Em mais um reflexo da rápida escassez de carne bovina doméstica nos Estados Unidos neste ano, o Brasil ultrapassou pela primeira vez a Austrália como o maior fornecedor de carne bovina importada para os EUA.
Os embarques mensais do Brasil em abril chegaram a 48.000 toneladas — um salto em relação às apenas 8.000 toneladas do mesmo mês no ano passado. Nas últimas quatro décadas, a Austrália foi o principal fornecedor de carne bovina importada para o mercado norte-americano, chegando a ultrapassar 400.000 toneladas/ano em determinados períodos. O total do ano passado ficou pouco abaixo disso, em 395.000 toneladas.
Mas, como mostra o gráfico acima produzido pelo economista da Elders, Richard Koch, os volumes do Brasil (em vermelho escuro) dispararam drasticamente neste ano. O enorme pico em janeiro se deve a um único fator: o Brasil exporta para os EUA sob uma pequena cota de Nação Mais Favorecida (MFN) de 65.000 toneladas, o que gerou uma corrida em janeiro para enviar produto livre de tarifa antes que a cota fosse preenchida. Como relatado anteriormente no Beef Central, o Brasil preencheu toda sua cota para o calendário de 2025 em apenas 17 dias, ainda em janeiro.
Isso significa que, nos 11 meses restantes de 2025, a carne bovina brasileira que entra nos EUA está sujeita a uma tarifa fora da cota de 26,4% sobre todos os embarques. Além disso, a nova tarifa recíproca de 10% imposta pelos EUA significa que toda a carne bovina brasileira no mercado está sujeita a uma tarifa total de 36,4%.
A China continua sendo o principal destino de exportação da carne bovina brasileira, absorvendo cerca de 45% de todo o volume exportado, mas a crescente escassez de gado nos EUA tem aumentado a demanda por importações de carne — tanto do Brasil quanto da Austrália.
Por outro lado, a Austrália se beneficia de uma cota livre de tarifas de 448.000 toneladas com os EUA em 2025, negociada no âmbito do Acordo de Livre Comércio EUA-Austrália de 2005. Embora exista a possibilidade de que esse volume seja ultrapassado neste ano, isso só deve ocorrer, no pior cenário, nos últimos meses.
A Austrália, é claro, ainda está sujeita à tarifa recíproca de 10% imposta pelos EUA a todos os parceiros comerciais desde meados de abril — mas isso ainda está bem distante dos 36,4% atualmente aplicados à carne brasileira.
Então, quem está usando toda essa carne brasileira que agora inunda os EUA?
Segundo fontes do setor de exportação, muito pouco, se é que alguma, está presente no varejo (supermercados) dos EUA.
As grandes redes nacionais de hambúrguer, como o McDonald’s, também não utilizam produto sul-americano, optando por importar exclusivamente carne bovina da Austrália e da Nova Zelândia. Essa preferência, porém, está sendo desafiada este ano pela forte queda na produção de carne na Nova Zelândia.
Entretanto, há uma imensa quantidade de redes menores de hambúrguer, fast-food e fabricantes de produtos processados nos EUA que claramente estão abertas ao uso da carne brasileira para reduzir custos. Existem literalmente dezenas de redes menores de hambúrguer nos EUA, com 50 a 200 lojas em todo o país. A popular rede Five Guys, por exemplo, tem 1.800 unidades, principalmente na América do Norte, mas também na Europa, Austrália e outros locais.
O grande aumento no comércio de carne brasileira neste ano não parece ter ocorrido às custas das exportações australianas, mas sim adicionalmente a elas — refletindo novamente o estado da produção doméstica de carne nos EUA e um surpreendente aumento no consumo norte-americano observado neste ano. O colunista dos EUA, Steve Kay, deve abordar esse tema em sua próxima coluna mensal para o Beef Central.
As próprias exportações da Austrália para os EUA em abril ainda estavam próximas de recordes, com 37.200 toneladas, seguidas por maio com 38.431 toneladas, um aumento de 23% em relação ao mesmo período do ano anterior. Embora ainda aquém do recorde recente de 47.000 toneladas em outubro, maio foi, por qualquer parâmetro, um mês de grande volume. Isso também sugere que a tarifa adicional de 10%, imposta pelas medidas “retaliatórias” de Trump em 10 de abril, teve impacto praticamente nulo nas exportações australianas de carne para os EUA até agora.
