Os anúncios de fusões e aquisições entre empresas do setor de produções animais, tanto no Brasil quanto no exterior, têm se tornado cada vez mais freqüentes. Toda essa movimentação, essa profunda reorganização por que passam as empresas tem um único significado: elas se preparam para enfrentar o ambiente competitivo dos mercados, que vai mudar radicalmente. Com essas transformações profundas e a criação de multinacionais do setor de proteinas animais, o agronegócio brasileiro vai poder cumprir o papel de fornecedor de proteínas animais baratas, acessíveis à classe média baixa do planeta.
Os anúncios de fusões e aquisições entre empresas do setor de produções animais, tanto no Brasil quanto no exterior, têm se tornado cada vez mais freqüentes. Uma das operações mais recentes foi a aquisição pelo Grupo Marfrig, da Seara Alimentos Ltda, braço brasileiro da multinacional americana Cargill Inc. Com essa transação a Marfrig Alimentos passa a controlar a totalidade do negócio brasileiro de proteínas animais da Cargill, bem como o de suas afiliadas na Europa e na Ásia. O acordo está avaliado, inicialmente, em US$ 900 milhões, sendo US$ 706,2 milhões em moeda e US$ 193,8 milhões em assunção de endividamento, valores que poderão sofrer ajustes no decorrer do processo e até o fechamento da negociação, que deverá estar concluída no quarto trimestre de 2009.
Na operação a Marfrig adquire sete unidades industriais de aves com capacidade de abate de 1,2 milhão de aves/dia e duas unidades industriais de suínos com capacidade de abate de 5.800 cabeças/dia; três plantas de alimentos industrializados e processados de valor adicionado com capacidade de produção de 17.500 toneladas/mês; um terminal portuário privativo para cargas frigoríficas e cargas secas (Braskarne) em Itajaí (SC), com faturamento líquido anual da ordem de US$ 1,7 bilhão; a marca “SEARA” e demais marcas operadas neste segmento; o controle de operações de distribuição e comercialização no exterior, de plantas localizadas no Reino Unido, Japão e Cingapura, detentoras de quotas de exportação/importação a partir do Brasil, para diversos países; nove fábricas de ração localizadas nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul; seis granjas de matrizes de aves, localizadas nesses mesmos estados, com cerca de 3.000 produtores integrados de aves e suínos. A partir dessa aquisição, o grupo Marfrig firma-se como o segundo maior player no mercado interno de proteína animal e posiciona-se em 40 lugar entre os maiores do mundo na exportação de aves e suínos. Esse investimento reforça a estratégia da empresa de acelerar e diversificar a oferta de produtos industrializados no Brasil, ao mesmo tempo em que amplia seu acesso direto aos mercados internacionais, passando a operar no Japão, China, Rússia, Oriente Médio, Europa, África do Sul. O investimento acelera também o crescimento da Marfrig de forma balanceada e diversificada, reduzindo o peso dos produtos bovinos na receita da empresa, aumentando sua base operacional com maior escala e custos mais competitivos de produção na América no Sul.
Embora esta tenha sido a maior operação desse tipo, realizada pela Marfrig, ela não é a primeira nem a única. Em junho de 2008 a empresa já anunciava a aquisição das empresas DaGranja e Pena Branca e de outras empresas do Grupo OSI, no Brasil, dando início a partir de então, à sua atuação no mercado de aves. Nesta mesma época o acesso ao mercado externo de carne avícola, inclusive de carne de peru, veio através da compra, pelo valor de US$ 680 milhões, da britânica Moy Park; que opera na Inglaterra, Irlanda do Norte, França e Holanda. Um ano depois, em junho de 2009, a Marfrig anunciou um compromisso de compra e venda com a Doux Frangosul, (de origem francesa) para aquisição de seus ativos do segmento de carne de peru, no Brasil, movimento que marcou a entrada do grupo no mercado interno deste tipo de carne. A aquisição incluiu uma planta de abate de perus, na cidade de Caxias do Sul (RS), com capacidade para 30 mil perus/dia, além de uma fábrica de rações, um incubatório e quatro granjas com aproximadamente 1 milhão de animais para abate e 50 mil animais para produção de ovos férteis, além de mais de 300 produtores integrados para fornecimento de aves. O valor total acordado para a aquisição foi de R$ 65 milhões. As operações que envolveram a Moy Park e a Doux Frangosul trazem duplo benefício à Marfrig que passa a ter na filial brasileira uma fonte segura para o suprimento do mercado europeu de carne de peru, obtida no Brasil, a custos inferiores, ao mesmo tempo em que mantém um interessante canal de escoamento para esse produto, entregue ao mercado europeu por sua filial britânica. Com a compra da Seara, o grupo Marfrig totaliza 38 aquisições nos últimos três anos e a meta é de que os industrializados passem a responder por 50% da receita da empresa.
