Densidade e perdas em silos tubulares envolvidos com lona plástica (“tipo bag”)
16 de janeiro de 2003
Brasil começa a exportar carne diretamente para a China
20 de janeiro de 2003

Carne sabor Brasil: o desafio 2003

Por Miguel da Rocha Cavalcanti1

A cadeia da carne vem evoluindo rapidamente nos últimos anos e em 2002 não foi diferente. Apesar de todos os problemas internos e externos, batemos novamente o recorde de exportações, superando as expectativas brasileiras e internacionais.

O departamento de agricultura norte-americano esperava que o Brasil exportasse 838 mil toneladas de equivalente carcaça em 2002. Enviamos ao exterior 870 mil toneladas. Além disso, estamos melhorando a produtividade de nossos rebanhos e aumentando o controle sanitário de diversas doenças. Campanhas de vacinação contra aftosa foram muito bem sucedidas.

Aumentar a produtividade, o tamanho do nosso rebanho e bater recordes de exportação nos coloca em outro patamar no cenário mundial do mercado da carne bovina. Estamos buscando ser o maior exportador de carne bovina do mundo.

No entanto, todas essas conquistas e essa expectativa de se tornar o “maior do mundo” nos traz a responsabilidade de agir de maneira pró-ativa, antevendo ameaças e aproveitando oportunidades.

Em meu primeiro comentário de 2003 gostaria de colocar algumas sugestões do que deveríamos fazer para trilhar essa busca pela excelência no mercado da carne bovina.

Controle sanitário

As principais regiões produtoras do Brasil vêm desempenhando um excelente trabalho de prevenção da aftosa. Mais da metade do território nacional é livre da doença e a grande maioria do rebanho brasileiro está nessas regiões. No entanto, devemos olhar o Brasil como um todo para poder almejar os principais mercados mundiais.

Em notícia publicada dia 15/01/2003 (última quarta-feira) mostrou-se a demanda esperada de vacinas para 2003. A indústria de produtos veterinários está muito bem preparada para atender nossas necessidades e tudo indica que teremos um ano de mais avanços na erradicação da aftosa. Mas um pequeno detalhe nos chama a atenção: alguns estados do Nordeste brasileiro tiveram venda de vacinas em torno de 10 a 20% da demanda calculada, que é baseada no tamanho do rebanho desses estados.

Assim como o MS auxilia o Paraguai e o MT auxilia a Bolívia no controle da aftosa devemos nos esforçar para que tenhamos uma taxa de vacinação em estados como o Ceará acima de 85% (o mínimo recomendado pela OIE), como já acontece há tempos no MS, SP, GO, etc. A meta da cadeia da carne é ter o Brasil livre da aftosa no fim de 2004.

Devemos também buscar uma maior eficiência em programas de erradicação da raiva, programa de controle de brucelose e tuberculose. O status de excelência em controle sanitário é apenas o primeiro passo na busca de acesso aos melhores mercados, e as exigências vão aumentar.

Rastreabilidade

Vários ajustes precisam ser feitos para a rastreabilidade realmente dar certo no Brasil. O ano passado foi marcado por uma grande discussão sobre o assunto. Fazendo-se uma busca no BeefPoint é possível encontrar um grande número de artigos sobre o tema. Sugiro a leitura de 2 bem recentes: o comentário semanal da semana passada do Prof Celso Boin e o artigo de Nelson Pineda na seção Espaço aberto

A rastreabilidade será muito importante como um certificado de garantia do nosso sistema de produção, origem do nosso gado e controle sanitário. Além disso, a coleta de informações para a certificação permitirá ganhos de eficiência nas propriedades. O que vem sendo feito até o momento, isto é, a identificação e certificação pouco antes do abate, não está trazendo nenhum benefício e poderá abalar nossa credibilidade. Além disso, a aceitação dessa prática tem prejudicado o desenvolvimento e implantação de sistemas de controle mais completos, que trarão reais ganhos para a cadeia. Ganhos de eficiência e credibilidade.

Empresas de identificação têm notado uma evolução muito interessante nos últimos meses. A procura por uma identificação mais eficiente dos animais e um controle mais individualizado têm crescido muito. Isso é muito positivo pois indica que os produtores estão buscando melhorar o gerenciamento do rebanho e sua lucratividade. No entanto, a demanda por brincos “oficiais”, isto é, com número do SISBOV ainda é muito pequena, o que mostra que mesmo os produtores mais tecnificados, que estão buscando essa melhora de eficiência, ainda não “compraram” a idéia da rastreabilidade.

Novas ameaças

Devemos estar preocupados também com recentes mudanças no comportamento dos consumidores e em normas e leis internacionais. O Brasil, ao ocupar uma posição de destaque no mercado mundial, só irá aumentar as exigências em relação aos nossos produtos, pois a cada dia ganhamos novos mercados e deixamos nossos competidores mais preocupados. É ingênuo pensar que não sofreremos mais e maiores barreiras e embargos por parte da Comunidade européia, EUA, Canadá, Japão, etc.

Toda a cadeia da carne deve estar preparada para oferecer produtos dentro dos padrões mais rígidos de respeito ao meio-ambiente, responsabilidade social e bem-estar animal.

