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Carne orgânica no Pantanal: sustentabilidade, agregação de valor e comprometimento

Fui conhecer o Pantanal e a pecuária orgânica desenvolvida lá. Para que a relação pecuarista-ambientalista aconteça, e continue, é fundamental que exista confiança, comprometimento e alinhamento de objetivos. Para nenhum dos lados "é fácil" seguir esse trabalho. Estão quebrando paradigmas nos dois setores. Acredito firmemente que o sucesso do trabalho de pecuaristas que visam produzir e de ambientalistas que visam preservar passa por esse alinhamento. Só um trabalho conjunto terá sucesso. A linha de trabalho com mais chances de sucesso passa por uma saída de mercado. É preciso agregar valor.

Fui conhecer o Pantanal e a pecuária orgânica desenvolvida lá. Há tempos queria entender com mais detalhes como era o sistema de produção, numa região com muitas peculiaridades. Queria aprender como era a relação pecuarista-ambientalista.

Seria possível criar uma carne com selo diferenciado, preservar o meio-ambiente e ter lucro, tudo isso ao mesmo tempo? Compartilho com você, nas linhas a seguir, minhas impressões sobre pecuária no pantanal, carne orgânica e sustentabilidade.

Sustentabilidade

O tema sustentabilidade já está na agenda da cadeia da carne, por bem ou por mal. As discussões sobre sustentabilidade impactam cada vez mais diretamente todo o setor. O acesso a financiamentos, a mercados será cada vez mais dependente de provarmos que o dever de casa foi feito. E ainda, a possibilidade de valorização (ou desvalorização) do produto carne bovina, dependendo de como ele é avaliado pelo consumidor.

Está cada vez mais claro que a sustentabilidade passa por três pilares básicos: econômico, social e ambiental. Já existe até uma sigla: 3Ps, em inglês, profit (lucro), people (pessoas), planet (planeta). Um projeto hoje, em qualquer atividade econômica, deve se preocupar com esses 3Ps, até mesmo se quiser maximizar o lucro, no médio longo prazo.

No entanto, a visão “antiga” de muitos ambientalistas é de que a preservação é o primeiro passo. Antes de tudo é preciso cuidar do meio ambiente. Já vejo o contrário acontecer. Especialistas em sustentabilidade já falam que o ponto principal é o lucro. Afirmam que o lucro vai “rebocar” a atenção as pessoas e ao planeta.

Por esse motivo, a WWF apóia uma atividade produtiva. A entidade quer que os pecuaristas ganhem mais dinheiro com a carne orgânica do que com a não-certificada. Acreditam que esse sobre-preço que o mercado paga, é a melhor forma de preservar.

Agregando valor

A definição clássica de agregação de valor é conseguir mudar o produto, de forma a aumentar mais a disposição do cliente em pagar, do que o aumento de custos. Ou seja, o benefício precisa ser maior que o custo.

A Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO) está buscando agregar valor a carne bovina produzida no Pantanal por meio da certificação orgânica, da promoção dos diferenciais do sistema de produção (cuidado com ambiente e responsabilidade social) e também com a divulgação da região, que tem um excelente potencial turístico.

A carne orgânica do Pantanal, além de todos os diferenciais que a certificação busca agregar, é produzida num local onde você pode passar férias. Como em outros locais do mundo, unir beleza natural é uma forma inteligente de se vender melhor outros produtos.

Unindo certificação de processos, alinhamento com os desejos dos consumidores mais exigentes do mundo e paisagem única, os produtores de carne orgânica querem vender mais do que um alimento. Vendem uma experiência, coisa que as marcas de maior sucesso comercial fazem.

Comprometimento

Em minha visita, Leonardo Barros, presidente da ABPO, deu uma declaração muito interessante e pertinente. Ele disse que a relação entre os pecuaristas da ABPO e os ambientalistas da WWF requer um grande comprometimento.

De um lado, os pecuaristas, entre seus pares, são “cobrados”, questionados por desenvolver trabalhos em parceria com entidades e profissionais que normalmente são tachados de “inimigos”, de “eco-chatos”, de “entraves” a produção.

Do outro lado, os ambientalistas são cobrados, por seus pares, por incentivarem e apoiarem a pecuária de corte, que é muito mal vista por muitos nesse meio.

