O governo brasileiro interpretou como uma declaração de guerra comercial a intenção dos Estados Unidos de aumentar para US$ 188,5 bilhões seus gastos com subsídios agrícolas até 2006, e já anunciou que vai brigar contra essa política danosa ao agronegócio nacional na Organização Mundial do Comércio (OMC). Não podia ser diferente. Há muito que os agricultores de países emergentes, como o Brasil, debatem-se contra a avassaladora proteção oferecida pelos 29 países que compõem a Organização para o Desenvolvimento Econômico e Social (OCDE) ao seu agronegócio.
Só em 2001, foram gastos US$ 328 bilhões com os chamados Subsídios Equivalentes ao Produtor. Deste total, a União Européia gastou US$ 164 bilhões, os Estados Unidos US$ 65,6 bilhões, o Japão mais US$ 65,6 bilhões e os demais (México, Coréia e outros) US$ 32,8 bilhões. Quase US$ 1 bilhão por dia é, portanto, a conta paga pelos contribuintes desses países para manter seus agricultores no campo. Além dessa couraça protecionista, os produtores brasileiros, mais competitivos que os americanos na soja e no algodão, por exemplo, ainda enfrentam um outro problema: as barreiras tarifárias, fitossanitárias e cotas de importação, criadas para impedir o acesso de seus produtos àqueles mercados. O conjunto dessas medidas é um obstáculo e tanto, já que, por trás de tal fortaleza, está o Tesouro das nações mais ricas, lembra o ministro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes.
Carnes, fumo, farelo e óleo de soja, frutas, açúcar, álcool e bebidas são apenas alguns dos produtos da pauta de exportações brasileira mais bem protegidos. Por onde quer que passem nos últimos tempos (Doha, Nova York, Paris, Moscou), os ministros Pratini e Celso Lafer (Relações Exteriores) ou o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso batem sempre na mesma tecla: as economias desenvolvidas têm de abrir seus mercados, para que os países emergentes possam vender o que melhor sabem produzir. O comércio internacional é uma via de mão dupla, insistem.
Essa foi a balada da dupla Pratini-Lafer no Fórum Econômico Mundial de Nova York, no início de fevereiro, concomitantemente com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, que não debateu o assunto. E deve ser o mote para a ofensiva que o Itamaraty pretende desencadear contra a política agrícola dos Estados Unidos na OMC, a partir da próxima semana. “Será briga de cachorro grande. Os Estados Unidos estão dando mal exemplo para as relações comerciais globais” diz o consultor da Federação da Agricultura de Minas Gerais (Faemg), Ricardo Ferreira.
Condição sanitária é o maior problema
Com 35% de seu Produto Interno Bruto (PIB) gerado pelo campo, o Rio Grande do Sul, em tese, é um dos Estados mais prejudicados pelo Tesouro mão aberta dos países desenvolvidos. Destaques do agronegócio gaúcho, como fumo, carnes, soja e vinho, estão entre os produtos mais bem protegidos pelo lobby agrícola das nações ricas.
Na prática, porém, o protecionismo estrangeiro é visto mais como ameaça virtual do que barreira concreta. Por diversas razões: a produção agrícola do Estado cresce pouco, o mercado nacional absorve grande parte do que é produzido por aqui e o controle de enfermidades como a febre aftosa depende de vacinações periódicas (não toleradas pelos compradores mais exigentes).
O presidente do Sindicato Rural de Lavras do Sul, Fernando Adauto Loureiro de Souza, aponta a Cota Hilton, que limita em 5 mil toneladas as remessas de carne para a Europa, como a principal dificuldade. O que excede esse limite, é taxado em cerca de 200%, “não temos nem 10% das exportações brasileiras de carne para a Europa. São cerca de 300 toneladas. O que é isso, comparado com as 28 mil toneladas da Cota Hilton da Argentina, nosso principal concorrente no mercado de carne para grelha?”.
O dirigente elogia a competência da diplomacia comercial argentina, que conseguiu reabrir neste ano as exportações de carne para a Europa, depois de o país ter registrado mais de dois mil focos de aftosa em 2001 e lutar para debelar focos recalcitrantes em pelo menos três províncias. “Se a Argentina, com tantos problemas sanitários, consegue negociar com a Europa, como é que ainda não conseguimos ampliar a Cota Hilton?”, compara o dirigente.
Há uma alternativa em estudo: o Brasil poderia completar, com mais cinco mil toneladas, parte da Cota Hilton que a Argentina, em crise, não terá como preencher até junho. A idéia vem sendo negociada com o governo argentino.
Fonte: Zero Hora (por Irineu Guarnier Filho), adaptado por Equipe BeefPoint