Os baixos preços do boi gordo nos últimos anos têm dificultado uma ação mais pró-ativa em relação ao produto carne bovina oferecido no mercado. Estudo recente realizado pelo Cepea e CNA confirmou que o aumento do salário mínimo para R$350,00 mensais não impulsionou o consumo de carne bovina no Brasil. Outra recente pesquisa, do Datafolha, verificou 41% de aumento no consumo de alimentos na classe C. Também cresceram as compras de refrigerantes, perfumes, iogurtes e até de CDs piratas. Como afirmou Celso Ming em seu artigo de domingo no jornal Estado de São Paulo, “a inflação está em queda, mas a conta mensal vai aumentando”, empurrada por novos gastos, que já entraram na rotina do consumidor brasileiro.
A carne bovina não aumentou suas vendas. Como é possível haver um aumento de 16% na renda das camadas mais necessitadas do país e não haver aumento de consumo?
Atualmente os mais diversos produtos disponíveis estão tentando agregar valor, aumentar sua qualidade, enfim, descobrir formas de enfrentar a cada vez mais acirrada concorrência. E a concorrência da carne bovina tem aumentado fortemente nos últimos anos. Observe as ofertas de produtos de frango, suíno e agora mais recentemente do cordeiro. Nem no churrasco, território antes intocado, a carne bovina ainda desfruta de vantagem assegurada.
Além disso, há o fenômeno do varejo de crédito, de venda de eletrodomésticos, móveis, etc, em prestações a perder de vista. O crescimento dessa nova forma de varejo tem capturado uma parcela significativa da renda da população brasileira. Um bom exemplo é o celular, antes inexistente, e hoje utilizado por mais de 80 milhões de brasileiros.
Há alguns exemplos de outros setores que poderiam inspirar mudanças nas ofertas de carne bovina.
A embalagem é uma área pouco explorada pelo setor. Inúmeros alimentos investem em formas de atrair o cliente com embalagens inovadoras. No supermercado, hoje o consumidor gasta alguns poucos segundos analisando rapidamente com os olhos qual a melhor opção. Especialistas afirmam que uma boa embalagem faz a diferença. Além disso, mais de dois terços das decisões de compra são tomadas no supermercado, geralmente por impulsos. A embalagem funciona como um vendedor silencioso, atraindo o consumidor nesse mínimo período de tempo. Num piscar de olhos há um vencedor (escolhido pelo comprador e já dentro do carrinho de compras).
Há alguma inovação na embalagem de carne bovina? Ela atrai o consumidor? Pode parecer poesia citar esse exemplo, quando o pecuarista vive às voltas com preços baixos, mas são fatores como esses, lá na ponta da cadeia, que ajudam a achatar a rentabilidade do pecuarista, o elo mais fraco.
Outro exemplo é o vinho, produto muito pouco consumido há poucos anos e que vem ganhando importância nos últimos anos no Brasil. Como o vinho conseguiu ganhar tanto mercado? Um fato muito interessante é o investimento feito por vinícolas, distribuidores e lojas em ensinar o consumidor sobre o produto. Cursos, palestras e treinamentos são ministrados e (por incrível que pareça) geralmente pagos pelo consumidor, com o objetivo de educar sobre o produto.
Qual o efeito desse investimento, que numa análise de curto prazo não se mostra favorável, pois se gasta muito tempo, se treina um número reduzido de pessoas e no fim das contas nesse “evento” muito pouco vinho é vendido? O resultado, que vem se provando muito positivo no médio e longo prazos é que o cliente se torna mais interessado no produto, mais exigente, um conhecedor. E em pouco tempo começa a comprar mais do produto e a comprar opções de maior valor, de maior preço. Um “expert” em vinhos tende a comprar vinhos mais caros que um iniciante. Não há dados concretos, mas pode-se desconfiar que há cada vez menos “experts” em carne bovina.
Uma empresa que revolucionou o mercado de café dos EUA (e vem fazendo isso em outras partes do mundo) foi a Starbucks. Ainda esse ano irá iniciar suas operações no Brasil. Muitos afirmam que a Starbucks ensinou o norte-americano a beber café de qualidade. Hoje possui milhares de cafeterias espalhadas pelos EUA e pelo mundo, inclusive na China, que é considerado pela empresa um dos mais promissores mercados mundiais para café. Enquanto o Starbucks cria mercado na China para seu café de alta qualidade (e caro) o Brasil ainda não consegue criar mercado para sua carne, apenas aproveita os mercados já existentes, que muitas vezes pouco remuneram.