Para que essa relação pecuarista-ambientalista aconteça, e continue, é fundamental que exista confiança, comprometimento e alinhamento de objetivos. Achei interessantíssima essa declaração do presidente da ABPO, e do endosso dessa fala pela equipe da WWF. Para nenhum dos lados “é fácil” seguir esse trabalho. Estão quebrando paradigmas nos dois setores.

Acredito firmemente que o sucesso do trabalho de pecuaristas que visam produzir e de ambientalistas que visam preservar passa por esse alinhamento. Só um trabalho conjunto terá sucesso. A linha de trabalho com mais chances de sucesso passa por uma saída de mercado. É preciso agregar (aumentar) o valor da produção pecuária que respeita o meio-ambiente, que é socialmente responsável.

Um exemplo, uma inspiração, não uma receita

Buscar exemplos de sucesso, que provam haver saídas, que inspiram outros produtores é extremamente importante. A produção de carne orgânica no pantanal sul-matogrossense é um exemplo bem sucedido dessa busca por aumentar a sustentabilidade da cadeia, e ao mesmo tempo melhorar sua rentabilidade. Ainda há muito a ser feito, mas estão no rumo certo.

Acredito que esse projeto de pecuária sustentável no pantanal do MS seja um exemplo a ser seguido. Não a ser copiado. Que sirva como inspiração para outros produtores, outros ambientalistas, que nas suas regiões, nas suas realidades, vão procurar desenvolver um trabalho de sucesso.

Copiar passo-a-passo o que está sendo feito provavelmente não dará certo. É preciso entender o que é feito em cada etapa. Procurar aprender com os erros e acertos. E a partir daí, aplicar essa experiência, esse conhecimento e sabedoria em outras regiões.

O desafio da sustentabilidade é um desafio de toda a cadeia da carne. Estará cada dia mais na agenda do setor. Atuando de forma pró-ativa, há a oportunidade de sairmos na frente, mostrando que o Brasil pode ser um líder na produção sustentável de carne bovina para o mundo.

Que o projeto carne orgânica do pantanal seja uma inspiração a outros projetos.

Viajei a convite da ABPO e da WWF para conhecer a pecuária de corte no pantanal sul-matogrossense. Essas são minhas primeiras impressões sobre a viagem.

0 Comments

  1. Rada Saleh disse:

    PSC

  2. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Todas as partes, pecuaristas, ambientalistas e consumidores, precisam encontrar conjuntamente um equilibrio sustentável. Nenhum parte envolvida pode ignorar as outras, sob pena de lutar em vão e não atingir seus reais objetivos. Parabéns pelas iniciaticas nesta direção.

  3. Geralda Magela disse:

    Olá, Miguel,
    Vi hoje o seu artigo sobre a pecuária orgânica no Pantanal.
    Ficou muito bom. Parabéns!!
    Um abraço,
    Geralda

  4. Claudio Maluf Haddad disse:

    Miguel, você descreveu com muita propriedade o que ocorre entre os novos ambientalistas da ABPO e os novos pecuaristas do WWF.

    Realmente conciliar produção e preservação não é sonho de alguns, mas realidade para muitos.

    Também chamou atenção o fato de salientar que é um nicho de mercado, com particularidades válidas para o Pantanal, mas com princípios a serem aplicados e adaptados a diferentes partes do País.

    Parabéns a você, ao Leonardo e todo o pessoal pantaneiro envolvido nesse Projeto. Quando muitos falam em sustentabilidade nesse momento, vemos outros que a praticam há muito tempo.

    Parabéns novamente.

  5. Maurício Prestes Bragagnollo disse:

    Caro Miguel, muito interessante este assunto que o senhor teve a oportunidade de conhecer e repassar para nós leitores. Como é bom saber que pecuaristas e ambientalistas trabalham juntos com o mesmo objetivo de produzir mas sem interferir no meio, acho que essa idéia tem que ser passada adiante de sul a norte do nosso país, fazendo com que todas as propriedades possam produzir mas priorizando o meio ambiente,

    Parabéns pelo assunto e sucesso para a pecuária orgânica do Pantanal!

  6. lucas lopes moino disse:

    Sobre este assunto, um fato interessante:

    Na semana passada o ministro do Meio Ambiente (Carlos Minc) reclamou ao presidente Lula que sua pasta estaria sendo desrespeitada. Ou seja, acordos na área ambiental não estariam sendo cumpridos (segundo Minc, por incentivo de colegas de outras pastas).

