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Bancos pressionam frigoríficos contra desmate

Com assinatura dos principais bancos do país, a Febraban anunciou nesta terça-feira a implementação de uma autorregulação para combater o desmatamento ilegal na Amazônia, que na prática poderá levá-los a negar crédito para frigoríficos que comprarem gado vindo dessas áreas. Apesar de discutida com o setor de proteínas e elogiada pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), a norma gerou algum ruído entre os frigoríficos. Para eles, apesar da exigência de que não comprem desses produtores, os próprios bancos ainda podem manter contas desses clientes.

As novas regras, que entram em vigor no fim de 2025, determinam que os bancos participantes da autorregulação solicitem aos seus clientes frigoríficos, na Amazônia Legal e no Maranhão, a implementação de um sistema de rastreabilidade e monitoramento que permita demonstrar a não aquisição de gado associado ao desmatamento ilegal de fornecedores diretos e indiretos. O sistema deverá contemplar informações como embargos, sobreposições com áreas protegidas, identificação de polígonos de desmatamento e autorizações de supressão de vegetação, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais.

Segundo a Febraban, para promover a adoção dessas práticas, as instituições financeiras definirão planos de adequação, incentivos e consequências cabíveis. E para que o progresso dos frigoríficos seja monitorado, foram estabelecidos indicadores de desempenho, a serem divulgados periodicamente.

O diretor de sustentabilidade da Febraban, Amaury Oliva, disse que, nos últimos meses, a entidade dialogou com representantes da indústria e da sociedade civil, e procurou consolidar critérios alinhados às boas práticas socioambientais já promovidas por iniciativas de mercado. “Essa mobilização dos bancos está alinhada com as melhores práticas adotadas por atores da cadeia de carne, seja individualmente, seja por meio de iniciativas multistakeholder, que envolvem partes como frigoríficos, supermercados, empresas de tecnologia e ONGs”, afirmou.

De acordo com ele, a Febraban reconhece que há uma série de entraves para que a rastreabilidade atinja todo o ciclo, principalmente os produtores em estágios iniciais da cadeia de fornecimento. Esses desafios passam pela existência de bases de dados atualizadas, precisas e abrangentes, além da própria capacidade de pequenos pecuaristas, por exemplo, em se adequar. “Por isso, iniciamos com os fornecedores diretos dos frigoríficos e o primeiro nível dos indiretos, o que já demonstra avanço, e definimos alguns mecanismos alternativos, por exemplo para os frigoríficos de pequeno porte”.

A Febraban estima que o estoque de crédito para o setor de frigoríficos é de cerca de R$ 20 bilhões. Recém-associado à entidade, o BNDES também vai aderir à autorregulação. Outros 21 bancos, incluindo os maiores do país, atenderão as novas normas.

Em nota, a Abiec afirmou que apoia todas as iniciativas que aumentem os padrões de sustentabilidade em todos os elos da cadeia. Segundo a entidade, os frigoríficos são vistos por diferentes setores como um elo fundamental para que se imponha um ordenamento. “Assumimos nossas responsabilidades, mas não aceitamos que outros setores terceirizem as suas responsabilidades para os frigoríficos”, disse.

Segundo a Abiec, no esforço de combate a crimes ambientais como desmatamento ilegal e lavagem de gado, é fundamental a atuação do poder público e a participação de diferentes segmentos do setor privado, incluindo o setor financeiro. “Por isso é importante não só que os bancos exijam de seus clientes que implementem sistemas de monitoramento e rastreabilidade, mas que as áreas de compliance e due diligence das instituições financeiras adotem em relação a todos os seus correntistas, inclusive proprietários rurais, os mesmos critérios socioambientais já implementados pela indústria de processamento de carne bovina”, afirmou.

A entidade disse que, entre seus frigoríficos associados, mais de 20 mil fornecedores já foram bloqueados por inconformidades socioambientais. “Os frigoríficos cortam relações comerciais com estes fornecedores, mas é possível que eles continuem tendo relações comerciais com o setor financeiro”. Fontes do setor dizem que o “tom” da Febraban incomodou algumas empresas. “É um assunto delicado principalmente para os frigoríficos que estão na região da Amazônia, porque é muito difícil fazer o controle dos indiretos”, disse uma pessoa a par do assunto.

Após as críticas, a Febraban soltou nota reafirmando seu compromisso com a agenda de sustentabilidade e afirmando que “jamais terceirizou sua responsabilidade ou agiu de forma seletiva”. “Não ficaremos de braços cruzados, nem seremos omissos, vamos continuar dialogando com autoridades, mercado e sociedade, buscando atuação conjunta e implementação de medidas concretas para o Brasil ser protagonista da agenda verde.”

O procurador da República Daniel Azeredo, que atua no combate ao desmatamento, disse que a iniciativa da Febraban é bem-vinda, mas ponderou que a rastreabilidade do gado precisa ser feita de forma tecnológica, não com apresentação de papéis, ou seja, meramente declaratória. Segundo ele, é função também dos bancos fiscalizarem os frigoríficos, já que a legislação civil afirma que qualquer dano ambiental pode ter responsabilidade solidária de todos os atores envolvidos. “As tecnologias de rastreabilidade, como colocar um brinco na orelha do gado, são eficientes, transparentes e baratas, e ainda podem contar com recursos do Fundo Amazônia”, afirmou.

Para Mariana Níquel, advogada da área Ambiental do Souto Correa Advogados, a figura do “poluidor indireto”, amplamente utilizada nas avaliações de risco ambiental envolvendo instituições financeiras, traz preocupações relacionadas não apenas de cunho financeiro, mas reputacional. “Por isso, a autorregulação vem ao encontro de iniciativas que visam maior transparência e diligência nas transações financeiras”.

Roberto Waack, membro do conselho de administração da Marfrig, também disse que a autorregulação é importante e um passo positivo, mas reconheceu que as partes envolvidas ainda não estão trabalhando de maneira totalmente coordenada. “Cada um está cuidando do seu passivos e em alguns pontos ainda não são agendas totalmente convergentes. É legítimo, mas precisamos seguir com aprimoramentos”.

Waack também cobra o governo e afirmou que a compatibilização das guias de trânsito animal (GTAs) com o CAR é simples de se implementar. “O rastreamento via lote de animais já é altamente eficiente para o controle do desmatamento”, disse.

Segundo ele, o Brasil tem quase 1,2 mil frigoríficos e os três líderes de mercado têm uma fatia de cerca de 27%. Nesse sentido, disse, preciso cautela com as exigências sobre os menores e as políticas para os fornecedores de gado precisam ser de inclusão, não de exclusão. “É preciso haver uma agenda de ajudar quem está irregular a se regularizar.”

Fonte: Valor Econômico.

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