Mas lembre-se sempre que essa possibilidade compreende o que poderíamos chamar de “um processo” de relacionamento. Nada acontece por acaso ou mesmo de imediato. O efeito positivo da fidelização é resultado do tempo e da permanência em que essa relação é cultivada. Artigo escrito por Walter Magalhaes Junior.
Artigo escrito por Walter Magalhaes Junior.
Administrar, na atividade de pecuária de corte, é um grande desafio. Um desafio não só pela necessidade de assimilação de novas técnicas de produção, adotadas com a finalidade de gerar ganhos efetivos de produtividade, ou mesmo pela escassez de recursos financeiros, necessários, muitas vezes, para a recuperação e melhoria de pastagens, visando proporcionar um melhor aproveitamento das potencialidades genéticas dos animais, mas também pelas particularidades apresentadas pelo processo de comercialização.
Todos estes fatos, considerando, inclusive, o estágio de evolução em que se encontra a pecuária brasileira em geral, estão longe de representar uma situação mais crítica do que a enfrentada pelo produtor rural no momento de vender os seus animas. Vender produtos, no setor primário da economia, é algo historicamente complicado, cujas dificuldades remontam aos idos tempos da idade média. Isso acontece desta forma, não necessariamente pela queda de braço praticada pelos compradores das indústrias de carne, mas, principalmente, pela total ausência de controle, por parte do produtor, sobre a formação do preço de venda de seu produto.
Todas as dificuldades tecnológicas e de investimento são superadas com a finalidade de se produzir um animal de primeiríssima qualidade. Mas no momento da venda, independente dos custos que tal processo de produção possa ter acarretado, resta ao produtor apenas ligar para os compradores potenciais e perguntar-lhes quanto é que estão pagando pelo produto. Não há, na atividade de engorda, a menor possibilidade de se administrar e determinar o preço “de mercado” do animal produzido. A situação se agrava ainda mais quando considerados outros tantos problemas presentes no abate, tais como a fragilidade metodológica do processo de limpeza das carcaças ou a seriedade dos valores processados durante a pesagem.
Ao pecuarista não resta muita coisa a esperar com relação a qualquer tipo de avanço nesta relação com os frigoríficos. A dificuldade está intimamente ligada ao atual estágio de orientação administrativa das empresas. Hoje, os frigoríficos estão totalmente orientados para as atividades de produção e finanças. Estes princípios são os que norteiam as decisões internas e as relações com o mercado e seus fornecedores. A utilização do marketing pelos agentes desse setor, na maioria absoluta dos casos, está restrita a um esforço medíocre, insipiente e tecnicamente criticável de embalagem individualizada de alguns tipos de carne. Nada de novo surgirá, por mais que se preconize o contrário, até que se altere, na essência, este processo de orientação interno de gestão.
Mas, a despeito destas limitações, nem tudo está perdido. Ao pecuarista resta ainda lançar mão de algumas ferramentas de marketing, além daquelas relacionadas com o produto final, cujo item tem procurado elaborar com relativo zelo. Se o marketing não vem de fora para dentro, que seja feito de dentro da porteira para fora. Uma das alternativas possíveis seria a fidelização do frigorífico. Ao adotar esta alternativa, o produtor estará favorecendo um maior estreitamento das relações com a indústria ou com algum elemento interno da empresa, responsável por decisões individuais importantes dentro da organização. Geralmente, nestes casos, a pessoa mais indicada será o comprador do frigorífico.
Ao se tornar um fornecedor fiel, o produtor poderá se beneficiar do que poderia ser entendido como o “intervalo de liberdade de atuação” desse elemento. Em qualquer empresa, seus executivos têm sempre um grau qualquer de liberdade e autonomia de decisão. Os contatos e a intensificação da presença junto a estes elementos poderão resultar em ganhos efetivos para o produtor. Estes ganhos ou benefícios poderão variar desde a condição de se processar um abate diferenciado, o que resultaria em uma melhoria no rendimento de carcaça dos animais, até um possível realinhamento do preço negociado; isto sem contar com a possibilidade real de se evitar possíveis classificações de animais leves ou abaixo dos pesos mínimos estabelecidos.
Estes são, afinal, alguns dos benefícios que temos conseguido ao longo dos anos de abates fidelizados. Escalamos bois com preços abertos, cujos preços, no dia do abate, são mantidos no patamar vigente no dia da escala, caso os preços de mercado tenham caído, ou alterados para cima, caso os mesmos tenham aumentado. Matamos vacas que ao final do acerto, sem que seja solicitado, têm seus preços majorados, em razão da qualidade, para um diferencial de agrado.
