Por Erica Perez Marson, Thiago Previero e José Bento Sterman Ferraz1
Considerações sobre algumas biotecnologias reprodutivas: suas vantagens, desvantagens e contribuições ao sistema produtivo
Primeiramente é interessante destacar o porque da introdução de uma biotecnologia num sistema produtivo. O que se tem notado, ao longo dos anos, é que as peculiaridades da agricultura e da pecuária nos países de terceiro mundo ou em desenvolvimento, induziram à necessidade de se desenvolver, introduzir e de se adaptar a novas tecnologias para que estes países venham a alcançar aumentos da produção e da produtividade, obviamente sempre a custos minimizados. O cenário mundial evoluiu para um patamar em que apenas os criadores com alta produtividade permanecerão de forma competitiva no mercado, pois os que não atingirem níveis adequados de qualidade e produtividade serão automaticamente marginalizados do processo produtivo. Entretanto é importante destacar que a utilização de novas biotecnologias faz-se na medida em que o homem que as emprega também evolui culturalmente.
Inseminação Artificial (IA)
Na IA, diferentemente do serviço natural, poucos pais serão requeridos para produzir o mesmo número total de produtos. Portanto, a IA pode ser usada para aumentar a intensidade de seleção dos machos e, conseqüentemente, aumentar o mérito genético médio dos seus produtos. Em outras palavras, pode-se afirmar que a IA quando utilizada para massificar a utilização de reprodutores geneticamente superiores é, certamente, a biotecnologia de maior impacto para os programas de melhoramento animal. Vale ressaltar que o incremento genético que esta biotecnologia pode gerar nestes programas está sustentado pela utilização de reprodutores de genética superior.
Com a IA aliada aos avanços no melhoramento genético para a seleção de touros de acordo com o seu mérito genético (DEP ou diferença esperada na progênie), os produtores tem livre acesso à aquisição de sêmen de touros de excelente qualidade dentro de uma escala bem abrangente de valores, ou seja, que atende democraticamente a todos os sistemas de produção. Obviamente que a desinformação a respeito de características importantes de um touro como as produtivas (pesos ajustados e medidas corporais) ou as genéticas (DEP´s) podem conduzir os produtores a escolherem um animal de acordo com o seu parentesco com outros touros famosos ou se o mesmo foi premiado em exposições. Muitas vezes, estas informações irrelevantes geram impacto porque correspondem aos touros com sêmen de preço mais elevado no mercado, o que confunde os consumidores desavisados, cenário que vem sendo progressivamente mudado, felizmente.
Ao contrário dos rebanhos de corte, bovinos de leite já usufruem a IA há décadas. A situação aqui é um pouco diferente visto que as características economicamente importantes são expressas somente nas fêmeas. Além disso, nos EUA, o rebanho total de bovinos de leite é submetido a uma única avaliação genética gerando um guia de referência de machos nacional, como se fosse um sumário único, o que permite aos produtores comparar o mérito genético de todas as vacas e touros em seu país. Mais recentemente tem-se proposto no Brasil, a adoção de um sumário único para animais da raça Nelore.
Em países como o Canadá, Estados Unidos, Austrália e Brasil, os rebanhos de gado de corte são constituídos por um número muito maior de animais, o que ocorre ao contrário em países europeus. Isso dificulta a identificação de estros e pode tornar o uso da IA menos indicado pela eficiência e, portanto, maior custo. Além disso, como as características relacionadas com a produção de carne podem ser medidas em ambos os sexos, o teste de progênie oferece menos vantagem que no caso de gado de leite. A combinação destes fatores faz com que o uso da IA em gado de corte, na maioria dos países desenvolvidos, seja menor do que 10%.
A maior limitação da aplicação da IA continua sendo, sem dúvida, a baixa eficiência na identificação de estros.
Transferência de embriões (TE)
O principal benefício da TE é produzir mais bezerros de uma mesma vaca, o que não seria possível por meio da reprodução normal. Uma fêmea chega a ter, muito precocemente, de 50 a 75 mil oócitos em seus ovários, chegando a produzir, em média, de quatro a cinco bezerros em toda a sua vida, reproduzindo-se naturalmente. Com a TE ela pode ter de 25 a 30 bezerros e com as novas tecnologias como a FIV, pode chegar a 100 ou mais bezerros. Aqui que está o impacto desta biotecnologia.
Os benefícios para aumentar a eficiência reprodutiva de vacas selecionadas são:
a- Vacas geneticamente superiores podem contribuir mais para os programas de melhoramento. Esta contribuição pode ser maximizada caso seus filhos sejam selecionados para os programas de teste de touros e posterior uso na IA;
b- Aumento da taxa de seleção materna, que combinada com a rápida mudança genética, pode ser usada para estabelecer programas especiais de melhoramento (MOET), que será visto a seguir, podendo até dobrar o ganho genético em relação aos programas convencionais.