    Há, na minha opinião, uma concepção equivocada de produtividade (quando esta acontece em detrimento da sustentabilidade). O conceito de sustentebilidade está (diretamente) ligado à responsabilidade social e ambiental. Portanto, produzir (riqueza e/ou lucro) sem considerar a sustentabilidade do sistema é produzir de maneira irresponsável. E isso é inaceitável.

    Não me entendam mal, não sou um ecofreak ou coisa do gênero. Até descordo das políticas ambientais ultra-radicais. Sou contra a novela das liberações de licensas ambientais para obras essenciais para o país. Fato é que a relação está muito desequilibrada e pende demais para o lado da pseudo-produtividade que não se sustenta no long-term.

    As empresas que permutam sustentabiliadade (responsabilidade) em troca de vendas ou acesso a determinados mercados mostram sinais claros de imaturidade. São claramente condicionadas a operar sob determinadas diretrizes, sob pena de ficarem de castigo.

    Produzir e agir de forma responsável em relação ao meio ambiente e à sociedade é a única maneira de criar riqueza e de gerar lucros. A diferença está na forma como estarão (riqueza e lucro) distribuídos ao longo do tempo e na sociedade.

    Uma boa semama, Lucas.

  7. Paulo Cesar Bastos disse:

    Prezado Miguel Cavalcanti

    O seu editorial, mais uma vez, é atualizado e ajustado às novas equações que vem sendo analisadas para uma melhor qualidade e garantia de vida em nosso planeta.

    O desenvolvimento sustentável não é uma utopia é uma necessidade da nova sociedade. A sustentabilidade, no entanto, precisa ser apoiada, sustentada, e para isso necessita dos três pilares básicos, sendo economicamente viável, ambientalmente correta e socialmente justa. Não se trata de sonho poético mas de um olhar pragmático para o futuro. Isto precisa, sempre, ser dito.

    As vendas dos produtos orgânicos, no mundo, aumentaram 57% de 2002 a 2006, diz o relatório “The World Of Organic Agriculture: Statistics and Emerging Trends” de 2008. EUA e a União Europeia são responsáveis por mais de 90% do consumo mundial dos orgânicos. A produção, no entanto, está espalhada por todos os continentes. Apesar da crise, a demanda europeia e americana tendem a crescer e superar, por enquanto, a oferta. Aí está a nossa chance.

    Para o Brasil as perspectivas são excelentes. São oportunidades que se apresentam, principalmente, para a agricultura familiar com aspectos vantajosos para gerar trabalho e mais renda com sistemas produtivos que preservam o meio ambiente promovendo progresso e melhor qualidade de vida. Olhe aí os três pilares, os 3P.

    Para a bovinocultura as oportunidades são mais diversificadas e podem contemplar desde a criação familiar até estruturas empresariais mais sofisticadas. Existe lugar para todos. Precisamos, no entanto, de mentalidades inovadoras que permitam desenvolver a criatividade no sentido de aproveitar o que a natureza nos legou, pastagens naturais, e a tecnologia implementou, as cultivadas. Enfim, o boi de capim.

    Carecemos, no entanto, de um aprimoramento produtivo e de cultura de negócios que estimule o associativismo e o empreendorismo saudável com o fim de desenvolver a capacitação, a cooperação, a comunicação, o comprometimento e a confiança que formam os 5C, as modernas ferramentas que construirão o novo caminho do Brasil através da trilha do progresso interiorizado e de forma sustentável.

    O sertão não virou mar, mas produz a comida de quem vive na beira do mar. O exemplo do pantanal, como dito, não deve ser receita, mas sim inspiração. As tecnologias geradas com os conhecimentos locais não devem ser replicadas, mas podem ser adaptadas, regionalizadas, aclimatadas e reaplicadas.

    Vale lembrar outra variável fundamental para encontrar a raiz da equação do progresso que é a interação do saber científico e acadêmico com as demandas tecnológicas do setor produtivo, a sistematização dos conhecimentos tradicionais e a definição das estratégias e soluções tecnológicas sustentáveis.

    Vamos continuar avançando e cultivando a esperança de que as idéias criativas e as atitudes inovadoras nos ajudem a construir um Brasil democrático, livre, desenvolvido e justo.

    Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil e produtor rural.