Outro dado interessante é a crescente demanda por produtos funcionais, citada pelo especialista em varejo, Luiz Alberto Marinho, que unem duas poderosas tendências de mercado: 1- consumo saudável e 2- conveniência e funcionalidade. Marinho analisa que há uma busca por alimentação saudável e que estamos cada vez mais correndo. Se há um produto que resolve essas duas necessidades do consumidor, suas chances de sucesso aumentam muito. Outra indicação de que saúde vende é o fato de que, nos EUA, a bebida que mais cresce entre os jovens é a água mineral, ganhando espaço dos refrigerantes.
A carne bovina é um alimento muito apreciado e muito saudável, poucos produtos desfrutam de tanto apreço como o churrasco. Por outro lado, a carne bovina magra tem inúmeras vantagens nutritivas, mas esses benefícios são muito pouco explorados no Brasil e vivemos mais e mais ações negativas contra a carne. Informar as qualidades da carne bovina e reforçar o empatia que o consumidor tem com a carne podem melhorar (e muito) a imagem da carne como alimento saboroso e saudável, trabalho que o SIC objetiva fazer, mas sofre com a falta de recursos.
O Brasil tem inúmeras condições de oferecer ao mundo um produto que pode mudar o consumo de carne bovina. Mas é necessário investimento em qualidade, uniformidade e em educação para o consumidor.
A carne bovina tem um potencial enorme, mas pouco tem sido feito para se aumentar o valor (relação custo/benefício) em relação a produtos substitutos, que ganham terreno a cada dia, diminuindo o mercado da carne bovina, reduzindo preços e achatando a lucratividade de todo o setor. Essa espiral negativa precisa (e pode) ser revertida.
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Olá Miguel,
Como consumidor freqüente de carne bovina, percebo que quase todas as vezes que vou ao supermercado não sei a procedência do produto que estou comprando. Existem informações sobre os benefícios da carne bovina, infelizmente, são poucos aqueles que têm acesso a essas informações.
Assim como existem promotores de venda de diversos produtos nos supermercados, também deveria existir para a carne bovina (dos diversos frigoríficos que temos no pais). Já estive em algumas cidades onde isso é bem notável, diversos produtos de mais de dois frigoríficos em prateleiras próprias e identificadas com o nome da empresa, mas são poucos lugares assim.
Se dependesse apenas de renda, o consumo de carne já teria subido, entretanto não é esse o caso. É necessário estar presente no dia-a-dia dos consumidores, de forma que conquistemos sua preferência e também demonstrar as qualidades do produto, através de propagandas da mídia, patrocínio a eventos esportivos e esclarecendo as verdades e mentiras a respeito do desmatamento x produção de boi. É claro que muito disso depende de empresas frigoríficas e do Estado, basta saber qual o interesse desses com relação ao tema?
Caro Miguel,
Gostei de seu editorial. Acho que o foco principal é aumentar o consumo da “carne magra” que você mencionou. O valor será decorrente. Dois aspectos merecem ser analisados pelo BeefPoint: 1-o que e como fazer; 2-quem paga a conta. Talvez algum especialista em Marketing possa traçar um programa!
Parabéns! Grande abraço.
Olá Miguel,
Gostei tanto da entrada “olá” como do conteúdo da carta do estudante de Maringá, Bruno de Jesus Andrade. Meu Deus do Céu! Quanto bom senso de um estudante sugerindo que a carne leve a marca do abatedouro. Isso seria responsabilizar quem deve ser responsabilizado: o frigorífico, dando o devido crédito a quem bem servir, oferecendo produto de qualidade e continuidade.
O Bruno – parece até professor – está dando uma aula para os marmanjos barbudos que inventaram brincos, botões, licenças e papelada! Para nada, pois as peças não levam a identidade do boi que lhes deu origem. Agora, identificar os responsáveis pelo abate, desossa e armazenamento é medida tão óbvia, que custa acreditar que não esteja em vigor.
Caros Companheiros.
