Por Miguel da Rocha Cavalcanti1
Em meu último comentário (Carne Sabor Brasil: o desafio 2003) coloquei alguns pontos que acredito serem importantes para que o Brasil busque a liderança no mercado mundial de carne bovina.
O avanço brasileiro está surpreendendo a todos. Em outubro de 2002 o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) publicou um relatório sobre perspectivas do mercado mundial de carne. Segundo os dados desse relatório, o Brasil iria exportar 838 mil toneladas de carne em 2002 e 925 mil em 2003. Essa semana os dados oficiais foram divulgados, mostrando que o Brasil exportou um recorde de 928 mil toneladas de equivalente carcaça em 2002, muito acima das expectativas para 2002 e acima das previsões para 2003.
A forte entrada do Brasil no mercado internacional é explicada principalmente pelos baixos custos da carne brasileira. Como já foi dito nesse espaço, não há país no mundo capaz de produzir grande quantidade de carne com custo tão competitivo como nosso país.
É inegável que começamos a incomodar nossos competidores e isso será um fator complicador nos próximos anos, se quisermos aumentar nossa atividade comercial. Os EUA já percebem que a carne bovina será a terceira onda. Depois do frango e do suíno, a carne bovina é o terceiro produto em que os EUA terão problemas de competitividade com o Brasil no mercado internacional. A Austrália já percebe que o Brasil atrapalha em mercados marginais, como por exemplo nas Filipinas. Veja matéria do dia 20/11/2002 (Processadores das Filipinas começarão a comprar carne bovina do Brasil e da Argentina)
Com o avanço do controle de doenças no Brasil e com a gradativa queda das barreiras comerciais, surgirão novos tipos de barreiras que poderão ser um grande empecilho ao acesso brasileiro a mercados internacionais.
A primeira barreira será a qualidade. Consumidores em todo o mundo estão cada dia mais exigentes e se preocupam com sabor, higiene, método de produção dos alimentos consumidos. Em alguns mercados específicos, quem compra quer saber se foi produzido com respeito ao meio ambiente, se houve trabalho infantil, se o produtor recebeu uma quantia justa pelo produzido. Além de procurar um alimento saudável, saboroso e nutritivo.
A própria oferta de produtos com mais características, com maior qualidade torna os consumidores mais exigentes. Com o tempo, o que é novidade hoje e é vendido mais caro, será o produto “comum” de amanhã. É preciso buscar a inovação contínua. Nesse campo, a cadeia da carne mal começou a andar, e o caminho é bem longo.
É preciso estar preparado para todo tipo de mudança. Uma recente pesquisa americana mostrou que adolescentes americanas consideram o vegetarianismo uma prática interessante (cool ou legal na linguagem dessas meninas de 13-15 anos). O que mais chamou a atenção nessa pesquisa foi que essa aceitação está aumentando.
A NCBA (Associação Americana de Criadores de Gado de Corte) lançou uma campanha de promoção da carne bovina direcionada para esse público, com o objetivo de reverter essa tendência. Foi lançado um site www.cool-2b-real.com onde várias atividades estão disponíveis para garotas dessa idade, como envio de cartões eletrônicos temáticos. O efeito tem sido bom, e gerou inclusive uma matéria na revista TIME. Essa ação pró-ativa deve ser aprendida por nós, aqui no Brasil.
A Argentina anunciou essa semana que finalmente irá criar seu Instituto de Promoção de Carne, com o objetivo de fomentar o consumo no mercado interno e externo. Além disso, hoje já exporta para 58 países. Escócia e Irlanda já divulgaram seus planos para divulgar o diferencial de seus produtos no exterior em 2003.
É preciso atuar de maneira inteligente a fim de tornar a carne brasileira conhecida como de alta qualidade. Nossos concorrentes já divulgam as qualidades de seus produtos muito bem e há bastante tempo. E estão mais atentos aos nossos movimentos no exterior, pois estamos crescendo mais rápido que imaginavam.
Posicionamento é a maneira como seus consumidores percebem seu produto. Hoje a carne do Brasil é percebida apenas como produtor de carne barata. Um leitor australiano do BeefPoint comentou o artigo Carne Sabor Brasil: o desafio 2003, dizendo que gostaria de vir ao Brasil em breve e comer um steak de alta qualidade, mas ele poderia trazer a carne diretamente do seu país, caso não produzíssemos aqui steaks de alta qualidade.
A parte boa dessa história é que hoje produzimos carne de alta qualidade; basta controlar a produção. A parte ruim (nosso desafio) é que precisamos tornar esse fato conhecido aqui e no exterior.
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1Miguel da Rocha Cavalcanti é engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.