Nessa mesma esteira de acontecimentos não causou surpresa a concretização de compra da norte-americana Pilgrim’s Pride pelo grupo brasileiro JBS S/A (Friboi). Segundo informações divulgadas na primeira semana de setembro, pelo jornal The Wall Street Journal, o valor da transação ultrapassaria US$2 bilhões e ela teria como objetivo criar uma concorrente à altura da Tyson Foods, pioneira americana no processamento de carne bovina, suína e de aves. Segundo o jornal, em 2008 o JBS S/A faturou, só nos Estados Unidos, algo em torno de US$9 bilhões, seguido pela Pilgrim’s, que atingiu os US$8 bilhões, enquanto a Tyson Foods apresentou um faturamento próximo de US$26 bilhões. Alem de significar a entrada do JBS no mercado de aves, a aquisição da Pilgrim´s Pride é mais uma prova da estratégia da JBS de diversificação da oferta de produtos. Em 2007, a empresa comprou a Swift e se tornou o terceiro maior processador de carne suína nos Estados Unidos.
Ainda em relação a fusões e aquisições o esperado desfecho das negociações de uma possível união dos grupos Marfrig e Bertin, acabou não acontecendo. Ao invés disso veio o anúncio do JBS de que os controladores da empresa e a diretoria do grupo Bertin fecharam um acordo de associação que prevê transações para viabilizar a unificação de operações. As últimas notícias são de que os acionistas controladores do JBS, J&F Participações e ZMF Fundo de Investimento em Participações, concordaram em passar para uma sociedade holding a totalidade das ações que ambos detêm no JBS. Já os acionistas controladores do Bertin concordaram em repassar ações que representam 73,1% do capital da empresa. Dessa forma, a Nova Holding – nome dado à empresa nascida da operação – passará a ser a acionista controladora tanto do Bertin quanto do JBS, que teria um peso de 60% na empresa, cabendo os outros 40% ao Bertin. As operações com a Pilgrim’s e com o Bertin fizeram do JBS a maior empresa de proteínas animais do mundo com receita líquida, de US$ 28,725 bilhões – incluindo o faturamento das duas últimas aquisições – cifra que ultrapassa os US$ 28,130 bilhões da gigante americana Tyson Foods- segundo cálculos da companhia brasileira, com base em resultados do ano passado – e deixa para trás os US$ 22 bilhões da brasileira BR Foods, resultado da compra da Sadia pela Perdigão, em maio deste ano. A expectativa do grupo JBS é de que as duas últimas aquisições impulsionem as vendas da empresa para mais de US $ 30 bilhões, em 2010. Essa operação com o Bertin dá início à atuação do JBS no setor de produtos lácteos, uma vez que em 2007 o Bertin adquiriu a indústria de laticínios Vigor. Assim, além de concorrentes em carnes e derivados, o JBS e a Brasil Foods vão competir também no setor de leite e derivados, uma vez que a Perdigão – agora BR Foods – já tinha o controle da Batavo e da Eleva. (Valor Econômico).
Toda essa movimentação, essa profunda reorganização por que passam as empresas tem um único significado: elas se preparam para enfrentar o ambiente competitivo dos mercados, que vai mudar radicalmente. A crise financeira operou uma seleção violenta entre os principais operadores do mercado de carnes. A competição por uma fatia nos mercados mundiais de proteínas animais está se tornando muito mais acirrada e difícil para as empresas com menor capacidade financeira, que cada vez mais se vêem ameaçadas de sumir do mapa. As maiores, com situação financeira mais sólida e que já operam em escala global, estão procurando unir forças para conseguir manter ou aumentar o seu potencial competitivo. Nessa batalha, as empresas do setor de proteínas animais vão precisar enfrentar três desafios fundamentais. O primeiro deles é a diversificação setorial. Quanto maior o leque de oferta do ponto de vista dos produtos, maiores as chances das empresas de maximizarem seus resultados, mantendo o equilíbrio financeiro caso algum fator – interno ou externo – venha a comprometer a rentabilidade de um ou outro setor.