Considera-se ser um dos entraves na adoção de programas de TE a necessidade de as vacas elites, utilizadas como doadoras, serem retiradas do sistema de produção. Outro fator limitante na sua aplicação é a grande variação no número de ovulações e de embriões viáveis obtidos em cada superovulação.
Enquanto a IA é utilizada em quase que 70% das fêmeas de gado de leite em muitos países desenvolvidos, a TE tem alcançado menos de 1% de utilização. A razão básica é que os custos são altos e os benefícios pequenos, dentre os quais os genéticos são provenientes da seleção de mães e isto é sempre menos preciso do que a seleção dos machos, visto que estes podem ter um grande número de progênies avaliadas. Assim, a intensidade de seleção de fêmeas acaba sendo menor do que a realizada nos machos.
Ovulação múltipla e transferência de embriões (MOET) como ferramenta para o melhoramento
Fazendo uma comparação com a IA, pode-se considerar que a “MOET está para fêmeas assim como a IA está para os machos”, pois permite que menos fêmeas (as de genética superior) sejam usadas para produzir a geração seguinte. Assim a técnica aumenta a intensidade de seleção de fêmeas e diminui o intervalo de gerações, pois permite que uma fêmea produza os filhos necessários ainda jovens, conseqüentemente, aumentando o ganho genético e melhorando a taxa de melhoramento genético do rebanho. A MOET representa, em outras palavras, o enfoque do impacto dado à transferência de embriões em programas de melhoramento animal direcionado para as situações comerciais atuais.
A estratégia envolve animais de genética superior e a seleção em idade precoce, com base nas informações de família, onde são formadas amplas famílias de irmãos completos, podendo-se avaliar o mérito genético dos tourinhos pela produção de suas irmãs completas (além das meio-irmãs maternas e paternas, mãe, tias, etc) em lugar das filhas (teste de progênie convencional), sendo que os melhores machos serão utilizados como pais da nova geração. A substituição do teste de progênie pelo de irmãs pode levar a considerável ganho de tempo, com seleção dos touros ainda jovens, com redução acentuada no intervalo de gerações e, portanto, maior progresso genético. Porém isso não significa a “erradicação” do teste de progênie, pelo contrário, um rebanho MOET pode ser utilizado como fonte de tourinhos jovens para programas convencionais de teste de progênie.
Estudos afirmam que a MOET pode produzir aumentos substanciais na taxa de melhoramento genético de qualquer espécie em que o índice de reprodução natural é pequeno ou ainda em que a ocorrência da transferência de embriões seja elevada, podendo duplicar o melhoramento genético observado. Em bovinos de corte o aumento esperado nas taxas de melhoramento em núcleos MOET oscila entre 30 e 65%; em bovinos de leite, este aumento ocorre de 10 a 20% mais rápido do que o proporcionado pelo teste de progênie. Entretanto, também foi registrado que a taxa de endogamia pode também ser substancialmente aumentada, além de que a tecnologia requerida é relativamente sofisticada.
As limitações encontradas nesta técnica são a baixa produção média e alta variabilidade do número de embriões produzidos, o que diminui o ganho genético esperado.
Produção embrionária in vitro
No sentido amplo, o termo fecundação in vitro (FIV) corresponde à combinação dos processos de coleta de óocitos, subseqüente maturação in vitro, capacitação espermática e fertilização in vitro e, finalmente, cultivo dos embriões produzidos in vitro.
Em geral, menos de 20% dos oócitos fertilizados transformam-se em embriões, viáveis para a transferência, sendo também maior a perda durante a gestação. O resultado final é que embriões produzidos pela tecnologia da FIV ainda apresentam menor fertilidade do que aqueles embriões convencionais, em que se obtêm, normalmente, taxas de gestação de 60%. A viabilidade de embriões provenientes de FIV, transferidos não-cirurgicamente, tem gerado resultados animadores, como taxas de gestação entre 50 a 55%, apenas 10% menor do que com embriões produzidos in vivo.
Entretanto, em gestações com embriões oriundos de FIV têm se observado aumento da taxa de mortalidade fetal até um máximo de 20%. Bezerros fracos e grandes, com aumento da incidência de partos distócicos, têm sido descritos, mas é necessário um número maior de dados e registros mais precisos sobre estes eventos.