Com os frigoríficos dos EUA enfrentando preços recordes do gado e margens comprimidas, o abate de gado confinado nos EUA em maio (excluindo vacas e touros de descarte) caiu 113.000 cabeças, ou 7,5% a menos do que no mesmo período de dois anos atrás. Já o abate de vacas e touros (carne industrial) caiu 9% em relação ao já baixo nível do ano passado, e 33% menor do que dois anos atrás.
O aumento das importações de carne do Brasil para os EUA é um desenvolvimento preocupante, considerando que a Austrália atualmente possui uma vantagem tarifária de 26,3% sobre a carne brasileira no mercado norte-americano, disse o analista da Elders, Richard Koch.
Além disso, a carne sul-americana é comercializada com um desconto de cerca de US$ 0,20 a US$ 0,22 por quilo em relação ao produto australiano, o que indica uma vantagem de custo significativa — principalmente devido aos menores valores de terra e custos de mão de obra.
Recentemente, o Brasil foi declarado livre de febre aftosa com vacinação pela OIE, o que abriu caminho para que o país tenha acesso a valiosos mercados asiáticos, dos quais estava anteriormente excluído por razões sanitárias.
“Curiosamente, o Japão tem uma das maiores populações de expatriados brasileiros do mundo, e há um movimento real para permitir o acesso da carne brasileira ao Japão. A Coreia do Sul provavelmente seguirá o exemplo caso o Japão aprove”, disse Koch.
O Japão deve enviar uma missão técnica ao Brasil nos próximos 60 dias para inspecionar o sistema sanitário do país e suas plantas frigoríficas.
Com as economias ocidentais sob pressão para reestruturar orçamentos e reduzir o custo de vida para as classes média e baixa, o subsídio pesado a setores agrícolas ineficientes pode se tornar um luxo insustentável, observou Koch.
Atualmente, a União Europeia está negociando um acordo comercial com o Mercosul (bloco que inclui as maiores economias sul-americanas), o qual concederia maior acesso dos produtos agrícolas do bloco aos mercados da UE, pressionando ainda mais o setor agrícola europeu, que já enfrenta concorrência de grãos mais baratos da região do Mar Negro nos seus mercados tradicionais do norte da África.
Na América do Norte, os produtores de grãos também estão sendo pressionados pelo aumento da produção de milho e soja na América do Sul, e pedem que Trump aumente os subsídios ou as exigências de uso de biocombustíveis (um tipo de subsídio indireto) para compensar os preços mais baixos e o aumento dos estoques projetados.
“Será que estamos presenciando uma mudança na produção agrícola, saindo de países de alto custo protegidos por subsídios para produtores de menor custo, à medida que as relações comerciais se tornam mais fluidas?”, perguntou Koch.
O compromisso da Austrália em migrar de uma fornecedora de commodities para uma fornecedora confiável e consistente de produtos premium, respaldada por padrões de segurança alimentar reconhecidos mundialmente, deve ajudá-la a resistir à entrada de fornecedores de baixo custo — embora, como no caso dos grãos, os preços australianos não estejam imunes aos efeitos da concorrência crescente, completou ele.
Embora tudo isso seja de grande importância para a carne bovina australiana, muito pode mudar caso haja progresso nas negociações comerciais entre EUA e China, que estão ocorrendo esta semana em Londres.
O segundo dia de negociações acaba de ser encerrado, sem grandes avanços até o momento, embora o Secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, tenha feito declarações positivas à imprensa ao chegar às reuniões ontem.
Agências de notícias locais no Reino Unido informaram nesta tarde que ambas as partes concordaram com um “acordo-quadro” com o objetivo de reduzir as tensões entre os dois países. Embora os detalhes do acordo ainda não tenham sido divulgados, ele ainda precisará ser aprovado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e pelo presidente chinês, Xi Jinping. Os dois realizaram uma ligação de 90 minutos sobre comércio na semana passada.
Fonte: Beef Central, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.