Por Carlos Arthur Ortenblad
Carlos Arthur Ortenblad é economista, membro do Conselho Deliberativo Técnico da ABCZ, e ex-Diretor de Heveicultura da SRB. Administra a Fazenda Água Milagrosa, Tabapuã, SP – que se dedica às culturas de cana, laranja, seringueira e reflorestamento com essências nativas. Mas sua principal atividade é a pecuária seletiva da raça Tabapuã, que teve sua origem na Água Milagrosa.
Em 31/07 e 09/08 o senhor escreveu dois artigos, veiculados na seção “Espaço Aberto”, nos quais discorria sobre preconceitos e mitos que assolam a agropecuária brasileira. Voltando ao tema de “preconceitos e mitos”, como o senhor vê os preços astronômicos atingidos em alguns leilões de gado de elite?
CAO: Acredito que o BeefPoint está se referindo à vaca Nelore Olímpica da Mata Velha, cuja metade foi vendida por R$ 1.600.000,00 – o que significa que a vaca inteira valeria quase US$ 1.000.000,00 ao câmbio atual. É isso mesmo?
Sim.
CAO: É uma pergunta que tem mais de uma resposta, dependendo do ângulo que se encare a questão. Vou tentar ser abrangente e sucinto:
Em primeiro lugar, é justo que se diga que a raça Nelore atingiu a atual posição quantitativa dentro da pecuária brasileira, por méritos próprios. Os selecionadores desta raça são também muito competentes, tanto na seleção genética, quanto em seu “marketing”. Nada ou ninguém é hegemônico gratuitamente. Digo isto com total isenção, até porque sou criador da raça Tabapuã.
Em segundo lugar, como o mercado é livre, vende quem quer, e compra quem quer. E, no caso específico; quem puder.
Em terceiro lugar tenho verificado em pecuaristas de forma geral uma certa “revolta ou inconformidade” em relação a estes preços, que não se justificariam se analisados do ponto de vista econômico. O próprio presidente da ACNB, Dr. Carlos Viacava declarou na Folha de S. Paulo em 24/09 (pagina B 12): “Esse leilão e esses animais são como leilões de obras de arte. O preço é alto porque são como colecionadores comprando”.
O que o senhor acha desta declaração do Dr. Viacava?
CAO: Correta, e a mesma que eu daria se estivesse no lugar dele. Esta declaração do Dr. Viacava foi um pouco criticada, com alegações do tipo: “vaca morre, e obra de arte não”. Ao que eu responderia, concordando com a avaliação do Dr. Viacava, “mas vaca reproduz, e obra de arte, não”.
Por que haveria “revolta ou inconformidade” de pecuaristas em relação a um negócio privado?
CAO: Porque o negócio pode ser privado, mas a divulgação é pública. Porque também não é um fato isolado: outras duas matrizes já foram vendidas em anos anteriores, creio que no mesmo leilão, por preços altíssimos. Este fato, e sua repetição, dão uma idéia enganosa da realidade da pecuária nacional, mesmo que a seletiva.
A opinião pública – hoje esmagadoramente urbana – lê em jornais e assiste na televisão notícias como esta, e cristaliza e extrapola estes valores para a pecuária como um todo. Acham que todos os pecuaristas faturam e lucram milhões, o que, infelizmente, está a anos luz da realidade.
E o senhor vê a possibilidade de haver algum desdobramento político quanto a esta “cristalização na opinião pública” de que pecuária é atividade de milionários?
CAO: Sim, e muito. A pecuária – principalmente a de corte – é vista com enorme preconceito por boa parte da opinião pública, e mesmo por parte das autoridades.
Você, fazendeiro, que acabou de preencher os formulários do DIAC/DIAT (ITR), verificou que a única atividade em que se tem de comprovar “produtividade” é a pecuária. Eu posso declarar ter 1.000 ha de cana, mas não preciso informar o grau de produtividade. Mas se tiver 100 ha de pasto, sim. Este tipo de preconceito e de falsas verdades, nos atinge em cheio.