O segundo desafio diz respeito à diversificação geográfica da produção, resposta obrigatória às ameaças sanitárias globais. Nenhuma empresa pode mais correr o risco de perder mercados da noite para o dia por motivos sanitários, daí a necessidade de diversificar a localização de suas unidades industriais, plantas de abate e unidades processadoras de alimentos. A transformaçao das principais empresas nacionais do setor de proteinas animais em multinacionais produzindo em diversos paises é a melhor estratégia de gerenciamento de riscos sanitários.Se amanhã surgir uma crise sanitária no Brasil e se o mercado europeu se fechar, a Marfrig poderá continuar atendendo os seus clientes do velho continente a partir das unidades da empresa britânica Moy Park que a firma brasileira controla.
O terceiro desafio resulta das mudanças radicais que vão afetar os processos produtivos. De agora em diante, o grande desafio é produzir uma maior quantidade de proteínas animais de modo a atender as necessidades da nova classe média baixa do planeta. A tarefa é conseguir produzir a preços competitivos e produzir integrando cada vez mais, nos processos produtivos, normas rigorosas de preservação ambiental e de gestão de recursos naturais (água, terras agrícolas, biodiversidade). As empresas pioneiras sabem que terão que contribuir de forma efetiva para minimizar os desequilíbrios ambientais, investindo, por exemplo, em projetos de redução da emissão de GEE, de recuperação e preservação de recursos naturais de modo diminuir suas pegadas de carbono.
O cumprimento de todos esses requisitos representam uma mudança radical no modus operandi das empresas que terão que mobilizar volumes de capital enormes para atender a esta extensa lista de requisitos. Somente as empresas com uma situação financeira equilibrada e sob controle vão poder enfrentar esses três desafios, os quais, a exemplo do que foi a crise financeira mundial, vão funcionar também como mecanismo de seleção, determinando quem fica e quem sai do jogo global de oferta de proteínas animais.
Com essas transformações profundas e a criação de multinacionais do setor de proteinas animais, o agronegócio brasileiro vai poder cumprir o papel de fornecedor de proteínas animais baratas, acessíveis à classe média baixa do planeta. Este papel seria equivalente ao da China, que, nos últimos 15 anos apresentou-se como um grande atelier para produtos industrializados baratos, destinados ao mesmo segmento social. Não fosse o crescimento competitivo dos chineses – proveniente da união entre mão de obra barata e tecnologias modernas que resultou no rebaixamento de preços de diversos produtos industrializados -, um cidadão brasileiro com renda mensal média de dois salários mínimos, não poderia adquirir bens duráveis como eletrodomésticos, roupas, tênis, ou aparelhos eletrônicos, como acontece hoje. A eficiência industrial chinesa permitiu a inserção de centenas de milhares desses novos consumidores a um mercado que até bem pouco tempo parecia inacessível a eles. Contribuiu de uma maneira decisiva ao aumento do poder aquisitivo da nova classe média mundial.
O Brasil é o único pais do planeta que pode cumprir um papel semelhante ao da China no setor de alimentos. Com a criação de multinacionais do setor de proteinas animais, vai poder atender a demanda dessas mesmas centenas de milhões de consumidores, com alimentos industrializados, com valor agregado, a preços acessíveis, e obtidos dentro de normas e exigências de sustentabilidade ambiental e social. Não é tarefa fácil. Para desempenhá-la as empresas terão que conceber uma forma de comunicação com os consumidores mundo afora, investindo na consolidação de suas marcas e reforçando seus ativos, o que demanda competência e muito esforço. Isso significa que só permanecerão nos mercados, empreendimentos e empreendedores com visão estratégica aguçada, capazes de antecipar o que acontece no agronegócio nacional e global, hoje e no futuro.