Embora a produção de embriões pela FIV deva contribuir decisivamente para uma maior eficiência reprodutiva, como instrumento de multiplicação rápida do material genético melhorado existente, encurtando o intervalo de gerações e intensificando a seleção, além da maior eficiência no controle da taxa de endogamia, o que oferece vantagens substanciais na taxa de melhoramento genético, sua importância vai além do interesse comercial, pois, ao permitir a produção em larga escala de oócitos maturados e fecundados, servirá de ferramenta indispensável para o desenvolvimento de outras biotecnologias reprodutivas relacionadas à micro-manipulação embrionária e a engenharia genética, tais como a clonagem, produção de stem cells ou células totipotentes, preservação de oócitos e embriões, transgênese e marcadores genéticos.
Um bom ajustamento da técnica de FIV poderá melhorar a sua eficiência, porém será necessário conhecer com maior profundidade os processos moleculares e imunológicos, envolvendo suas diversas etapas. Aumentar a intensidade de seleção de fêmeas através da FIV só será viável com a redução do custo de produção de uma gestação, proveniente de embriões de vacas altamente selecionadas. Para isto, várias barreiras necessitam ainda que ser vencidas. A produção em massa de embriões via FIV, por exemplo, requer grande disponibilidade de oócitos, e isto, atualmente, só é possível através de vacas provenientes de matadouro, que na maioria das vezes são de baixo valor genético.
Punção folicular in vivo (ovum pick-up)
Esta técnica permite uma exploração eficiente do pool de gametas de fêmeas jovens, aumentando a vida reprodutiva destes animais e diminuindo o intervalo de gerações. Além da utilização de fêmeas imaturas esta técnica permite ainda exploração de fêmeas clinicamente inférteis, daquelas que não respondem aos tratamentos de superovulação, fêmeas idosas e ainda fêmeas prenhes até o quinto mês de gestação.
Pré-seleção do sexo do produto: sexagem do sêmen
Os esforços mais recentes para sexagem dos espermatozóides baseiam-se na separação daqueles que têm o cromossomo X ou Y, pelo método de citometria de fluxo. A dificuldade deste está no fato de que o número de espermatozóides a ser separado é relativamente baixo, além disso, a separação é apenas 90% correta e o espermatozóide é danificado durante o processo, o que reduz a taxa média de fertilidade. A velocidade do processo também é um fator limitante, pois é muito lenta inviabilizando seu uso na pré-sexagem em massa do sêmen para uso normal na IA.
A sexagem do sêmen promove aumento da intensidade de seleção para um único sexo, conseqüentemente, reduzindo este índice no sexo oposto. Em situações em que machos e fêmeas podem ser selecionados com base no teste de desempenho em idades relativamente precoces, o efeito geral da sexagem de sêmen na taxa de melhoramento genético é desprezível. Entretanto em um esquema de teste de progênie convencional feito em larga escala em rebanhos de leite, o uso do sêmen sexado pode produzir um aumento de 25% na taxa de melhoramento genético.
Um exemplo seria produzir um maior número de fêmeas candidatas à reposição por vacas geneticamente superiores inseminadas com sêmen enriquecido com espermatozóides carreadores do cromossomo X, enquanto que as demais poderiam ser destinadas à produção de machos para o abate. Outra vantagem seria a redução dos custos e o possível aumento da acurácia dos testes de progênie, pois tourinhos em teste poderão produzir maior número de filhas. Adicionalmente a sexagem de sêmen pode exercer um importante papel na produção embrionária in vitro, pois permite a produção de embriões de sexo conhecido.
Sexagem de embriões
A identificação do sexo em embriões nos estádios de pré-implantação quando em programas de TE pode ser uma estratégia de eliminação de riscos de freemartinismo na espécie bovina, pela transferência de embriões do mesmo sexo. Tem recebido pouca atenção nos últimos anos principalmente porque a princípio, não parece oferecer vantagens substanciais em termos de taxa de melhoramento genético.
Com relação à técnica em si, aliada às tecnologias atualmente disponíveis, é possível extrair uma célula de um embrião jovem e com o uso de sondas de DNA verificar se ele é do sexo masculino ou feminino. Todavia, esta metodologia não é ainda amplamente utilizada e por se relativamente cara, além de se tratar de um método invasivo, pois promove rompimento da zona pelúcida o que por precaução sanitária não pode ser comercializada internacionalmente, aumenta o risco de redução na taxa de fertilidade.
Têm sido pesquisados também alguns métodos de ação não invasiva para a sexagem de embriões, evitando assim efeitos deletérios sobre os mesmos, e que permita também sua criopreservação ou sucesso na transferência, além de boa confiabilidade, repetibilidade, simplicidade e rapidez. A pré-seleção in vitro de embriões de bovinos, por exemplo, tem sido bastante estudada em vários laboratórios, pois é aceito, em geral, que embriões machos desenvolvem-se mais rapidamente do que embriões fêmeas, pelo menos em alguns sitemas de produção in vitro.
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1 Erica Perez Marson, Thiago Previero e José Bento Sterman Ferraz são da FZEA/USP