Creio ser o dever – e interesse – de todos os pecuaristas não contribuir para este estado de coisas. Afinal, como disse Albert Einstein: “É mais fácil desintegrar o átomo, que um preconceito”.
Qual a sua percepção pessoal deste assunto? Pode-se dizer que o setor vive uma espécie de “bolha”?
CAO: O caso, ou os casos, lembram-me do episódio das tulipas na Holanda no século XVII. Havia uma grande afluência na Holanda, quando os primeiros bulbos de tulipa foram introduzidos neste país. Não se sabe bem porque, mas o fato é que bulbos de tulipa (sim, tulipa mesmo: a flor) viraram “commodity” de especulação.
Os preços chegaram a tal nível, que bulbos de tulipa eram vendidos pelo valor de uma boa casa em Amsterdam. Isto continuou durante algum tempo até que, em 03 de fevereiro de 1637 uma coleção muito especial de tulipas não conseguiu ser vendida. Outros casos se seguiram, e a bolha estourou.
Mas vamos a um episódio mais recente: o valor que as empresas de Internet – as “ponto com” (ou “dot.com”) e ações de empresas de alta tecnologia (cotadas na Nasdaq) atingiram há poucos anos atrás. Não tinham valor tangível, apenas valor conceitual, e a expectativa de que eram as empresas do “futuro”, e do lucro que viriam a dar.
Foi o que o presidente do Fed (Banco Central americano), Alan Greenspan chamou de “exuberância irracional”. Acho o caso em tela bastante similar. Mas não desmereço a qualidade das matrizes e, do ponto de vista estritamente empresarial, foi uma magistral jogada de marketing. Nota 10 para a Mata Velha nestes dois aspectos.
Mas respondendo sua pergunta, sim, acho que este setor vive uma espécie de “bolha”, embora de feições diferentes dos dois casos relatados acima, que tratavam basicamente de bens intangíveis (ou quase).
Mas o senhor então está sugerindo que a raça Nelore pode se desvalorizar de repente?
CAO: Não. Embora ache mesmo que há um forte componente de “exuberância irracional”, que pode até ser explicado pelo ramo de atividade dos compradores – fato é que o Nelore não passa por qualquer perigo neste sentido. Nem haveria porque. Como já disse antes nesta entrevista, esta raça é, por méritos próprios, a base e o pilar de sustentação da pecuária de corte brasileira.
Partindo se suas premissas, e para encerrarmos este assunto, o senhor acha que algo poderia ser feito para trazer este assunto para o escopo da realidade?
CAO: Sim. Poderia e deveria, e basta dizer a verdade: que este tipo de negócio e a estes níveis de preço atendem a um nicho de mercado muito, mas muito pequeno mesmo. E que não tem vínculo expressivo com a pecuária brasileira, mesmo a seletiva. Isto, uma vez bem explicado e divulgado, retorna-se ao que eu disse no início desta entrevista: vende quem quer, e paga quem quer (ou puder).
Como o tema desta entrevista é “mitos e preconceitos”, o senhor não acha que o candidato Luis Inácio Lula da Silva está sendo vítima de um preconceito exagerado por parte do mercado?
CAO: Não. É bom que se lembre que há 6 meses atrás,só para citar um exemplo, o Lula defendia os regimes de Fidel Castro e Hugo Chávez. Então pergunto-me, esta reação será preconceito ou “pós conceito” ? O que há de muito exagerado no mercado é a ganância, a manipulação da cotação do dólar, às vésperas de resgates de títulos cambiais do Governo Federal. Ou o que o Ministro Malan (um pouco tardiamente, a meu ver), classificou como “ganância infecciosa”. Mas voltemos ao Lula. Como ser humano, tenho enorme admiração pelo Lula. Como tenho admiração por todos aqueles que saindo do nada, e contra todas as adversidades, “chegaram lá”.