Sem dúvida, estes “elos torcidos e enferrujados” de nossa cadeia prejudicam em muito o aumento de consumo e agregação de valor ao nosso produto. Gostaria de contribuir com a seção relatando o que estou observando entre as alianças de “novilhos precoces” presentes no estado do Paraná.
Particularmente avalio muito positivamente esta iniciativa, pois está fazendo com que o pecuarista se torne mais associativo, como também o obriga a entender mais sobre qualidade de carne, algo que indiretamente os obriga a também a “vender” a carne.
Posso afirmar, categoricamente, que desta forma estamos sim, “rastreando” nossos animais, pois é comum encontrarmos na gôndola do açougue a seguinte pergunta:
“Quero a carne do pecuarista “fulano de tal”…ou dos precoces…
Olha como que “sem querer”, estamos gerando a melhor forma de propaganda e marketing, consagrados em outros segmentos, a propaganda “boca a boca”.
É muito interessante o aspecto de diferenciação de produto que esta prática mercadológica das alianças têm provocado, pois é importante ressaltar que alguns integrantes das alianças já vinham fornecendo este produto diferenciado ao mercado há algum tempo, mas sem o devido merecimento até o momento.
O associativismo causado por estas alianças tem promovido a troca de experiências em reuniões periódicas, como debates sobre sistema de produção, qualidade de carne, ações de marketing, comercialização da produção, ou seja, gerando mais dedicação, comprometimento e empreendendorismo.
Então, gostaria de também de somar à seção, que não esperemos de nossos frigoríficos esta diferenciação, ou que esperemos sentados, pois para o mercado externo eles “purpurinam” bem o nosso produto, também pudera não.
Vamos buscar informações de qualidade de carne, preparo adequado das mesmas, benefícios à saúde, para assim vender à sociedade quem somos, pois infelizmente eles nos enxergam de uma maneira bem diferente, principalmente agora com o “bom” de canais voltados ao meio, que são bons veículos de uma pecuária elitizada e fantasiosa.
Parabéns a atitude do Nelore Natural, pois foi a primeira propaganda sobre carne que vi veiculada em revistas não especializadas de nosso setor.
Vamos brigar para que os restaurantes de grandes centros não tenham somente em seu cardápios a tão afamada “picanha argentina”, mais também a picanha do Nelore do Pantanal, de Goiás, Precoces do Paraná e por aí vai.
Vamos agir…
Josmar Almeida Junior
Zootecnista MSc.
TecnoPasto- Assessoria e Consultoria
Maringá PR.
Realmente temos que aumentar o valor da carne, mas também não podemos esquecer de que, mais que aumentar esse valor, temos que estimular a população para que ela aumente o consumo de carne. Como podemos conseguir isso? Através de campanhas publicitárias que estimulem o consumo de proteína animal, falando de seu benefícios e da riqueza que se esconde por trás de um belo bife, seja lá de que corte ele for, seja picanha, coxão duro ou mole, filé etc. Porque não seguir o exemplo de uma forte empresa de embalagens para leite, que estimulava o consumo deste alimento, logo aumentaria sua fatura.
Por que não o próprio governo estimular o consumo de carne, já que somos os maiores produtores? Bem que o governo poderia dar essa “colher de chá” para os produtores e também para os frigoríficos.
Aproveitando esta carta, gostaria de discordar do senhor Fernando Penteado Cardoso, uma vez que todo esse sistema de rastreabilidade foi criado para que os produtores fossem responsáveis pelo o que eles estão produzindo, e não o frigorífico! Os brincos, bottons, documentos e tudo mais levam sim a vida do animal, bom pelo menos “seria para levar”; uma vez que neste documento consta, ou constaria, todo o manejo deste animal, desde vermifugações, vacinações, até comunicações de baixas no rebanho, e movimentações de compra e venda.
O frigorífico não pode ser responsabilizado por um produto que já chegou em suas “mãos” em um estado não satisfatório. Ele (frigorífico) somente dá um “polimento” a este produto, e não o faz!
Quem tem que ser responsibilizado pela má qualidade da carne é o produtor, que, em muitas das vezes, não respeita prazos de carência de medicamentos e em muitos casos, como é sabido, até de hormônios anabolizantes contrabandeados. Para isso as empresas frigoríficas e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estão investindo pesado na rastreabilidade de produto, para que o consumidor saiba de onde veio aquela carne que está no prato da sua família.