Aftosa no MS: la culpa es de la vaca!
31 de outubro de 2005
Análise semanal – 03/11/2005
3 de novembro de 2005

Ato não registrado é ato não comprovável: o caso da febre aftosa

Por Júlio Barcellos1

Os olhos do mundo pecuário, particularmente da carne bovina, voltam-se para o Brasil, não no sentido de vislumbrar o gigante pela própria natureza e líder mundial nas exportações de carnes, mas agora o gigante combalido pela febre aftosa como resultado de sua própria ineficiência e idiossincrasia, o que demonstra que ainda não estamos suficientemente capacitados para compreender e adequar-nos às regras do jogo e, particularmente, dos marcos normativos dos mercados externos de alimentos.

Iniciar pelo mercado e fundamentalmente pelos desejos do consumidor, onde a garantia da inocuidade alimentar e da origem do alimento passa a ser o requisito principal de quem compra carne, parece ser mais apropriado para fundamentar esta opinião.

O homem mudou substancialmente seus hábitos alimentares. Destas mudanças, aquela baseada em conhecer a origem e a forma de produzir a carne foram as mais significativas. Pois, conhecendo a origem, o consumidor encontra a segurança para usufruir sem riscos os prazeres inigualáveis que só a carne bovina lhe proporciona. Porém, isto trouxe implicações e novas regras nas relações comerciais, particularmente para os exportadores de carne bovina e uma delas foi a tão falada e mal compreendida rastreabilidade.

O Brasil a partir do ano de 2001 demonstrou aos mercados internacionais que estava disposto a implantar no seu rebanho bovino a Rastreabilidade, como forma de assegurar a origem e a certificar suas formas de produção da sua carne a qualquer cliente internacional.

No entanto, a realidade decorridos 4 anos de sua implantação é pouco animadora. Dificuldades operacionais, objetivos pouco claros, marcos regulatórios ajustados conforme pressões e necessidades pontuais, associados a uma falta de coordenação da cadeia produtiva, sempre estiveram travando o programa.

Contudo, a rastreabilidade e a certificação já naquela oportunidade demonstravam claramente as vantagens de sua implantação. Não para assegurar mercados, proteger consumidores de outros países, mas essencialmente para auxiliar nos programas de manutenção do estado sanitário de nosso rebanho e de proteger a saúde de nossa população.

Claramente lembro a imagem de 2001 quando a Febre Aftosa assolava o rebanho gaúcho e muitos formadores de opinião bradavam que se tivéssemos a rastreabilidade totalmente implantada e funcionando, facilmente o foco de aftosa teria sido isolado, a movimentação do rebanho monitorada e a possibilidade real de controlar a enfermidade.

Com isto, com certeza, recuperaríamos os mercados rapidamente – devemos lembrar o caso do Uruguai. Foco de aftosa junto com o Rio Grande do Sul e recuperação dos mercados internacionais em 2003 e, mais, o mercado dos Estados Unidos.

Também devo ressaltar que já naquela oportunidade buscava, mesmo de forma incompreendida, demonstrar aos produtores gaúchos a importância em implementar o programa de rastreabilidade. Afirmava na oportunidade que a tradução de rastreabilidade estava baseada no princípio de que todo ato que não for registrado é um ato que não pode ser comprovado e que rastrear e certificar simplesmente era isso.

Volto ao caso do Uruguai: a existência de um sistema, que ainda não se chamava rastreabilidade, mas muito similar a essa ferramenta, já assegurava a origem do gado e, fundamentalmente, as suas movimentações, permitindo que o mesmo assegurasse a credibilidade exigida pelos mercados internacionais.

No caso do Rio Grande do Sul, não tínhamos nada similar e até hoje a pecuária gaúcha carrega o ônus de 2001. Infelizmente, na primavera de 2005 o cenário se repete. Porém, agora no âmbito do segundo estado em exportações de carne e atingindo regiões estratégicas à pecuária de corte brasileira.

Diga-se de passagem, que já vem de longa data enfrentando os piores preços praticados pelo boi. Novamente, afirmo com tranqüilidade se tivéssemos o sistema de rastreabilidade e certificação, como uma ferramenta de registro, de auditagem, de suporte a gestão dos rebanhos e de apoio ao sistema sanitário oficial, o desastre da aftosa poderia ter sido evitado ou na pior das hipóteses controlado com eficiência e com demonstrações – ato demonstrável – aos mercados internacionais.

