidade de nutrientes e neutralização do alumínio pelas cinzas resultando em excelentes produtividades das pastagens implantadas.

Entretanto, a queima da floresta, associada à “limpeza” dos pastos através do fogo, é responsável por mais de 50% dos números de casos de incêndio ocorridos na Amazônia. Além dos prejuízos locais, as queimadas são responsáveis por emissões de gases do efeito estufa.

O produtor, motivado por altas produções de forragem dos primeiros anos, passa a utilizar cargas animais muito acima da capacidade de suporte das pastagens, reduzindo a sua vida útil. Em conseqüência do declínio da produtividade forrageira, as invasoras passam a ser gradativamente predominantes, a ponto de se inviabilizar, sob a ótica econômica, as limpezas dos pastos. Normalmente, ocorre uma redução gradativa na produtividade das pastagens seis a oito anos após o estabelecimento.

A degradação das pastagens reflete na necessidade contínua de novos desmatamentos para a formação de novos pastos a fim de alimentar o rebanho, que, no Brasil, tem crescido constantemente, muito mais a custa da expansão da área de exploração do que pelo aumento da produtividade.

A ocupação da Amazônia dissemina graves problemas ambientais e econômicos. Os imigrantes paulistas, mineiros, gaúchos e nordestinos introduzem no novo território as mesmas técnicas por eles utilizadas na região de origem, mas que não são adaptadas aos biomas brasileiros e que geram muitos impactos ambientais. Atualmente, a taxa de desmate anual da Mata Atlântica e Floresta Amazônica é de 1,5 milhões de hectares. Na Mata Atlântica, a expansão da fronteira agrícola resultou em mais de 93% de desmatamento.

A presença de árvores beneficia o solo pela manutenção de uma temperatura mais baixa e pelo aumento da atividade microbiológica, auxiliado, também, pelo aumento do teor de matéria orgânica fornecido pela constante queda da folhagem das árvores, o que coopera para manter a fertilidade da terra.

A manutenção da fertilidade do solo garantiria maiores produtividades da forragem. Caso contrário, a forrageira perde vigor e a pastagem começa a degradar, sendo necessário renovar ou até mesmo reformar o pasto, processos com maior custo operacional. Na última etapa do processo, ocorre degradação do solo devido à compactação e a conseqüente diminuição das taxas de infiltração e capacidade de retenção de água, causando erosão e assoreamento de nascentes, lagos e rios.

A utilização de solos de baixa fertilidade associado ao uso inadequado de corretivos e fertilizantes, na fase de estabelecimento e manutenção das pastagens, determinariam a baixa produtividade e posterior degradação do pasto (Figura 1).

Figura 1 – Processo de degradação da pastagem em suas diferentes etapas no tempo (Martha Júnior e Vilela, 2002)

Sistemas silvipastoris

Por longo tempo, as árvores têm sido consideradas competidores das pastagens exercendo um impacto negativo na produção forrageira. Entretanto, aumentos na produtividade em áreas com árvores têm sido atribuídos principalmente à melhora na fertilidade e na estrutura de solos debaixo da copa de árvores, melhora nas relações de água em plantas sombreadas e competição por umidade e nutrientes entre árvores e plantas abaixo delas.

Os solos sob influência de árvores, por possuírem maiores concentrações de matéria orgânica e nutrientes, maior massa de microorganismos, menor densidade e melhor infiltração de água quando comparado aos solos de áreas abertas, podem ser consideradas como “ilhas de fertilidade”.

Os Sistemas Silvipastoris (SSPs) seriam uma associação na qual busca-se o equilíbrio entre o componente arbóreo, forrageiras e animais. Há uma tentativa de reproduzir os benefícios ecológicos proporcionados pela vegetação original contribuindo para minimizar os impactos decorrentes da derrubada desta para a formação de pastagens. Há baixo ou nenhum uso de insumos químicos e de mecanização. Os SSPs são mais rentáveis se estabelecidos imediatamente depois do desmatamento, por outro lado, normalmente necessitam certo tempo para passarem a ser lucrativos quando estabelecidos em terras já degradadas.

Em pastagem de gramíneas, a sombra atua aumentando o teor de proteína, diminuindo a produtividade de matéria seca e aumentando a produção de proteína por área. No entanto, é importante salientar que a magnitude dessas modificações está relacionada a fatores edafoclimáticos e culturais como: chuvas, fertilidade de solo, nível de sombreamento, espécies envolvidas entre outros fatores.

A presença de árvores na pastagem também poderá trazer benefícios para os animais, pois, ao proporcionarem sombra, quebra-vento e abrigo, diminuem o estresse climático, melhorando a produção animal (Figura 2).

Há relatos de que quando protegidos do calor, os animais pastam por períodos mais longos, e apresentam melhor eficiência de conversão de forragem, maior crescimento e produção de lã e de leite, puberdade mais precoce, maior taxa de concepção, maior regularidade do período fértil e maior vida reprodutiva.

Além de melhorar a produtividade animal, os SSPs podem ser também uma nova fonte de renda através da exploração de produtos florestais. As árvores nativas plantadas em pastagens podem ser exploradas para madeira, e outros fins, através de um registro prévio do plantio e posterior apresentação de um plano de manejo no momento do corte.

Os SSPs também proporcionam uma série de serviços ambientais como melhoria das microbacias hidrográficas, captura de carbono, redução da emissão de gases de efeito estufa, aumento da biodiversidade vegetal e animal.

