A agricultura regenerativa, nome dado para um conjunto de técnicas que buscam reverter processos de degradação do solo, reduzindo danos ambientais e gerando maior produtividade, vem sendo apontada como uma forma de se evitar emissões de carbono e minimizar a mudança climática. Para expandir e acelerar sua adoção, bem como fomentar o uso sustentável da terra, o Cerrado se tornou o primeiro bioma do mundo a receber o Landscape Accelerator – Brazil (LAB), iniciativa liderada pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês), o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) e o Boston Consulting Group (BCG), com apoio técnico do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
O programa faz parte da Action Agenda on Regenerative Landscapes (AARL), lançada em 2023, na COP28, em Dubai, e está alinhada à Declaração de Sistemas Alimentares, que, no mesmo encontro, abordou pela primeira vez a necessidade de transformação dos sistemas alimentares para endereçar a crise climática, a perda de biodiversidade e a desigualdade.
“Foi essa agenda que inaugurou o modelo do acelerador. E o Brasil foi escolhido para lançar o primeiro acelerador, o LAB”, diz Juliana Lopes, diretora do Cebds, acrescentando que o resultado desse trabalho, iniciado neste ano, será apresentado na COP30, em novembro, no Pará. “O LAB também é uma prova de conceito para replicar essa experiência em outros países, como a Índia. Tem o objetivo de ser um agregador, conseguir em um ambiente pré-competitivo superar as barreiras que hoje dificultam as práticas regenerativas.”
Além de reduzir emissões, as práticas regenerativas têm o objetivo de gerar valor econômico real para produtores e investidores. Com 198 milhões de hectares, o Cerrado é responsável por 25% da produção global de soja, assim como por 97% do algodão, 66% do milho e 44% do gado do Brasil. Também abriga 5% das espécies de animais e plantas do planeta, é a savana mais biodiversa do mundo.
O LAB tem o objetivo de demonstrar os impactos positivos que práticas regenerativas podem ter nas dimensões econômica, ambiental e social, atuando nos pilares métricas, políticas e finanças.
Ao manejar melhor o espaço, é possível ter sustentabilidade e eficiência” — Juliana Lopes
Estudo feito pelo BCG, com a colaboração técnica de Mapa, WBCSD e Cebds, mostrou que é possível adotar práticas regenerativas em 32,3 milhões de hectares do Cerrado, área equivalente ao tamanho da Noruega, com o potencial de gerar US$ 100 bilhões à economia. O relatório calcula ainda que, para transformar esse bioma em uma referência global em agricultura regenerativa, são necessários US$ 55 bilhões até 2050, com retorno de investimento da ordem de 19% num prazo médio de cinco anos.
“Ao manejar melhor o espaço, você consegue gerar sustentabilidade e eficiência. E a adoção das práticas regenerativas vai desde a recuperação de pastagens degradadas para a lavoura, a integração lavoura-pecuária-floresta, sistemas agroflorestais ou consórcio de espécies, plantio direto e todo um conjunto de práticas que têm potencial de geração de valor econômico de US$ 100 bilhões. A gente teve a preocupação de demonstrar o retorno econômico para estimular essa adoção”, afirma Juliana.
O estudo foi apresentado em evento oficial pré-COP30, realizado nos dias 15 e 16 de abril em Luís Eduardo Magalhães (BA), o Cerrado Summit, que reuniu 140 participantes de diversos países, representantes de instituições financeiras e de empresas nacionais e multinacionais, além de produtores rurais e associações, para engajar diferentes atores nessa transição.
“A gente lançou um convite à ação, de mobilizar US$ 3 bilhões de financiamento exclusivamente privado até 2030 para a transição de paisagens regenerativas. Esse valor seria o gatilho, o que vai desencadear essa transição e permitir que o capital restante venha”, diz a diretora do Cebds, que também acompanha um estudo para adotar o mesmo tipo de abordagem no bioma amazônico no Pará e que deve ser apresentado no início de julho.
Segundo ela, há uma série de iniciativas-piloto, inclusive de empresas que participam do LAB, mas é preciso ter um direcionamento estratégico para integrar esforços e perseguir um objetivo comum para conseguir superar as atuais barreiras.
A Bayer é uma das empresas com programa próprio que participam do LAB e que estiveram no Cerrado Summit. Criado em 2020, o PRO Carbono tem o objetivo de promover a transição para a agricultura regenerativa, com a implementação de práticas de manejo conservacionista, calculando e reduzindo a pegada de carbono nas operações de commodities agrícolas.
O programa reúne mais de 1.900 produtores, em 16 Estados brasileiros, abarcando 220 mil hectares de soja, milho, algodão, e plantas de cobertura, como sorgo e aveia. Segundo a gigante de origem alemã, a adoção das práticas de agricultura regenerativa recomendadas gera, em média, produtividade 11% maior e mais 16% no sequestro de carbono.
A Nestlé, que também participa do LAB e esteve no encontro no interior baiano, tem há mais de dez anos programas próprios de sustentabilidade nas cadeias de suas principais matérias-primas – leite fresco, café e cacau -, que foram adaptados às práticas regenerativas e incluem mais de 10 mil produtores em diferentes Estados do país.
O principal apoio ao produtor, conta Bárbara Sollero, head de agricultura regenerativa da Nestlé Brasil, é o suporte técnico, com especialistas que visitam as fazendas e dão consultoria de melhores práticas de manejo da lavoura. De 2021 a 2025, a Nestlé destinou globalmente 1,2 bilhão de francos suíços em projetos de agricultura regenerativa.
Esses programas classificam cada fazenda de acordo com o nível de práticas implementadas, mas não apenas em agricultura regenerativa, incluindo também bem-estar animal e direitos humanos. Na cadeia do leite, por exemplo, em um grupo de 900 fazendas, as que são consideradas padrão ouro, conseguem em uma mesma área uma silagem de milho 8% maior, com 18% menos emissão de carbono e rentabilidade 15% maior.
“O compromisso global é de implementar a agricultura regenerativa em 25% das principais matérias-primas em 2025. Desafios vão mudando de patamar”, conta Bárbara. “No Brasil, em 2024, já chegamos a 41%. Os programas vêm ajudando, mas a gente precisa incrementar esse suporte para engajar mais produtores.”
Fonte: Valor Econômico.