Porém, somente quando todos os agentes da cadeia produtiva da carne bovina perceberem que a construção de uma cadeia de valores é de responsabilidade de todos os envolvidos – Ministério da Agricultura, Secretarias de Agricultura Estaduais, Frigoríficos, Varejistas de Carne, Produtores Rurais e suas Entidades de Classe, Veterinários e outros elos do setor – problemas dessa natureza não serão rotina na pecuária brasileira.

Não podemos solucionar nossos problemas e principalmente os velhos problemas se pensarmos de igual maneira de quando os criamos ou utilizando as mesmas velhas soluções.

____________________
1Júlio Barcellos, médico veterinário, Doutor em Produção Animal, Prof. do Departamento de Zootecnia – UFRGS, Porto Alegre, RS

0 Comments

  1. Adriano Apolinário Leão de Oliveira disse:

    Meu caro Julio Barcelos, permita-me discordar em parte das suas ponderações a respeito do problema da aftosa.

    Certamente que tem razão em suas colocações, mas o problema é ainda mais grave e de difícil solução.

    A discussão é se o foco veio do Paraguai ou surgiu no nosso próprio rebanho. Independente de onde tenha surgido, o gado do MS não foi vacinado? Não teriam teoricamente os animais que estarem imunizados e ao ataque do vírus suficientemente preparados para combate-lo, sem que sequer suspeitássemos que houve um ataque viral em nosso rebanho?

    De quem é a culpa? Do governo que prometeu mundos em dinheiro e aplicou migalhas, do produtor que comprou a vacina e jogou fora, utilizando apenas a nota fiscal para fins burocráticos, da forma inadequada como foi aplicada a vacina ou do laboratório que usando de má fé ou incompetência jogou no mercado uma vacina totalmente ineficiente que ao primeiro ataque mostrou sua incapacidade de imunizar?

    O problema meu caro Julio está na combalida moral do povo brasileiro que engana a todos e a si próprio e antes de instituir a rastreabilidade é preciso construir um povo mais honesto, por que senão vamos ter mais uma ferramenta sendo burlada pelos espertos que contaminam nosso povo.

    Resposta do autor:

    Caro Sr. Adriano

    Penso que todos seus argumentos são extremamente válidos e refletem tudo que escrevi no artigo, ou seja, conscientização das co-reponsabilidades de cada agente integrante da cadeia. Contudo, respeito sua opinião onde afirma que antes de implementar a rastreabilidade temos que proceder um choque de cultura e honestidade em nosso povo, pois caso contrário, a ferramenta poderia ser mais um artifício para os oportunistas de plantão tirarem vantagens.

    A experiência nos mostra que nas civilizações em que determinados princípios não foram construídos ao longo de sua evolução como sociedade, regras, leis, punições, execração pública, etc… foram caminhos utilizados para purificar a sociedade. Claramente com leis e regras não criamos indivíduos honestos, mas, com certeza, podemos eliminar uma boa parte dos desonestos.

    Assim, acredito que a ferramenta rastreabilidade está dirigida à maioria dos produtores e integrantes da cadeia produtiva sérios e honestos. Alguns picaretas poderão utilizá-la, mas a cadeia organizada encarregar-se-á de excluí-los do processo. Seja pelas próprias regras do mercado seja pela aplicação das leis.

    Mais uma vez agradeço o seu comentário, pois chama atenção para uma virtude que alguns que querem ser protagonistas num negócio sério não têm.

    Prof. Júlio O. J. Barcellos,
    Médico veterinário, D.Sc.
    Departamento de Zootecnia
    Faculdade de Agronomia – UFRGS

  2. Antonio Augusto Moreira Faggioni disse:

    Acredito que o próprio registro na secretaria da agricultura (defesa sanitária) do seu rebanho seria suficiente para registrar o rebanho. Não justifica em cima de uma coisa criar outra. Um erro não justifica o outro.

    Acho que se aperfeiçoar o primeiro e adotar medidas que valorizem o rebanho, ou melhores técnicas de controle, colocando os frigoríficos e laticínios na ponta do negócio, poderíamos chegar a um resultado mais satisfatório.