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Cenário atual da pecuária e possíveis mudanças

A Irlanda, tradicional exportador de carne bovina aos demais países da Europa, vem sofrendo forte concorrência com os produtos da América do Sul, em especial do Brasil. Os supermercados na Europa têm aumentado fortemente as compras de carne brasileira, a preços imbatíveis pelos produtores irlandeses.

A Irlanda tem feito seguidas visitas ao Brasil para conhecer melhor seu concorrente. E já existem até empresas se instalando no Brasil, para operar nq exportação de carne, inicialmente apenas comprando, mas agora também operando frigoríficos e buscando estabelecer um formato diferente de relacionamento com fornecedores (produtores de gado de corte), para atender segmentos de mercado na Europa.

Uma parte considerável das visitas feitas ao Brasil, no entanto, têm outro objetivo principal: conhecer as fraquezas brasileiras e entender se o discurso brasileiro na Europa é condizente com o praticado aqui. Nesse ponto, essas visitas têm sido um sucesso, pois o Brasil não conseguiu ainda controlar seus inimigos internos.

Aftosa

A aftosa, com suas idas e vindas no PR e MS, é um prato cheio para quem busca informações prejudiciais ao Brasil. O mais estranho é que o setor atualmente mais tem combatido as fraquezas relacionadas a segurança sanitária não é a pecuária de corte, mas a cadeia produtiva de suínos, em especial a Abipecs (Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína), representada por seu presidente executivo, Pedro de Camargo Neto. Ponto para os irlandeses.

Rastreabilidade

Outro problema que ronda o Brasil desde o ano 2000 é a rastreabilidade. A quase totalidade das indústrias mundiais de alimentos concorda que a rastreabilidade é uma necessidade atual e que sua importância deve aumentar ainda mais. Outros setores não-alimentícios, preocupados com a segurança de seus produtos, também buscam reforçar suas garantias contra possíveis problemas implantando certificação de processos e rastreabilidade.

No entanto, as dificuldades de diálogo ainda não permitiram o avanço de uma rastreabilidade que assegure a posição brasileira no mercado mundial. O que temos hoje parece agradar a poucos: recebe críticas do exterior (nossos clientes) e convive com uma grande insatisfação por parte dos pecuaristas, que não conseguem perceber, em sua maioria, valor ou utilidade em realizar o trabalho de identificação e cadastro no banco de dados do Sisbov.

O setor não consegue chegar a um consenso, colocando em funcionamento um sistema simples, funcional e sem falhas ou fraudes. Parece não haver vontade política. Outro ponto para os irlandeses.

A fragilidade sanitária (aftosa) e a rastreabilidade parecem ser as duas principais ameaças a posição brasileira de maior exportador mundial. Será que nosso sistema produtivo “passa” por uma auditoria externa? Da maneira que estamos (é só atentar para o que aconteceu desde outubro/05), é muito fácil ver nosso trabalho sumir, como areia entre os dedos.

O mercado é dinâmico e com a globalização tende a ser ainda mais. Uma mudança nos indicadores mundiais influencia nosso mercado. O dólar subiu, o boi no futuro sobe, insumos tendem a subir. Economia cresce, demanda por carne bovina deve crescer. Países muito populosos estão enriquecendo, demanda mundial por carne bovina deve aumentar. Ao analisarmos os principais indicadores mundiais, o cenário é positivo para o Brasil. A população e a renda per capita mundiais vão crescer nos próximos anos e puxarão a demanda por proteína animal, que o Brasil tem as maiores vantagens comparativas.

No entanto, nem tudo é tão simples, pois não se reparte custos, receitas, lucros e prejuízos igualmente. O que temos visto com a crise da aftosa é que quando temos revezes, o mais fraco fica com a maior parte do prejuízo. Quando temos ganhos, o elo mais forte fica com a maior parte do lucro. Uma pergunta que os produtores devem fazer é: O que temos feito para aumentar a força do elo produtivo na cadeia da carne?

Mercado do boi

No mercado os preços do gado gordo e do bezerro indicam uma mudança de cenário. Desde o início do ano os preços do boi gordo acumulam queda de mais 6% enquanto o preço do bezerro já subiu mais de 9%. Com isso, a relação de troca caiu 14% desde o primeiro dia útil do ano. No gráfico abaixo podemos observar a evolução dos preços do boi gordo, bezerro, com preço de 02/01/2006 como base 100 e relação de troca.

Gráfico 1: preços do boi gordo e bezerro e relação de troca


Fonte: Cepea/Esalq, elaboração BeefPoint

Um ponto importante de analisarmos é se essa mudança de relações de troca indica a possibilidade de redução da oferta e consequente maiores preços. Os maiores preços do bezerro serão repassados pelos invernistas e absorvidos por frigoríficos, varejo e importadores? Ou teremos uma inversão de situação, onde a baixa lucratividade dos criadores será repassada aos invernistas?