Pessoalmente, tenho uma identificação forte com um aspecto da vida dele: sou descendente de imigrantes, que, assim como o Lula, vieram para São Paulo com pouco mais que esperança. Entre os candidatos à presidência da República, é o único pelo qual tenho admiração pessoal.
Mas ele não terá meu voto. Porém, se for eleito, e agir dentro da lei, terá todo meu apoio.
Mas isto não é incoerente?
CAO: Não. O fato de se admirar uma pessoa, respeitar a biografia dela, não significa que se está dando atestado de aptidão a esta pessoa para ocupar a presidência da República do Brasil.
E, antes que me entendam mal, esta minha posição nada tem a ver com o fato de o Lula não ter curso universitário. Conheço inúmeras cavalgaduras que têm dois ou três cursos superiores completos. Ainda assim, permanecem cavalgaduras.
Alguns dos maiores e mais profícuos empresários do Brasil também não tinham curso superior: Olacyr de Moraes, Sebastião Camargo e Amador Aguiar, por exemplo. Aquele que é, possivelmente o maior filósofo brasileiro vivo, Olavo de Carvalho é autodidata.
Não digo que educação formal seja dispensável. É claro que não. Mas é apenas uma ferramenta, e só tem utilidade para quem sabe utiliza-la bem.
Então, o que o afasta da candidatura Lula?
CAO: Experiência, tarimba, vivência administrativa. Ou, no caso dele, a ausência destes predicados. O Lula é um homem inteligente, acredito que bem intencionado (dentro das convicções dele), e creio ser também um hábil negociador. São características necessárias – mas não suficientes – para governar um país complexo como o Brasil, principalmente em momento como este.
Diga-se de passagem, a presente crise cambial pela que passa o Brasil, e o “risco país” elevado à estratosfera não é culpa do Lula. Se no primeiro tema usei a expressão “exuberância irracional”, neste o correto seria “pânico irracional”. Mas voltando à pergunta do BeefPoint: recentemente, referindo-se ao cargo de presidente da República, o Lula disse que mais importante que ser um bom administrador, é ter capacidade de liderança. Em parte, ele está certo. Mas é bom que ele se lembre que esta característica de “liderança” pode lhe custar mais caro do que ele imagina.
Por que?
CAO: Exatamente por sua essência: de um “líder” se espera muito, por vezes coisas inviáveis. E as promessas de campanha só agravam esta expectativa. O eleitorado brasileiro é dividido, aproximadamente, em 30% de “esquerda” (que são os eleitores de “carteirinha” do PT), 30% de “direita”, e 40% de “centro” ou não politizados. Exatamente por ter conseguido – habilmente – diminuir sua taxa de rejeição, e atrair eleitores de “centro”, é que ele vai vencer a eleição. Porém a cobrança – e decepção – maior será do seu eleitorado cativo.
Apenas para exemplificar o que pode ser uma “frustração de expectativas”. A maior parte do eleitorado petista é hoje constituída por funcionários públicos, a categoria que, exceto em alguns casos privilegiados, tem sofrido maior arrocho salarial nos últimos anos. E, obviamente a margem de manobra seja lá quem for eleito presidente, e por diversos fatores, será mínima. Já de início, porque o Orçamento 2003, que delimita o raio de ação do novo presidente, foi proposto e apresentado pelo governo FHC, e votado pelo atual Congresso.
A seu ver, quais as maiores dificuldades que o próximo governo terá?
CAO: São tantas, que é melhor numera-las:
1 – A decepção, no caso específico do Lula, a que aludi acima. Governo algum cria riqueza. Conseqüentemente, não tem o poder de distribuí-la. Pode, quando muito, contribuir para políticas que venham a criar riquezas e melhorar a abissal diferença de renda verificada no Brasil: entre regiões, entre etnias, e, principalmente, entre indivíduos. E o que separa “decepção” de “revolta” é um pequeno passo.
