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Brasil: busca por mercados e melhor posicionamento

Por Miguel da Rocha Cavalcanti1

O Brasil deve bater um novo recorde de exportações em 2002, com US$ 1,1 bilhão. Para 2003, o USDA projeta exportação de 925 mil toneladas, um ganho de 87 mil toneladas em relação à previsão para 2002, 837 mil toneladas de equivalente carcaça.

O Brasil vem ganhando sucessivos mercados e já preocupa a Austrália em mercados como Filipinas, como noticiado pelo Meat and Livestock Austrália essa semana. Os EUA também estão atentos, lembrando do que aconteceu com o frango e com a carne suína, produtos que os EUA vêm perdendo vários mercados para o Brasil, pois temos igual ou superior qualidade e melhores preços.

Temos uma imensa produção e um dos menores custos do mundo. Por outro lado o Brasil ainda está começando a se firmar como um produtor de carne de qualidade, reconhecida no mercado internacional. Os mercados onde o Brasil está presente foram conquistados por termos custos mais competitivos. Uma prova disso é que em negociações, o Brasil tem que oferecer preços mais baixos que Argentina e Uruguai para vender.

Promoção

Especialistas de marketing da Inglaterra sugerem que não seja utilizado como vantagem do Brasil o fato de não termos “vaca louca” ou ainda aftosa.

Antes da aftosa em 2001, o Rio Grande do Sul divulgava como uma de suas vantagens o fato de não ter a doença. Com o aparecimento dos casos, toda a promoção veio por terra. Os especialistas afirmam que sempre existe a possibilidade de surgimento de um caso de doença, por mais que os controles sejam reforçados e a chance seja mínima. E existe outro argumento para que não utilizemos essa estratégia.

É muito melhor divulgarmos nossas qualidades, como carne natural, respeito ao meio ambiente, responsabilidade social, etc. Ter uma carne segura não é uma vantagem, é pré-requisito básico para entrarmos em qualquer mercado.

A presença brasileira em feiras tem melhorado muito. No SIAL 2002 o Brasil esteve presente com 13 frigoríficos. A degustação da carne brasileira atraiu muita gente. Mas podemos melhorar ainda mais essa divulgação, procurando realizar ações diferentes da maioria.

Todos os países apresentaram carne de primeira qualidade em seus stands para degustação dos visitantes. O diferencial do Brasil era a caipirinha.

O Brasil pode explorar melhor a presença de uma multidão de jornalistas especializados nessas feiras. Esse ano no SIAL, estiveram presentes mais de 1.400 jornalistas especializados dos mais diversos países do mundo. Era possível oferecer, por exemplo, uma degustação exclusiva na sala de imprensa como várias empresas de outros setores fizeram. Outra possibilidade era a oferta de um jantar para apresentação das qualidades do produto brasileiro.

É preciso estar onde ninguém está presente. Outro exemplo de fazer a diferença nos pequenos detalhes foi uma idéia muito inteligente da empresa italiana Citterio, especializada em presuntos e salames. Essa empresa tinha um enorme (e um dos melhores) stands no SIAL. Mas o que marcou mesmo foram os outdoors na estação de metrô, por onde a maioria dos visitantes chegava. A primeira imagem que viam era da empresa, num local onde não existia uma “competição” pela atenção do visitante. São pequenas ações como esta que podem ajudar a fazer a diferença, principalmente quando o capital disponível não é muito abundante.

Novos produtos

No desenvolvimento de novos produtos os frigoríficos brasileiros estão apresentando boas novidades. Não adianta querer vender contêineres de carne, da mesma maneira que todos fazem; é preciso buscar algum tipo de diferenciação.

O Bertin apresentou em seu catálogo uma linha de produtos embalados individualmente de uma maneira muito mais atrativa que a embalagem a vácuo. Novas embalagens que possibilitem que o produto final seja produzido aqui no Brasil e vendido dessa forma para o cliente final serão uma enorme vantagem. Será possível vender diretamente para supermercados e casas de carne, tendo assim um contato mais direto com o consumidor final. Com o fornecimento de um produto de qualidade e identificado como brasileiro, e com marcas brasileiras, o consumidor de outros países vai começar a conhecer nossa carne, como conhece a carne argentina ou a carne de cordeiro da Nova Zelândia. Se esse produto for bom, ficará bem mais fácil ganhar a preferência da dona de casa na Itália, da Alemanha, etc.

Mas para isso será preciso desenvolver produtos para cada mercado e para cada país. Para se ter um bom exemplo disso é só observar o grande leque de produtos oferecidos por empresas francesas, apenas na França.

Outra possibilidade é a venda de produtos sob recomendações específicas de diferentes restaurantes. É possível preparar aqui no Brasil um corte de contra-filé com o tamanho, espessura de gordura e peso especificados, além de poder ser de uma determinada marca, determinada raça, ou até mesmo orgânico. Esse tipo de produto requer uma integração entre produtores e frigoríficos muito maior, requer também um maior grau de sofisticação e entendimento de como funciona o mercado consumidor de outros países, que, no caso da Europa, é muito mais exigente que o brasileiro. A grande vantagem é que esse tipo de produto remunera muito melhor toda a cadeia e gera mais empregos. Como é apenas uma mudança de embalagem, a carne estará sujeita aos mesmos impostos e barreiras, o que não acontece com produtos processados, que em geral tem taxas importação bem superiores, pois é de interesse dos países agregar valor dentro de suas fronteiras.

Produtos especiais

Outra questão em que o Brasil vem evoluindo bastante é na oferta de produtos diferenciados, como é o caso da carne orgânica. Durante o SIAL dois frigoríficos apresentavam produtos com essa certificação. O Independência, que foi o pioneiro desse mercado no Brasil e o Marfrig, que oferecia a carne produzida pela fazenda São Marcelo, de propriedade do grupo Carrefour.

O Independência é extremamente preocupado com o posicionamento de sua marca no exterior. No SIAL desse ano, seu stand não tinha nenhuma foto de gado ou de carne, apenas a imagem de 5 crianças correndo num parque, representando os cinco continentes. Do outro lado um texto sobre as mudanças que o mundo vem passando e uma fotografia de plantas. Além disso, tem certificação para responsabilidade social, certificado SA 8000 e está qualificado para a produção e processamento de produtos orgânicos.

A carne orgânica produzida pelo Independência está gerando mais lucro que a normalmente comercializada, mas outro benefício indireto é posicionar a empresa como preocupada com o meio-ambiente. Isso pode não significar muito hoje, mas é uma forma de proteção contra novas barreiras não tarifárias, fato que não é improvável.

O Brasil está frente à uma oportunidade muito grande: tomar a dianteira no mercado mundial de carne. Esta chance está sendo anunciada por muitos, mas é preciso tomar muitas atitudes para passarmos de meros produtores de carne barata para vendedores de carne de alta qualidade, dentro dos padrões de exigência dos inúmeros mercados que podemos conquistar e aumentar a participação. Mais do que isso, podemos almejar vender para consumidores que remuneram melhor por exigirem mais, em mercados onde já atuamos.
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1Miguel da Rocha Cavalcanti é Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.

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