Apesar de continuar mergulhada na maior crise de sua história recente, a Argentina conta com pelo menos um setor que se destaca por gerar empregos e vencer dificuldades, como acesso ao crédito: os frigoríficos exportadores de carne bovina.
Depois de registrar casos de febre aftosa em seu rebanho em 2001, a Argentina foi punida com um embargo de suas vendas para a Europa, que durou 11 meses. O país só voltou a exportar em fevereiro deste ano e poucos no mercado apostavam que conseguiria cumprir sua cota de cortes nobres para a região, a chamada cota Hilton.
Mas a desvalorização do peso ante o dólar tornou a carne argentina mais competitiva e os exportadores conseguiram, em cinco meses (de fevereiro a junho), vender grande parte da cota de 28 mil toneladas, válida entre julho de 2001 e junho de 2002. De acordo com a Secretaria de Agricultura e Pecuária platina, o país vendeu 24,8 mil toneladas da cota Hilton no período.
O fim do embargo da Europa serviu para reativar os frigoríficos, que hoje compõem o único ramo em que o emprego cresce no país. Atualmente, o setor emprega 70 mil pessoas, segundo o governo federal. Em comparação com 2001, houve um aumento de 6% na ocupação no setor. Ao todo são 364 frigoríficos, sendo que 70 têm permissão para exportar dentro da cota Hilton.
“Apesar de todas as dificuldades que o país enfrenta para conseguir crédito, o setor de carne vai bem”, diz o consultor da área agrícola, Héctor Huerco. “O preço do gado vivo subiu 70% no mercado interno, mas o dólar aumentou mais e está em torno dos 3,5 pesos. O resultado é que o produto ficou mais competitivo lá fora”, afirma o especialista.
Antes da desvalorização, a tonelada dos cortes nobres na cota Hilton custava cerca de US$ 7 mil. Hoje, está em torno dos US$ 6 mil, segundo Huerco. Mas há negócios por até US$ 4,5 mil por tonelada com a carne argentina, segundo traders brasileiros.
A ampliação em 10 mil toneladas da cota Hilton, que acaba de entrar em vigor e dura até junho de 2003, também está estimulando o setor. Agora, os frigoríficos poderão exportar 38 mil toneladas de cortes nobres para o mercado europeu. A cota Hilton é importante para o país pelos altos preços que atinge, mas os exportadores também querem crescer em outros mercados, como México e Chile.
Para o presidente da Quickfood, líder em exportações de carne bovina na Argentina, Miguel Gorelik, o país tem capacidade para vender mais no exterior. O problema, observa Héctor Huerco, está nas barreiras sanitárias.
Da produção anual de cerca de 2,5 milhões de toneladas de carne bovina, a Argentina exporta apenas 10%. “Podemos multiplicar estas vendas e atender perfeitamente o consumidor argentino”, acredita.
Brasil deve perder receita
Boa notícia para os frigoríficos exportadores da Argentina, a ampliação da cota Hilton do país para 38 mil toneladas preocupa o setor no Brasil, que já fala em queda na receita com as vendas externas este ano devido à concorrência do país vizinho.
Com autorização para vender 38 mil toneladas de cortes nobres para a Europa, a Argentina tem condições de trabalhar com preços médios mais competitivos do que o Brasil, que tem uma cota de apenas cinco mil toneladas, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (Abiec), Ênio Marques.
Ele explica que na hora de negociar os preços são levados em conta também outros regimes de exportação de carne bovina para a Europa. Assim, os importadores conseguem negociar preços menores na cota Hilton e pressionam para que o Brasil também reduza suas cotações.
Além disso, a Argentina está mais competitiva que o Brasil devido à desvalorização do peso em relação ao dólar. Enquanto a arroba do boi na Argentina equivale a US$ 11,00, no Brasil está em cerca de US$ 15, de acordo com o consultor da FNP, José Vicente Ferraz.
Para o presidente da Abiec, Edivar Queiroz, o aumento da cota Hilton para a Argentina pode gerar uma queda de até 10% na receita das exportações brasileiras de carne bovina, que em 2001 alcançaram US$ 1,01 bilhão.
Para conseguir vender 24,8 mil toneladas em apenas cinco meses, os argentinos recorreram a uma política agressiva de preços. Iniciada a nova cota este mês, a política é a mesma.
Segundo um trader, frigoríficos argentinos negociaram a tonelada por US$ 4,3 mil na semana passada. O preço do produto brasileiro é 5% menor. Tradicionalmente, os cortes nobres da cota Hilton giram em torno de US$ 6 mil/tonelada.
Ele acredita que, para conseguir cumprir a cota maior, a Argentina terá de recorrer novamente a um expediente utilizado entre fevereiro e junho deste ano: exportar cortes menos nobres, como coxão mole e coxão duro, dentro da cota. Normalmente, o que se vende é o chamado “rump and loin” (alcatra, contrafilé e filé).
Para Ferraz, o desempenho da receita com as vendas brasileiras vai depender do comportamento do câmbio no Brasil. Segundo ele, é preciso considerar também o efeito da desvalorização na Argentina que, gerando inflação, poderia deixar a carne da região menos competitiva.
Fonte: Valor On Line (por Marcia Carmo e Alda do Amaral Rocha), adaptado por Equipe BeefPoint