2 – Congresso hostil: o presidente Fernando Henrique Cardoso, principalmente em seu primeiro mandato, desfrutou da maior aliança política do Brasil moderno, e da mais expressiva maioria no Congresso Nacional (Senado e Câmara Federal). Ainda assim, sequer conseguiu realizar a reforma tributária de que o país tanto necessita.
3 – Arcabouço legal: o novo presidente da República não terá a mesma liberdade administrativo-legislativa que tiveram os que o antecederam para legislar através de MP (Medidas Provisórias). Atitudes como “Plano Collor”, e até mesmo a MP 66 e seu famigerado artigo 12 (que, se não for revogado, levará a agropecuária brasileira à falência) serão impensáveis a partir de 01/01/2003.
4 – Dívida Pública Interna: na qual o Governo Federal é o grande devedor (em parte por ter assumido “micos” de governos estaduais e seus bancos, prefeituras, etc.). Esta dívida, que hoje deve estar variando entre 55% e 65% do PIB, é bastante alta, mas administrável. Há países, como a Itália, em que a dívida mobiliária interna, ultrapassa 100% do PIB. O que nos remete ao item 8 abaixo.
5 – Dívida Externa: Embora aí ocorra o inverso, sendo os maiores devedores, empresas privadas brasileiras, é bem mais perigosa que a Dívida Interna – pelo potencial de dano que uma crise cambial poderá ter nas finanças pública e privada brasileiras. Como já dizia Mário Henrique Simonsen: “Inflação aleija, mas crise cambial mata”. Será um passo positivo se conseguirem que se adote a “fórmula inglesa”, mormente em dívidas externas já contraídas (De forma sucinta: normalmente, uma “tranche” de títulos de dívida externa tem diversos, às vezes centenas, de credores. Basta o veto de um deles, e nenhuma renegociação poderá ser feita. A “fórmula inglesa” permite acordos individuais entre devedores e credores.).
6 – Lua do mel com Congresso e com o Povo: Normalmente, um novo presidente, especialmente se eleito já no 1o turno – goza de alguns meses de “lua de mel”, onde o Congresso aprova e o povo apóia. Quero crer que esta “lua de mel”, se existir, será extremamente curta. O presidente eleito terá de ser muito ágil se quiser aproveitá-la.
7 – Crescimento econômico com inflação baixa: Teoricamente, é possível. Politicamente, ainda mais no Brasil, é tarefa difícil de ser levada a bom termo.
8 – Credibilidade: para mim, esta é a “commodity” mais escassa, e, portanto, a mais valorizada do mercado. E desta “credibilidade” dependerá o equacionamento e solução de boa parte dos itens acima, ou não. Novamente, é o “pânico irracional”.
9 – Volta à realidade, no caso específico do Lula: Como eu não acredito em “vocação tardia”, pergunto: será que alguém é tão ingênuo a ponto de acreditar que Lula e o PT realmente mudaram tanto? E, se assim não for, ele não deve ser chamado de mentiroso, já que está apenas jogando o jogo com as regras que encontrou, e que não foram elaboradas por ele.
Pior ainda, será que o MST não invade mais fazendas porque concorda com o perfil fundiário do Brasil? Ou que os Sindicatos não fazem mais greve, pois estão felizes com salários e nível de emprego? Ou que a forte facção “esquerda” do PT (mais ou menos 1/3 do Partido) está muda pois perdeu a fala, ou converteu-se ao neo-liberalismo após leitura de uns 2 ou 3 livros do Roberto Campos? Ou será que esta estratégia foi habilmente construída pelo brilhante “marqueteiro” Duda Mendonça (ex-Paulo Maluf) apenas para ganhar a eleição. Ou um pouco de cada? Fato é que, a partir de 01/01/2003 o presidente, tudo indica, será Luis Inácio Lula da Silva, e não Duda Mendonça. E aí?