Figura 2 – Sistema silvipastoril no cerrado de Lagoa Santa/ MG

Aproximadamente 30% da quantidade de gases responsáveis pelo efeito estufa – metano (CH4), gás carbônico (CO2) e óxido nitroso (N2O) – são gerados por mudanças no uso do solo, pois há redução do montante de matéria orgânica no solo aumentando a emissão de carbono na atmosfera. Logo, as pastagens, devido à ocupação de grande extensão de terra, têm papel fundamental nesse fenômeno global.

Outros agentes que também influenciam no aquecimento terrestre são os bovinos, ao produzirem metano, e a aplicação de fertilizantes nitrogenados na agropecuária, que respondem por 22% das emissões de N2O. Todavia, os sistemas agroflorestais têm-se mostrado altamente eficientes em capturar carbono.

Sharrow e Ismail (2004) encontraram maior acúmulo de carbono em sistemas agroflorestais em comparação com florestas (p<0,05). Nos SSPs, há acúmulo de carbono nas forrageiras, no caule e nas raízes das arbóreas. É possível que os sistemas de produção animal possam se basear também na venda de serviços ambientais. O carbono armazenado nos tecidos vegetais pode ser vendido. No México, em 1997, comercializaram-se com a FIA - Federação Internacional de Automobilismo - 5500 toneladas de carbono, sendo que US$10,00/tonelada eram pagos aos donos da terra e US$2,00/tonelada eram destinado à assistência técnica. Cada produtor plantou 800 árvores/ha promovendo o seqüestro de 40 a 100 toneladas de carbono por hectare (Burstein et al., 2002). Dessa maneira, os SSPs são uma alternativa para conciliar a atividade produtiva com a conservação do meio ambiente, promovendo uma sociedade mais harmônica, enquadrando-se, portanto, nos critérios da sustentabilidade: economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. Referências bibliográficas

BURSTEIN, J. et al. Pago por servicios ambientales y comunidades rurales: contexto, experiencias y lecciones de México [s.n.]: [s.n.], 2002. Disponível em Acesso em 30/06/2002.

MARTHA JÚNIOR, G.B.; VILELA, L. Pastagens no cerrado: baixa produtividade pelo uso de fertilizantes. Planaltina: Embrapa Cerrados, 2002. 32p.

SHARROW, S.H.; ISMAIL, S. Carbon and nitrogen storage in agroforests, tree plantation, and pastures in western Oregon, USA. Agroforestry Systems, n. 60, p. 123-130, 2004.

______________________
1Guilherme Lanna Reis, Ângela Maria Quintão Lana, Rogério Martins Maurício, Rodrigo Matta Machado, Eloísa de Oliveira Simões Saliba, Luciano Fernandes Sousa, Guilherme Rocha Moreira, Talmir Quinzeiro Neto são do Grupo de pesquisa em sistemas silvipastoris; professores e pós-graduandos do Departamento de Zootecnia, Escola de Veterinária, UFMG e Instituto de Ciências Biológicas, UFMG

3 Comments

  1. Ronaldo Lazzarini Santiago disse:

    Gostaria de cumprimentar os autores do artigo e parabenizar-lhes pelo envolvimento com este assunto, que é controvertido e sobre o qual noto que há preconceito da maioria dos pecuaristas.

    Indiscutivelmente o tema necessita de pesquisas, o que se torna ainda mais difícil por envolver pesquisadores de diferentes áreas, ou seja a forragicultura e a silvicultura.

    Entretanto os autores relacionaram com clareza algumas premissas que por si só já recomendariam o uso de árvores nas pastagens, mas que acima de tudo referendam a necessidade de muita pesquisa, para que tenhamos orientações adequadas sobre como implantar e como conduzir este tipo de manejo.

    A pecuária bovina de corte, ao contrário do que pregam ambientalistas em geral, tem grandes chances de propiciar uma produção que esteja muito mais em harmonia com o meio ambiente do que muitas outras atividades. Basta haver boa vontade e mentes abertas para testarmos novos modelos. A própria conjuntura econômica de nossa atividade, que passa pelas mais baixas taxas de rentabilidade de sua história, está a nos acenar para a necessidade de buscarmos novos caminhos.

    Ronaldo L. Santiago
    Diretor de produção da Colonial Agropecuária e Fazenda Calciolândia

  2. José Humberto Martins Borges disse:

    Acho que podemos citar também os benefícios da utilização de árvores leguminosas, as quais são abundantes no cerrado e que fornecem nitrogênio às pastagens melhorando sua qualidade nutricional.

  3. Agnaldo Bino disse:

    Achei o tema um pouco embaraçoso, embora eu não tenha nenhuma comprovação cientifica. Falo apenas da experiência prática.

    Tenho uma pequena propriedade e uma parte do pasto tem muitas árvores. Embaixo delas a braquiária fica muito alta e bonita. O gado dificilmente a come.

    Segundo meu vizinho, um homem que sempre viveu da vida rural, o capim embaixo das árvores não é bom. Segundo ele, é como se fosse um capim “sem sabor”, por isso o gado não o come. É como se fosse um capim “aguado” e o gado prefere o capim que tomou sol. Não acham isso estranho?

    Gostaria de ter mais informações práticas sobre esse assunto.

    Bino