Legislação fundiária é um assunto recorrente em meus artigos. Não porque eu seja profissionalmente habilitado para tal, e sim porque, quanto mais a estudo, mais fico impressionado com o emaranhado de disposições legais que, flagrantemente não visam instruir, mas, propositadamente, confundir. E, para variar, o pecuarista é o alvo preferencial destas “armadilhas” para-legais.
Quando você faz sua declaração anual do ITR (na realidade: DIAC/DIAT) você presta contas à Secretaria da Receita Federal, órgão do Ministério da Fazenda, cuja finalidade é arrecadar impostos. O índice da SRF para produtividade (GEE), e para utilização de área (GUT) mínimas – se você estiver na Zona Pecuária 1 (sul, sudeste e parte do centro-oeste) será de 0,7 cabeças por hectare (Instrução Especial INCRA no 19, de 28/05/80 – e Anexo IV IN/SRF no 43/97, artigo 16, II “a”). Como este índice é, em geral, facilmente obtido, todos se sentem seguros. Mas não deveriam.
Se à SRF cabe arrecadar, ao INCRA (órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário) cabe cadastrar, vistoriar e…. desapropriar. Apenas para se ter idéia da disparidade de conceitos, tomemos a Instrução Normativa no 11 do INCRA, de abril de 2003. Primeiro, se a SRF calcula em “cabeças”, o INCRA o faz em “UA (Unidades Animais)”. Se para a SRF você atinge nível aceitável de produtividade e ocupação de área com 0,7 cabeças/Ha, para o INCRA (na Zona Pecuária 1), você precisará obter 0,6 UA/Ha como mínimo para 100% de GUT (utilização), e 1,2 UA/Ha como mínimo para 100% de GEE (produtividade). Perceberam onde está a armadilha? Se a média no estado de São Paulo se situa em torno de 0,75 UA/Ha (bem longe do mínimo de 1,2 UA/Ha) – teoricamente, a maioria das fazendas de pecuária em São Paulo (assim como em boa parte dos demais estados) será considerada improdutiva, e passível de desapropriação por “improdutividade”.
Vamos dar um exemplo prático da gravidade desta dicotomia de conceitos: numa fazenda de criação padrão, e que tenha touros, vacas, garrotes, novilhas e bezerros – se para a Receita Federal você tem 3.000 cabeças, para o INCRA você terá apenas 2.365 UA. Claro que isso é apenas um cálculo aproximado, mas serve para alertar para a seriedade do problema. E, se para a SRF você é “produtivo” com 0,7 cabeças/Ha na Zona Pecuária 1, para o INCRA você terá de ter 1,2 UA/Ha. As mesmas disparidades ocorrem – embora com intensidade menor – nas demais Zonas Pecuárias.
Chocado? Mas ainda tem mais: a mesma IN no 11 (artigo 9o – inciso VII – parágrafo 2o), determina que animais que tenham acesso a áreas de APP (Área de Preservação Permanente) – sejam excluídos da contagem, o que fará cair ainda mais a sua produtividade. E esse acesso é inevitável, pois as áreas de APP são marginais a açudes, lagoas, e cursos d’água. Assim, e exceto em caso de bebedores artificiais, a pecuária tem mais este gravame. É verdade que o acesso a bebedores naturais, sendo cercado, diminui o risco, mas não o elimina. Pobre de quem tem fazenda de pecuária ao longo de rios e de represas de hidrelétricas…
Não é meu desejo fazer terrorismo. Já há quem o faça por puro interesse comercial. Minha intenção é alertar para as perdas financeiras que se tem, e os riscos políticos que se corre, ao gerenciar-se uma pecuária de corte que seja pouco eficiente, e de baixa produtividade.
Como se não bastasse, e, por favor, caro leitor, não me odeie pelo que vou dizer agora: no bojo da reforma tributária em curso, encontra-se o incubo de brutal aumento de taxação fundiária sobre propriedades rurais. Se o Congresso Nacional “comer mosca”, principalmente quando da regulamentação do diploma legal decorrente, o governo deixará de ser nosso sócio parasita. Passará a patrão. E patrão parasita e opressor.
E, como ato final de alerta, permita-me lembrar que o Ministério do Desenvolvimento Agrário, INCRA, Conab e Embrapa foram destinados ao MST e à CPT (Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica), entidades que se notabilizam pela arrogância, prepotência, ignorância técnica, e pelo preconceito contra médios e grandes produtores rurais. Isto foi um ato arriscado por parte do governo federal, embora legítimo e legal. As recentes mudanças no comando de órgão gestor da política fundiária (INCRA) não alteram este quadro. Muito ao contrário: o que antes era anunciado aos brados, de forma estridente e pueril, agora é tramado em surdina. O que é muito mais perigoso.
Seria ingênuo, portanto, pensar que eventual vistoria de sua fazenda por parte do INCRA será feita de maneira “imparcial”. Não o será. Prevenir-se, pois, é a melhor política – assunto que abordei em artigo veiculado no BeefPoint em 23/04/03, intitulado “O Diálogo do Pescoço com a Guilhotina“.
No próximo artigo, tratarei também de política fundiária, mas, surpreendentemente, de algo positivo: uma merecida regalia obtida pelo “novilho precoce”.