Mas o fato de vários empresários de peso estarem apoiando a candidatura Lula não significa que ele realmente terá de governar para todos ? Completando, o Sr. não está sendo também vítima do “pânico irracional”?
CAO: Adesões de ultima hora a mim parecem mero oportunismo. A quantidade de pessoas que “são PT desde criancinhas” cresce a cada dia. Algumas adesões podem até ser sinceras, mas a maioria….
Como já mencionei nesta entrevista, e chamem-me de cético se quiserem: eu não acredito em “vocações tardias”.
Quanto ao fato de eu estar também sendo vítima do “pânico irracional”, creio que não. Primeiro porque não estou em pânico. Segundo, porque quem passou, como eu, mais de dez anos em colégio de padres Jesuítas, nem que queira, consegue ser irracional. Brincadeiras à parte, estou apreensivo com o futuro do país sim, mas não por causa do Lula, e sim porque a situação interna e externa apresenta vários “nós górdios” difíceis de serem desatados. Se o termômetro que mede o nível de confiança (ou ausência dela) de um empresário é o seu comprometimento com investimentos já programados, então eu posso responder que minha fé no Brasil continua inabalável. Ao invés de reduzir nível de investimentos, estou aumentando-o.
Como o Sr. vê a candidatura Lula em relação à agropecuária? Vários empresários deste setor também apóiam o candidato.
CAO: Vamos por partes. Ele tentará acelerar o processo de Reforma Agrária, o que poderá ser bom ou poderá ser ruim. Será bom, se uma reforma fundiária justa vier acompanhada de algo que este país jamais teve, de forma consistente e duradoura: Política Agrícola (de boa qualidade, de preferência).
Será ruim se for uma Reforma Agrária revanchista, do tipo “tudo que é grande é ruim, independentemente de cumprir (e bem) sua função social”. E poderá ser ainda pior, se persistir na linha atual: mera distribuição de terras, o que pode até criar assentados, mas jamais os tornará em agricultores.
Ele provavelmente dará ênfase à agricultura familiar, ao extrativismo auto sustentável, coisas assim. Tudo bem, desde que não prejudique a formidável dinâmica pela qual passa a agropecuária brasileira. Em outras palavras: ajude os pequenos. Mas não se esqueça que o único setor com saldo positivo na balança comercial é o agropecuário. O único. E esta produção que gera excedentes, para exportação ou consumo interno, não é oriunda da pequena agricultura familiar de subsistência, e sim da agricultura empresarial.
Acredito também que ele tentará defender os interesses da agropecuária nacional no mercado internacional, onde sofremos toda espécie de discriminação e barreiras. O atual governo, aliás, no apagar das luzes, resolveu “peitar” de uma só vez os Estados Unidos e a Comunidade Econômica Européia, na OMC. Digo “tentará” pois para conseguir algo, duas pré condições fazem-se necessárias: peso comercial e reservas em moeda forte. Nossa participação no comércio internacional é de menos de 1%, conseqüentemente inexpressivo. Quanto ao nível de nossas reservas, nem é necessário comentar. Mas, se houver criatividade, outros caminhos podem ser tentados, além dos “clássicos”, que mencionei acima. Por exemplo:
– Utilize politicamente as ONG internacionais. Isto já foi feito pelo José Serra em relação ao coquetel anti-aids, e deu certo.
– Faça alianças com outros países emergentes, como a Índia, cujos principais jornais estão cobrando do governo indiano apoio ao Brasil na OMC.
– Utilize o “fórum” do Grupo de Cairns, mas sem se comportar de forma submissa ao comando da Austrália e Nova Zelândia, que são “primus inter pares” no Grupo. Por que ? Só por serem anglo-saxões ?