O que nos anima é que já existem alguns bons exemplos de projetos preocupados com essas novas ameaças, que podem nos abrir nichos de mercado mais exigentes e que remuneram melhor, caso essas exigências sejam atendidas de forma rápida e eficiente.

Hoje, temos programas para HACCP e GMP em frigoríficos, produção certificada de carne orgânica em diversos estados, grupos de estudo e consultores em bem-estar animal, empresas certificadas com programas sérios de responsabilidade social e respeito ao meio-ambiente. Tudo isso deve ser estimulado para que alcance mais e mais empresas, da fazenda ao varejo.

Novos canais de distribuição

Esse ano devemos investir mais de R$ 10 milhões em promoção de nossa carne no exterior. Em breve devemos ter uma campanha de divulgação das qualidades nutricionais da carne bovina em São Paulo, num programa patrocinado pelo MAPA e coordenado pelo SIC.

Além disso, devemos buscar a criação de novos canais de distribuição de carne no Brasil e exterior. Novas formas de comercialização que permitam um contato mais direto entre os elos da cadeia, fazendo com que a produção seja direcionada pelos consumidores. Hoje nossa carne é vendida no exterior sem que tenhamos nenhum contato com o consumidor final, que nem sabe que o bife que está comendo é produzido no Brasil. Isso traz dois grandes problemas: 1 – o consumidor não conhece e valoriza o que é produzido aqui; 2 – não conseguimos oferecer um produto mais customizado e com maior valor, pois não conhecemos as necessidades do consumidor. Quem produz não conhece quem consome e vice-versa, resultado: preço de commodity para nossa carne.

O grande desafio

Estamos dando um grande salto quantitativo, mas podemos e devemos buscar a excelência em qualidade. Temos que definitivamente que lançar a Carne Sabor Brasil.

Porque a picanha argentina é mais valorizada em nossas churascarias, se podemos produzir aqui no Brasil um corte tão bom ou melhor? Porque o italiano ou o alemão não sabem que o Brasil produz carne bovina, muito menos que nossa fraldinha é de qualidade?

O Brasil, com sua cultura, tradições, exotismo, temperos e sabores tem uma imagem que é apreciada e admirada no exterior. Além disso, hoje os pratos étnicos são uma grande tendência na gastronomia.

Devemos aproveitar essa imagem do Brasil para vender de forma mais eficiente e lucrativa nossos produtos no exterior. Nossas belezas naturais, nossos pratos típicos e várias celebridades brasileiras podem e deveriam ser utilizadas para promover o que é produzido no Brasil.

Temos oportunidades únicas em diversos setores. Qual o estrangeiro que não se surpreendeu ao degustar sua primeira caipirinha? A goiaba foi considerada uma das frutas mais completas do mundo para consumo humano por uma instituição americana. O Pelé e o Ronaldinho poderiam ser nossos garotos propaganda, novelas da Globo poderiam mostrar produtos genuinamente brasileiros. As possibilidades são inúmeras.

Estamos frente ao grande desafio de tomar a dianteira do mercado mundial de carne, além de termos todo o potencial de produzir com alta qualidade, em sintonia com tendências de consumidores como a busca pelo sabor natureza. E quem não gostaria de ver a Gisele Bündchen dizendo mundo afora: Reforce sua beleza comendo carne brasileira?

Desejo a todos um 2003 com muita Carne Sabor Brasil!

_________________________
1Miguel da Rocha Cavalcanti é engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.

0 Comments

  1. Andrea Verissimo disse:

    Miguel, parabéns pelo teu artigo.

    Concordo que temos de criar uma imagem para a carne que não seja somente a forma de alimentação dos animais (pois a maioria dos países hoje alega alimentar somente a pasto), e o “boi natural” também é uma moda que pode não perdurar.

    A idéia de carne “sabor brasil” é interessante e não seria contestada.

    Acho importante ampliar a discussão sobre o assunto.

  2. Felisberto Brant de Carvalho Neto disse:

    Miguel, parabéns pelo trabalho!!!

  3. Maria Lucia R. de Moraes disse:

    Como sempre, ótimo o artigo de Miguel Cavalcanti!

    Parabéns a ele e ao Beefpoint pelo alto valor de conteúdo do artigo “Carne sabor Brasil”!

    É muito bom quando vemos propostas de soluções para um Brasil melhor em vez de reclamações e listas de problemas.

    Precisamos agora é divulgar para as autoridades e todos os usuários interessados artigos como esse!

  4. Paulo E. F. Loureiro disse:

    Caro Miguel,

    Parabéns pela clareza com que apresentou seus pontos de vista.

    Um abraço,

    Paulo

  5. Angélica Simone Cravo Pereira disse:

    Parabéns pelo artigo.

    Gostaria somente de complementar destacando a importância da idade de abate do animal, bom acabamento da carcaça, que resulta em acabamento ideal da espessura de gordura subcutânea, temperaturas controladas nas câmaras frias e outros fatores que devem ser considerados para chegarmos a um produto com tal qualidade e sabor.