Presenciamos, sem qualquer solicitação, alterações no processo de limpeza da sangria dos animais no final da linha de produção. Animais leves são pagos nos preços contratados, sendo desnecessária qualquer discussão no sentido de se evitar uma possível classificação. Abatemos bois inteiros independente das exigências de cobertura de gordura, entre tantas outras coisas.
Mas lembre-se sempre que essa possibilidade compreende o que poderíamos chamar de “um processo” de relacionamento. Nada acontece por acaso ou mesmo de imediato. O efeito positivo da fidelização é resultado do tempo e da permanência em que essa relação é cultivada.
Já enfrentei uma situação em que, ao mudar o comprador do frigorífico no qual abatia já há dez anos, optei por iniciar o processo novamente em uma nova empresa. A alternativa era muito mais vantajosa e menos desgastante do que executar todo o esforço novamente junto àquele novo funcionário que estava entrando. Não importa o quanto isso possa parecer estranho ou limitado, mas esta é, sem sombra de dúvida, uma das mais eficientes alternativas de busca de resultado que nos resta, na pecuária de engorda, para praticar o marketing de dentro da porteira para fora.
Um aspecto importante a ser realçado neste caso, diz respeito ao tamanho do frigorífico escolhido para realizar os abates. É bom lembrar que quanto maior for o empreendimento, mais difícil será conseguir estabelecer qualquer tipo de vínculo pessoal com os executivos da organização. Mesmo assim, é importante sentirem-se encorajados em adotar uma alternativa de vinculação de fornecimento, pois, na maioria dos casos, a simpatia transforma em ações positivas tais relações.
Autor: Walter Magalhaes Junior, administrador de empresas, MBA-USA, especialista em Marketing e Finanças.
7 Comments
Muito oportuna a matéria.
Apesar de difícil de concretizar devemos buscar este caminho.
nada mal sr. Walter, acho bastante razoavel a tua proposta. conheço a tua experiencia.
Muito bom seu artigo meu Caro.
É o tão necessário amadurecimento da cadeia produtiva da carne, e interessante que, em qualquer relação, alguém precisa dar o ponta pé inicial para as mudanças, e uma atitude pró-ativa porte parte do produtor, sem dúvidas, é uma grande mudança, ao invés de ficar esperando…
Parabéns…
prezado walter, acho que o esforço de estreitamento deveria vir do frigorifico, estas empresas não dependem do comprador, elas emitem notas em nome do produtor, fazem pagamentos, não estreitam o relacionamento porque não querem; tratam todos na vala comum, gostam de classificar os animais, sempre abrem o preço abaixo do preço do dia anterior, sempre pegam alguns quilos nas etapas de abate, não costumam pagar pelo couro; Mesmo com animais bem acabados de primeira, gostam de reclamar. Não os interessa estreitamento com os fornecedores.
Eu tentei fazer um relacionamento, em primeiro abati animais sempre no mesmo frigorifico durante um bom tempo, com a intenção de saberem a qualidade dos meus animais, quantidade e regularidade, no segundo passo, mandei imagens da minha produção com missão e objetivo da minha fazenda, não obtive nenhum tipo de resposta. Enquanto os frigorificos não mudarem de mãos ou de conduta nada vai melhorar, ou teremos que terceirizar o trabalho deles e vender a carne, ai sim pode mudar alguma coisa.
Olá Rodrigo, boa tarde.
Não é comum, e não é em grande quantidade. Mas por todas as regiões que ando, eu vejo alguns poucos pecuaristas que conseguem desenvolver um bom ou ótimo relacionamento com o frigorífico, mesmo com os grandes. E consegue fazer bons negócios com base nesse relacionamento.
Não é fácil, nem comum, mas é possível.
E acredito que é algo que devemos estudar mais e procurar melhorar e expandir.
O futuro é um relacionamento de longo prazo, pois a pecuária é uma atividade de longo prazo.
Muito obrigado pela participação.
Grande abraço, Miguel
Rodrigo, você está totalmente certo em seu argumento. Não resta a menor dúvida de que todo o esforço de estreitamento das relações deveria partir dos frigoríficos. Pelo menos esta tem sido a via normal dos relacionamentos entre empresas modernas, atualizadas e desenvolvidas, com seus fornecedores.
Mas, lembre-se, esta condição é fundamental, elas tem que ser modernas, atualizadas e desenvolvidas, o que não é exatamente o que acontece com as empresas frigoríficas, mormente no Brasil.
O problema, como afirmo no texto, é uma questão exclusivamente de orientação administrativa. Hoje elas se encontram todas, indistintamente, orientadas para a produção e para finanças. Daí as iniciativas que os vemos adotar, respectivamente, com relação à manipulação e trato dado ao produto final, bem como os programas de abertura de capital e a relação desprezível que se esforçam em estabelecer com seus fornecedores no tocante ao processo de compra ou formação de preço.