– Não recorra a bravatas e demagogia, mas trabalhe sério e de forma constante. Os próprios contribuintes americanos e europeus começam a dar inequívocos sinais de descontentamento com a política de subsídios agrícolas que somam mais de US$ 300 bilhões por ano. O momento da virada está próximo. Só desejo que sejamos competentes para não perdermos a chance, que seria o início de nossa alforria econômica.
Espero não ser apedrejado na próxima reunião de economistas a que comparecer,pelo que vou dizer: um dos problemas que nós economistas temos em apresentar soluções e propostas viáveis para um país como o Brasil, é que boa parte (inclusive este que vos fala) graduou-se no exterior. Nada contra, do ponto de vista de formação técnica. Mas fato é que muitas vezes pensamos com “cabeça de estrangeiro” – o que resulta em equações que dão certo no Hemisfério Norte, mas não ao sul do Equador. Mas isto é outra história…
O senhor não acha que Lula, como ele mesmo disse em uma reunião com pecuaristas, é o único que tem condições de “segurar o MST”?
CAO: Se ele tem ou não condições de “segurar o MST” não faço a menor idéia. Desconfio que não. Abaixo me alongarei neste assunto. Mas queria dizer que esta declaração do Lula, para mim é lamentável, em todos os sentidos.Primeiro, porque não cabe ao presidente da República “segurar” este ou aquele movimento. Isto é papel da Justiça, através de ações de reintegração de posse, no caso em questão. Assim como cabe aos Governos Estaduais cumprirem ordem judicial. Não o fazendo, como quase sempre ocorre, por lei deveriam sofrer intervenção federal. Aí sim, o presidente da República teria papel constitucional a cumprir.
O que boa parte das pessoas não percebe, ou prefere ignorar, é que uma fazenda não é apenas o ganha pão de uma família. É também seu lar. Uma invasão (ou o neo-eufemismo “ocupação pacífica”), causa não apenas perdas patrimoniais, como também lucro-cessante e danos morais expressivos. E quem indeniza ou já indenizou estas famílias, que viram trabalho de gerações ser destruído sob a complacência dos poderes executivo e judicial?
Em segundo lugar, porque o Lula e todo mundo que é bem informado no Brasil, sabe que o MST não está interessado em reforma agrária e justiça social. O MST, de forma brilhante, diga-se – apropriou-se e adaptou a teoria do filósofo comunista italiano Antonio Gramsci: a “Revolução sem Sangue” (ou quase). Aos líderes do MST não interessa uma Reforma Agrária bem elaborada e bem sucedida (o que até hoje jamais ocorreu). Se isto acontecesse, perderiam suas legiões, sua massa de manobra. O MST é um movimento político cujo objetivo é assumir o Poder. Através de qualquer meio. E o fazem de forma muito inteligente, aliás (embora sem qualquer vestígio de ética):
Não são um Partido Político – e, assim, não podem sofrer sanções da Justiça Eleitoral – embora elejam seus representantes através de outros Partidos.
Não são um Sindicato – e, assim, não podem sofrer sanções da Justiça Trabalhista, como ano passado ocorreu com o Sindicato dos Petroleiros, mas promovem greves, passeatas e invasões a próprios públicos e privados.
Não são uma empresa – e assim, não sofrem fiscalização da Secretaria da Receita Federal.
Quando muito, formam cooperativas. Aí têm pela frente apenas o INCRA. Dispensam-se comentários.
A minha posição pessoal em relação a esta questão é muito simples: a mesma Lei que nos obriga, deve também nos proteger. Não é o que se verifica, lamentavelmente.
Devo complementar dizendo que eu tenho a maior simpatia por todos aqueles, mesmo que membros do MST, acalentam o sonho honesto de terem sua propriedade, e tornarem-se produtores. Não se pode culpar, e muito menos tentar impedir, alguém que quer trabalhar e melhorar de vida. Muito ao contrário, estas pessoas devem ser estimuladas, desde que ajam dentro da lei.
