Sabe-se que a agricultura é um dos poucos setores da economia brasileira que passa ao largo da crise. Entre 1995 e 2003, o produto interno bruto (PIB) agrícola cresceu 40%, o dobro da média nacional. Essa exuberância está estimulando os bancos a atuar mais nesse segmento. Há dois anos, o sistema financeiro limitava-se a cumprir a obrigação de destinar ao campo 25% do dinheiro depositado nas contas correntes. Agora, além de emprestar mais dinheiro do que seriam obrigados a fazer, os bancos decidiram criar produtos para financiar os produtores e também para atrair novos investidores.
O espaço a ocupar é vasto. O financiamento à agricultura brasileira é um negócio de 90 bilhões de reais por ano, e os bancos respondem por apenas 30% desse total. O restante fica a cargo das empresas produtoras de sementes e de fertilizantes, de companhias de trading e do reinvestimento dos lucros do próprio agricultor. “Existe um vácuo no crédito bancário à produção agropecuária”, diz Ignêz Vidigal Lopes, especialista em economia agrícola da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Os bancos estão se esforçando para preencher essa lacuna.
O ABN Amro, por exemplo, teria de emprestar 850 milhões de reais ao setor agrícola para cumprir as normas bancárias. Em maio, o ABN vai lançar uma linha de financiamento para máquinas agrícolas para emprestar mais 800 milhões de reais em seis anos, quase dobrando sua carteira de crédito agrícola. “Esperamos emprestar 500 milhões de reais, a maior parte desse total, até dezembro”, diz Victor Hugo Kamphorst, diretor de agronegócio do banco. Para isso, a equipe que cuida do setor agrícola foi ampliada de 16 para 27 pessoas.
Essa situação é o inverso do que aconteceu durante toda a década de 80 e metade dos anos 90. Em 1996, o financiamento disponível estava em menos de 10 bilhões de reais. O governo, que subsidiava os empréstimos rurais, parou de intervir para equilibrar as contas públicas. Como a inadimplência era alta, o setor privado também preferia ficar de fora.
Isso mudou. “Hoje, o agronegócio é o melhor setor para bancos e investidores atuarem”, diz José Carlos Vaz, executivo responsável pela carteira agrícola do Banco do Brasil. A sucessão de boas safras, aliada aos elevados preços no mercado internacional, deixou os produtores agrícolas capitalizados. A fila de espera para picapes é de até 45 dias e o mercado de colheitadeiras está muito aquecido. Com dinheiro na mão, os fazendeiros estão prontos para investir.
Ao contrário do que acontecia no passado, emprestar aos produtores hoje é uma operação considerada segura. A inadimplência do crédito agrícola varia de 0,5% a 1%, enquanto a taxa média do sistema financeiro está em 2,2%, segundo o Banco Central. “As operações estão mais sofisticadas e são garantidas”, diz Cristiano Queiroz Belfort, diretor executivo do Bradesco.
As novas apostas vão além do crédito. O sistema financeiro está lançando produtos de investimento para permitir que o poupador individual aproveite o bom momento do campo. Um bom exemplo são as Cédulas de Produto Rural (CPR), que são títulos de renda fixa emitidos por um produtor agrícola que pagam juros ao investidor e cujo resgate está garantido pela colheita. Lançadas em 1994, seu crescimento tem sido exponencial. No fim de 2003, havia 1,6 bilhão de reais em circulação no mercado, o dobro do saldo de dezembro de 2001. “A CPR é uma das maiores promessas para preencher a lacuna que existe no financiamento formal”, diz Ignêz, da FGV.
O crescimento é tão forte que as CPRs passaram a integrar carteiras de fundos de investimento. O banco Santos montou parcerias com cooperativas para chegar à zona rural e acaba de criar dois fundos voltados para esse setor, o Santos Pecuária e o Private Agro, que têm mais da metade da carteira composta de CPRs.