Degustação de carne certificada e rastreada é a novidade da Agropecuária Jacarezinho na Agrishow
25 de abril de 2003
EUA devem importar carne in natura brasileira em 2004
29 de abril de 2003

Aumento do preço da arroba na entressafra é causado pela lignina

Por Prof. Dr. Romualdo S. Fukushima1

De vez em quando, surge a pergunta: “Por que em certas épocas do ano, a carne de boi sobe tanto de preço”?

A resposta é que isto se deve à menor oferta de carne bovina, que ocorre no período da entressafra, normalmente correspondente aos meses de julho a outubro. E por que ocorre esta menor oferta?

É que nesta época do ano, as chuvas são mais escassas e o capim do pasto está seco e velho. Os bovinos, além de comerem pouco deste capim passado, por que não é apetitoso, é também um capim de baixo valor nutritivo. Este baixo valor nutritivo do capim velho deve-se à presença de grande quantidade de uma substância chamada “lignina”.

A lignina é um composto fenólico e está presente na estrutura de praticamente todas as plantas, em maior ou menor quantidade, dos capins de um pasto às árvores de uma floresta, do pé de alface à roseira, etc. É ela que dá rigidez à planta, para que a mesma possa enfrentar as intempéries da natureza (ventos, chuvas, etc.), os parasitas (fungos, insetos, etc.) e auxilia no ciclo vegetativo e reprodutivo da planta. À medida que a planta amadurece, maior é o teor de lignina; por isso que um capim velho parece uma palha. Essa lignina não permite que o animal aproveite bem os nutrientes contidos no capim, pois ela interfere negativamente na digestão das plantas forrageiras. Em conseqüência, o boi perde peso. Logo, nesta época do ano, falta “boi gordo”. A lógica do mercado faz com que o preço deste produto suba.

Percebe-se que a lignina tem importante papel na determinação do valor nutritivo das plantas forrageiras. Logo, o estudo desta substância assume vital importância, se o objetivo é alcançar o máximo da produtividade zootécnica, aqui representada pela arroba da carne bovina. Ainda mais nos dias de hoje, em que é crescente a conscientização da população humana em produzir mais alimentos ao menor custo, para que se possa alimentar o maior número de pessoas.

Entretanto, mesmo com todo avanço tecnológico que temos observado nos últimos anos, ainda não existe um método laboratorial seguro e ao mesmo tempo, simples e barato de se medir a quantidade de lignina presente no capim e nos outros materiais vegetais. Os métodos atualmente em uso dão resultados diferentes para as mesmas amostras. É lógico que quando existem 2 ou 3 métodos de medir uma substância no laboratório, e esses métodos dão resultados diferentes para uma mesma amostra, qual é a confiança que temos nestes métodos? É como se o médico fosse medir a quantidade de colesterol no sangue da gente, usando 3 maneiras diferentes, e o resultado fosse 3 níveis diferentes… Qual destes 3 métodos é o correto, se é que existe algum?

Pesquisas em andamento na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, em Pirassununga, SP, estão desenvolvendo um novo método laboratorial para medir a quantidade de lignina nas plantas. Mesmo novo, este método já está sendo utilizado em vários países do mundo, incluindo o Japão (Centro de Pesquisas em Ecologia, Universidade de Kyoto), os Estados Unidos (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – Centro de Pesquisas em Forrageiras, localizado em Madison, Wisconsin e Eltron Research, Inc. localizado em Boulder, Colorado) e, é claro, o Brasil (Embrapa, Instituto de Botânica de São Paulo, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, Universidade de Brasília, etc.).

Este novo método de análise recebe o nome de “lignina solúvel em brometo de acetila”, que é um método espectrofotométrico. É espectrofotométrico porque precisa de um aparelho chamado espectrofotômetro para sua análise. Muitos dos exames clínicos que nós fazemos também são espectrofotométricos. Por exemplo, a análise laboratorial que mede a quantidade de açúcar no sangue para se saber se uma pessoa é diabética, também é um método espectrofotométrico. Esta técnica recebe este nome, pois a lignina é dissolvida em um reagente químico chamado brometo de acetila; só depois é que é feita a leitura no espectrofotômetro.