Especificamente em relação à agropecuária: o senhor está pessimista em relação ao Brasil?
CAO: Não, ninguém pode ser pessimista em relação a um país com as características do Brasil, principalmente em referência à agropecuária – onde temos vantagens comparativas imensas em relação a outros países – inclusive em função de um aspecto que só agora começa a ser abordado: água. Embora o planeta tenha 75% de sua área ocupada por mares e oceanos, apenas 3% da água existente na Terra é de água doce. E de 16 a 18% de toda água doce do mundo está aqui, no Brasil. Este vai ser o grande gargalo mundial nos próximos 20 ou 30 anos. Além disso, o brasileiro é um povo extraordinariamente empreendedor. Tire-se de seu ombro o peso do Estado, que já consome 35% de nosso PIB anual, e os resultados aparecerão, rapidamente.
Qual o maior desafio da pecuária de corte brasileira hoje?
CAO: Embora não me julgue especialmente qualificado para responder esta pergunta, creio que é o mesmo da agropecuária brasileira de uma forma geral:
– Aumentar eficiência em todos os aspectos: em custos de produção, em qualidade da produção (inclusive quanto à zôo e fito sanidade), passando pelo “custo Brasil”: transporte, armazenamento, matriz tributária. É justo que se diga que, ainda que muito haja a ser feito, “nós” já estamos cumprindo a nossa parte. Há anos. Resta que os poderes constituídos cumpram a deles.
– Relações comerciais internas injustas, onde o intermediário por vezes ganha muito mais que o agricultor, sem correr os mesmos riscos. A bem da verdade, isto é menos intenso em pecuária de corte.
– Vencer a muralha defensiva dos países do G 7 (os países mais ricos e industrializados do mundo), ou se preferirem: EUA + CEE + Japão. Como já me dediquei extensamente a este respeito, apenas o menciono agora.
Para finalizar, mencione sucintamente, o que mais o preocupa no Brasil de hoje.
CAO: De forma geral, a péssima distribuição de renda. Não há país no mundo que tenha prosperado de forma harmônica e consistente, com o nível de desigualdade existente no Brasil. E melhorar distribuição de renda não significa tirar dos ricos e dar aos pobres. O nome disso é burrice. Distribuição efetiva de renda se alcança com ganhos de produtividade, educação de qualidade, e medidas pontuais de governos para estimular a capilaridade social. Dentro da lei, e dos princípios pétreos da Constituição Federal.
Em relação à agropecuária, receio que, em eventual governo petista o ranço do ressentimento prevaleça sobre o bom senso, e a brilhante trajetória econômica da agropecuária brasileira nos últimos anos seja interrompida. Como é mais fácil destruir do que construir, perseguir do que apoiar – tenho receio que se sucumba a esta tentação.
Não é preciso muito. Duas ou três medidas serão suficientes: Mantenha-se o artigo 12 da MP 66; Aumente-se expressivamente tributação fundiária, partindo do princípio de que tudo que é grande é ruim, independentemente de produtividade, respeito a leis trabalhistas, sociais e ambientais; Por fim, revogue-se a “Lei Kandir”. É o suficiente para por a perder o único segmento realmente superavitário da economia brasileira. Luis Inácio Lula da Silva poderá evitar isto. Mas terá de ser muito firme, pois irá contrariar muita gente que hoje o apóia. Desconfio que ele sabe isto melhor do que ninguém. E que a maior e mais dolorosa “pedra no sapato” dele não serão entidades empresariais como Febraban, FIESP, CNI, CNA, ABCZ, OCB, SRB ou SNA, mas sim, e por ordem: o MST, o Congresso Nacional, e os radicais do próprio PT.
3 Comments
Prezados Criadores,
Ainda que eu seja criador de Nelore e confirme o excelente desenvolvimento genético da raça nos últimos anos, acredito que hoje vivemos uma real “exuberância irracional” no mercado de elite desta Raça.