O próximo passo conceitual será adotarem uma orientação para o marketing. Este é u processo natural do desenvolvimento das organizações no mundo dos negócios. Mas, infelizmente, é um passo sem prazo de ocorrência; é um caso de cultura interna da organização. A adoção pode durar de um ano a um século. Quanto menos profissionalizada a empresa ou mal formado forem seus gestores ou “donos” (o que é o caso, certamente, de todas as empresas frigoríficas no Brasil), mais longo será o tempo de mudança.
Mas, felizmente, alguns sinais de evolução já podemos ver no setor. O mais importante deles está relacionado com as últimas notícias divulgadas sobre a contratação feita pelo Marcos Molina para a Seara. Com o passar do tempo, e este empreendedor não é nada ingênuo, poderá entender que a presença de um homem de marketing em suas organizções poderá se importante para o desenvolvimento dos seus negócio como um todo. Se isso ocorrer terá uma grande chance de promover esta esperada reorientação cultural.
Se isso acontecer e esperamos que a alternativa se materialize, até por interesse particular no assunto, como produtor de carne que somos, estaremos então na berlinda. As coisas, então, terão uma grande chance de mudar e poderemos ter, como em um passe de mágica, uma nova empresa lider no mercado de carne brasileiro e mundial.
Pasme, meu caro, mas a coisa tem exatamente esta dimensão que estou propondo, pode ter certeza disso.
Prezado Walter Magalhães Junior,
Realmente importante e oportuno o seu artigo,parabéns pelo diagnostico,nada pontual!
Entretanto cabe lembrar que enquanto os negócios entre pecuaristas e frigoríficos forem realizados sob a premissa “BICA CORRIDA”,nada irá mudar,porque este é um ótimo negócio para o frigorífico,como bem entender classificar e desqualificar carcaças como “premio” ao pecuarista,e própria e altissimamente vantagem,apenas e tão somente benéfica o frigorífico.
Em commodities,sabemos,o ganho ocorre em grande maioria das vezes,na compra.
O pecuarista não somente vende no modelo “BICA CORRIDA”,como também vendem animais recém vacinados,e aceitam facilmente descontos por hematomas causados pelo transporte,ou pelo,em alguns casos,péssimos modos de movimentação dos animais,desde a fazenda quando do embarque nos caminhões (em geral dos frigoríficos),passando pelo desembarque nos currais dos frigoríficos,e a movimentação destes animais até o atordoamento.
Também muitas vezes o pecuarista não acompanha a dieta hídrica,o que pode acarretar em maiores descontos,sobre tudo quando esta ocorre em tempo inferior ao preconizado.
Nestes sentidos o advento,quase que obrigatório atualmente,do confinamento em muito poderá ajudar os pecuaristas a oferecer animais mais pares em se tratando de padrão de peso,cobertura,se machos ou fêmeas.ou ainda se fêmeas jovens até 36 meses,em fim…podem varias as condições de se agregar valores as carcaças,ou se preferirem aos animais.Precocidades diversas,níveis de cobertura,se de cruzas industriais,em fim…
O elogia o Marfrig,eu também o faço,porque esta é única empresa com uma proposta real de agregar valores de Marca,e por consequência monetária a carne bovina no momento,alias esta luta do Molina é por proteínas primarias in natura,e também pelos seus pré-processados e processados.Mas enquanto os frigoríficos menores não procurarem transformarem em INDÚSTRIAS DE ALIMNTOS,deixando de serem meramente desmontadores de carcaças,isto não mudará,por sendo proposta do frigorífico.Então como bem o diz,que seja proposta do pecuarista.
O companheiro Rodrigo desabafa com muita propriedade,já muito do ele diz acontecer Brasil a fora.Mas a julgar que é frigorífico quem tem que mudar,cai o Rodrigo em um giro,que até hoje se faz moto continuo,ou seja desta forma jamais irá mudar.Quando desejamos mudanças e não vemos possibilidades destas virem de fora,de terceiros,que esta sejam feitas por nós mesmos,ou senão será sempre a mesma coisa.
Sugiro,como o fiz varias e varias vezes,a se unirem em cooperativas de abates,ou de vendas de seus animais,ou tornarem sócios de frigoríficos,aqueles onde os senhores costumam abater.Frigoríficos de maneira geral andam frágeis,não podem se dar ao luxo de ter um grupo de pecuaristas forte como sócios.
Esta pode ser uma forma de se transformar o setor.mas com visão empresarial e despidos de pré-conceitos tolos,e verdades absolutas.Como disse o senhor Walter,com gestões,empresariais,financeiras,comerciais,industriais,de logística,marketing e prestações serviços necessárias e fundamentais para que se institua Marca em seus produtos.
Não se faz um omelete sem quebrar os ovos.
Saudações,
EVÁNDRO D. SÀMTOS.