Os outros métodos atualmente em uso, ao menos na área da produção animal, são técnicas drásticas, tais como os métodos da lignina ácida (proposto por Peter J. Van Soest, do Departamento de Ciência Animal, da Universidade de Cornell, Ithaca, Nova York) e lignina Klason (proposto por Ronald D. Hatfield, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – Centro de Pesquisas em Forrageiras, Madison, Wisconsin). Ambos procedimentos são muito parecidos e utilizam-se do ácido sulfúrico concentrado, cujo princípio é atacar e dissolver os componentes da parede celular (celulose, hemicelulose e pectina) menos a lignina. A diferença de peso entre a amostra inicial de forrageira e após o ataque do ácido sulfúrico, é a quantidade de lignina. A grande desvantagem deste método, é que o ácido ataca um pouco da lignina, principalmente se for de uma planta jovem; em conseqüência, os teores de lignina não serão corretos. Um outro procedimento laboratorial, cujo mecanismo de ação é exatamente o inverso, é o da lignina permanganato de potássio (também originário do grupo de pesquisadores liderado por Van Soest); neste método o reagente permanganato ataca e dissolve a lignina, mas não os outros componentes da parede celular (na teoria…). Entretanto, este método também tem falhas, pois o reagente ataca a pectina (que está presente na parede celular); em conseqüência, os teores de lignina também poderão estar errados.

O método da lignina solúvel em brometo de acetila é muito menos corrosivo que os métodos do ácido sulfúrico e bem menos trabalhoso que o do permanganato. É também mais rápido que estes métodos. Para se ter uma idéia, pode-se determinar o teor de lignina no dobro de amostras e na metade do tempo requerido pelas outras três técnicas analíticas.

Agora, temos quatro métodos objetivando determinar a quantidade de lignina, e muitas vezes, oferecendo quatro resultados diferentes para uma mesma amostra… Diante desta situação, a grande pergunta é “Qual destes métodos laboratoriais é o que está realmente determinando o verdadeiro teor de lignina?” “Há como verificar isto?” Infelizmente, não há uma maneira direta, 100% eficaz, que possa determinar qual destes métodos é o que está corretamente quantificando a concentração de lignina. Na área da Nutrição Animal, é freqüentemente utilizada uma estratégia indireta, que é a relação matemática que existe entre quantidade de lignina e o quanto de uma planta é digerida. O princípio é simples; baseia-se no fato de que é a lignina é o principal obstáculo à digestão da planta. Este obstáculo é proporcional ao teor de lignina. Em outras palavras, quanto maior é a quantidade de lignina (um capim velho, por exemplo), menor será a digestibilidade.

Inicialmente, realiza-se uma digestão no laboratório (dentro de tubos de ensaio) da amostra vegetal com líquido ruminal, determinando desta maneira a digestibilidade in vitro da planta. O emprego de microrganismos ruminais (que estão contidos no líquido ruminal) na digestão é lógico, uma vez que são estes os grandes responsáveis pela digestão da parede celular das plantas forrageiras no interior do rúmen dos animais ruminantes, como o boi e a vaca. Uma vez determinado o valor da digestibilidade, verifica-se qual é a relação que existe com a quantidade de lignina determinada por cada uma das técnicas analíticas. Aquele método que revelar a mais alta relação, será possivelmente o melhor método.

Os últimos dados de lignina obtidos pela técnica desenvolvida na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, para um número relativamente grande de amostras (incluindo-se gramíneas, leguminosas, palhadas e até mesmo amostras de madeiras) revelaram altas relações, enquanto que os outros três métodos mostraram relações insatisfatórias.

Evidentemente ainda há muito por fazer. Por exemplo, quando se determina a quantidade de lignina, digamos no capim Colonião, atualmente este valor só serve para o capim Colonião. Nada mais lógico. No entanto, da maneira que está, o método ainda é lento e demorado. Dá para imaginar o trabalho que isto dá quando precisamos determinar o teor de lignina em várias espécies vegetais. Isto torna praticamente inviável a utilização do método espectrofotométrico na rotina laboratorial. Tendo consciência desta realidade, é que nossos trabalhos estão direcionados na pesquisa de uma prática mais universal; em outras palavras, a possibilidade de empregar a lignina, por exemplo do eucalipto, e com ela determinar a quantidade de lignina em qualquer planta, seja ela um capim ou uma árvore.

Há que se destacar o importante apoio de agências de financiamento de pesquisas, tais como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que sem elas teria sido impossível a presente pesquisa.

Outra importante aplicação: A lignina também interfere na indústria de papel e celulose. Ela prejudica a confecção e o branqueamento da pasta celulósica. Portanto, um procedimento laboratorial que forneça o real teor de lignina nas madeiras e pastas, é fator importante nos processos industriais de cozimento da madeira e branqueamento da pasta, pois evita o desperdício de reagentes e energia.

Uso racional de reagentes químicos para a obtenção de papel e celulose não tem implicações só de ordem econômica. Ela minimiza a quantidade de reagentes que deve ser usada e pode, potencialmente, auxiliar na prevenção de acidentes ecológicos.

___________________________
1Prof. Dr. Romualdo S. Fukushima é professor associado do departamento de Nutriçăo e Produçăo Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.

Os comentários estão encerrados.