Mudança

Da mesma forma que é preciso uma mudança de atitude por parte de todos os envolvidos na cadeia da carne para melhoria da segurança sanitária e rastreabilidade, também é preciso buscar entender quais os fatores que influem na formação de preços de boi gordo.

Fatores externos podem influenciar positivamente a cadeia da carne como um todo. No entanto, uma maior lucratividade do elo produtivo dificilmente se originará exclusivamente de mudanças na conjuntura, sem depender de mudanças na atuação dos próprios pecuaristas e lideranças.

O que temos feito para mudar o cenário da pecuária de corte? Maior controle de custos e mais eficiência na produção? Rastreabilidade efetiva? Atuação junto ao governo? Organização de produtores? Dê sua opinião, na seção cartas do leitor.

0 Comments

  1. Francisco Vila disse:

    Caro Miguel,

    Seu Editorial é rico em perspectivas, avaliações e fatos. Assim, não é fácil responder ao convite de produzir uma opinião conclusiva sobre um provável cenário para a pecuária brasileira. No entanto, alguns pontos podem ser aprofundados.

    1. As visitas dos irlandeses não devem preocupar de uma forma substancial. O motivo é o real cenário do rearranjo do mercado europeu da carne bovina. Em 1995 a EU (dos 25 países) exportou 1,1 mi toneladas e importou 350.000 toneladas. Em 2005 estes números passaram para 370.000 toneladas e para 550.000 toneladas respectivamente. Ou seja, em apenas uma década, as exportações européias murcharam para 1/3 do volume e as importações cresceram em torno de 50%. Por outro lado, ninguém compra carne do Brasil por motivos que não sejam exclusivamente econômicos. Mesmo após mais a vitória na Copa, os torcedores britânicos não vão deixar de comer carne do campeão, pois nem sabem a origem dos pacotes nas prateleiras inferiores das gôndolas dos seus supermercados. Porém, a visita dos inspetores deve nos lembrar que falta ainda muito para conquistarmos também o título de ‘campeão de carne’.

    2. Outro ponto é a escolha do foco da atuação gerencial dos pecuaristas. Enquanto existem muitos problemas internos e faltam estratégias pare conhecer melhor e reduzir os nossos custos de produção na fazenda parece pouco eficiente correr atrás de alguns irlandeses chatos. Como referiu muito bem, o ‘inimigo’ está, e precisa ser combatido, aqui dentro.

    3. Todos devem concordar com um panorama interessante para o crescimento da demanda global por carne bovina. No entanto, isto resolve apenas uma metade da questão. A outra tem a ver com a oferta. Se for feito o que você postula (com toda razão), nos requisitos ‘eficiência de produção’ podemos esperar que o aumento da oferta de animais para o abate ultrapasse estruturalmente o crescimento da demanda. O resultado é óbvio, estagnação dos preços reais.

    4. É pouco provável que o setor como um todo tenha condições de reagir de forma mais rápida e flexível às movimentações do mercado. Isto tem a ver com duas características típicas da bovinocultura. Primeiro, o universo dos agentes econômicos (produtores) que compõe a ‘oferta agregada’ é grande demais para obter uma ação concertada. Os resultados das reuniões dos produtores em 2005 retratam bem esta realidade de uma ‘estrutura pulverizada’ do lado da oferta. Outro aspecto é o ritmo do ciclo bovino. O tempo que passa entre uma decisão de mudança e o impacto desta medida na oferta de animais no mercado é extenso demais para poder responder com eficácia às oscilações conjunturais (dólar, seca, crise econômica).

    Resumindo, as reflexões sobre os possíveis e prováveis cenários do setor são exercícios necessários para a correção das linhas estratégicas do Plano de Negócio em curso em nossa propriedade. Mas, eles dificilmente vão nos dar alguma luz sobre se devemos confinar ou não nos próximos meses de junho até novembro. O curto prazo tem que ser gerenciado com o foco nos custos, enquanto a mesma receita se repetirá (como bem frisou em seu texto) também no longo prazo. Pois os preços reais dificilmente devem voltar a patamares históricos. Nem os irlandeses vão piorar, nem os chineses melhorar este panorama. Assim, teremos que voltar toda a atenção para dentro da porteira. Enquanto não conseguirmos viabilizar em ‘quantidade industrial’ alianças estratégicas com os vizinhos e com os outros elos da cadeia produtiva a única fonte de lucro continua na contenção do custo de produção em casa.

    Francisco Vila
    Economista