Os investidores devem ter sempre em mente que os valores alcançados nos principais leilões da raça se dão em razão de um mercado formado por “meia dúzia” de criadores merecidamente consagrados, mas não representa a grande maioria do mercado de elite e, muito menos, o mercado de gado de corte.
O Nelore é a principal raça no Brasil e seus méritos são indiscutíveis, o que confirma a sua valorização. Porém devemos sempre estar atentos, pois muitas vezes a valorização pode evidenciar um distorção de mercado.
Nesse sentido, basta lembrarmos que a pouco tempo diversas raças européias apresentavam cotações expressivas e, hoje, estão atingindo preços equilibrados de acordo com a realidade do mercado.
Prezado Ortenblad
Antes de mais nada, gostaria de parabenizá-lo pela publicação de seus conceitos de administração rural, na apostila que vêm publicando no Beefpoint. Para mim, essa generosidade é um exemplo de produção de capital social, na conceituação de Robert Putnam em seu Making the Democracy Work.
Muito embora seja um veterinário de formação, sempre me preocupei com a economia. Primeiramente a economia da saúde animal (ou da doença, para alguns), depois com a economia da produção e, por conseguinte, com o gerenciamento. Esse interesse acabou, como não poderia deixar de ser, afluindo para a Economia Política – o tema de sua entrevista.
Nela muitas coisas me chamaram a atenção, fora a menção ao arrocho que os funcionários públicos têm sofrido.
Me permito abordar pelo menos uma delas.
Você se refere que a Dívida Pública interna brasileira está perto de 65 % do PIB, muito menos que a da Itália, por exemplo, que estaria em 100% do PIB, e que ela seria “administrável”.
Realmente, os países desenvolvidos carregam um estoque de dívida até maior que a brasileira. A Dívida Interna americana, estaria em torno de 80% do PIB.
No entanto, o outro parâmetro para analisar a importância desse indicador seria seu prazo de vencimento. No caso da dívida americana esse prazo é de 30 anos.
No caso da dívida brasileira, esse prazo é de 35 meses. Minha pergunta é: você sabia desse outro parâmetro de análise? Isto é, você levou este parâmetro em conta no seu conceito de “administrabilidade” da dívida?
Você sabe quantas vezes o governo que se finda aumentou – não apenas reconhencendo dívidas de armário – mas também oferecendo o pagamento de taxas de juros de quase 20% ( que duplicam o estoque em apenas 4 anos) – a dívida do Brasil ?
Se ele estivesse a frente de uma empresa privada – uma fazenda, por xemplo – tivesse vendido tantos ativos quanto vendeu e tivesse aumentado tanta a dívida como aumentou, você o consideraria um bom administrador?
Pergunto ainda: Você vê relação entre o aumento da violência social – os assassinatos e os seqüestros, principalmente – e essa política?
Você conhece o famoso ditado de Joan Robinson? Essa economista, contemporânea de Keynes em Cambridge e autora de The Economics of the Imperfect Competition, disse certa vez: “Você têm que aprender Economia para nâo ser enganado pelos economistas”.
Não é que não confie na ciência econômica – e o livro Os Malefícios da Globalização, de Joseph Stligtz , Premio Nobel de Economia, é um exemplo disso. Mas que o nível já está alto, isto está.
Tive o privilegio de conhecer o Dr. Carlos Arthur Ortenblad, na condição de leiloeiro do leilão PESO PESADO do TABAPUÃ realizado em Uberaba. Sempre destacado pelo trabalho genético na raça em que possui os esteios de linhagem, encontro agora esta pérola de entrevista, que levarei para o Encontro Nacional dos leiloeiros Rurais em Florianópolis.
Parabéns Dr. Carlos, vou refazer meus conceitos sobre a falta de conhecimento dos economistas nos agronegócios.
Guilherme Minssen
Leiloeiro Rural e Zootecnista