Por Angélica Simone Cravo Pereira e Camila Guedes1
O mercado da carne
A carne bovina encontra-se em desvantagem em relação a outras fontes de proteínas, devido à ausência de variabilidade e de conveniência, assim como a inconstância na qualidade e na padronização da matéria prima, aliadas à falta de credibilidade (Züge et al., 2003a). Além disso, a Europa, que possui consumidores com renda per capita média superior e preferem cortes de carnes bovina mais nobres e, por conseqüência mais caros, estão sendo substituídos por países árabes, de menor renda média e consumidores de cortes de carnes mais baratos. O resultado é uma redução importante do valor médio dos cortes exportados (Anualpec, 2002).
Este perfil ocorre claramente para a carne in natura, comercializada em uma grande variedade dos cortes e, portanto, sujeita à queda de seu valor médio, quando uma composição do produto inclui mais cortes com baixo valor agregado. No entanto, em carnes industrializadas não se percebe essa variação acentuada do preço médio por se tratar de produto mais uniforme.
O panorama mundial da cadeia da carne bovina favorece ainda, o aumento das exportações de carne bovina brasileira. Além disso, abrem-se novos mercados como Rússia, Oriente Médio e Ásia. Portanto, a busca por produtos de qualidade, e o suprimento das necessidades e gostos dos diferentes mercados consumidores é indispensável, para que o Brasil se mantenha como um potencial exportador de carnes para o mundo.
Assim, o empresário brasileiro, do setor agropecuário, a partir da instituição do SISBOV (Sistema Brasileiro de Registro de Bovinos e Bubalinos), em 10/01/2002, passou a conviver com alguns conceitos novos tais como, Rastreabilidade, Certificação e Certificadoras.
Segundo Luchiari Filho, (2000) buscando assegurar a credibilidade por produtos de qualidade para os consumidores, técnicos e instituições têm procurado através de processos, como a implementação da rastreabilidade apresentar uma garantia de origem do produto. Através de procedimentos padrão: em fabricação, manipulação, higiene e sanitização, e da análise dos pontos críticos de perigo pretende-se ainda assegurar que o produto tenha sido produzido dentro das boas práticas de fabricação e possa receber seu certificado de origem.
Porém, segundo observações nos meios produtivos rurais, o termo “certificadora” tem gerado confusão de conceitos, pois o SISBOV denomina certificadoras, empresas de consultoria, que identificam, registram animais e estruturam o sistema de rastreabilidade, dentro das fazendas ou frigoríficos, sendo que este conceito cabe às empresas que realizam, como organismos de terceira parte, a avaliação da conformidade, que é definida como qualquer atividade, com o objetivo de determinar, direta, ou indiretamente, que os requisistos aplicáveis sejam atendidos.
Já o processo de rastreabilidade é a capacidade de recuperar o histórico, é a condição de se acompanhar a história de um animal, desde o seu nascimento até o final da cadeia produtiva, que consiste na comercialização de seus cortes (REF:ISO 9000:2000; Luchiari Filho, 2000).
Para o entendimento do termo certificação são necessárias algumas considerações.
Quando se adquire um produto, ou serviço, o comprador quer saber se o que recebeu é o que foi pedido. Isto pode ser realizado comparando-se o recebido com as especificações do que foi pedido. Ainda, o ato de fazer esta verificação é a avaliação da conformidade (Züge et al., 2003b).
Em relação aos produtos cárneos, por exemplo, muitas características e atributos de qualidade, como maciez, grau de contaminação microbiológica, valor nutritivo e suculência, não são passíveis de avaliação, no ato da compra. Assim, há uma crescente preocupação quanto à qualidade dos alimentos consumidos, e o quanto estes alimentos podem influenciar na saúde e segurança dos consumidores.
Necessidade de certificação
A carne bovina vem sendo substituída na mesa dos consumidores, no âmbito mundial, sejam por razões sanitárias, ou imagem negativa, no que se refere às questões de saúde, preço, ou ainda modismo.
Essa tendência de redução de consumo, certamente consiste em uma ameaça para toda a cadeia de produção da carne bovina. Isso reforça a necessidade de estratégias, que promovam o produto, em especial, o brasileiro. Daí a importância de alternativas, tais como, o incentivo à produção de carne bovina “ecologicamente correta”, orgânica, ou certificada, no intuito de aumentar a confiança e credibilidade para com os consumidores.
Como exemplo, a Europa, a fim de preservar a qualidade dos produtos que chega à mesa de seus consumidores, definiu parâmetros utilizados na quantificação e qualificação da rastreabilidade da carne bovina. Da mesma forma, diferentes marcas foram criadas e comercializadas, no sentido de satisfazer e dar a oportunidade de escolha para esses consumidores.
Porém, o Brasil, apesar de um mercado crescente de exportação de carne bovina, ainda não atende à demanda, pois não possui as devidas características exigidas pelo mercado europeu.
Dessa forma, faz-se necessário à implementação de sistemas que visem garantir todo o processo, desde a produção ao consumo, comprovando a existência da qualidade agregada até o produto final. Nesse contexto, surgem mecanismos de garantia de qualidade, como a certificação, que objetiva restaurar a transparência de mercados, em que a informação não é compartilhada igualmente por todos os elos da cadeia produtiva de carnes, desde os vendedores aos compradores (Nunes, 1999).
Processo de certificação
A certificação pode ser definida, como um instrumento para as empresas gerenciarem e garantirem a qualidade de seus produtos, além de informar e garantir aos consumidores, que os produtos certificados possuem os atributos procurados, atributos esses muitas vezes intrínsecos, imperceptíveis externamente. O processo de certificação, portanto pode ser utilizado, como uma ferramenta de redução de assimetria informacional e ao comprovar a existência dos atributos intrínsecos em determinado alimento, tornando-o mais seguro para o consumo. Esta redução efetua-se pela demonstração, através de evidências objetivas, e comprovantes formais, da existência de determinada característica-desejável ou não (Züge et al., 2003a).
O sistema de avaliação de uma certificação baseia-se na identificação de comprovações objetivas de cumprimento de determinados requisitos passíveis de demonstração ao mercado consumidor. Esta identificação é realizada através de uma amostragem aleatória, cujo objetivo é traçar um cenário do sistema de controle, que se pretende avaliar. Portanto, eventuais desvios ou imperfeições do sistema produtivo podem ocorrer, mas o monitoramento periódico visa minimizar a possibilidade dessas ocorrências. Ainda, a estruturação de sistemas, que utilizem normas técnicas para os diversos produtos, ao longo da cadeia, associados a processos de garantia da qualidade e segurança alimentar, como as normas sistêmicas da série NBR ISSO 9000 e os princípios da APPCC possibilitarão a realização de verificações, mediante uso de mecanismos de certificação da conformidade de produtos, permitindo a rastreabilidade com confiabilidade, além de assegurar o fornecimento de produtos com qualidade.
Dessa maneira, propõe-se um processo de certificação das unidades produtivas da cadeia (fazendas de cria e engorda de bovinos) estabelecimentos de abate, desossa, redes de distribuição e comercialização, através da avaliação da conformidade dos seguintes itens:
I) Unidade de Produção: Identificação de Animais (ou lotes),
– Avaliação da infra-estrutura e instalações da propriedade, bem-estar dos animais, disponibilidade de água e alimentos.
– Registro de trânsito de animais e manejo sanitário da propriedade (tratamentos, períodos de carência).
II) Transporte dos Animais,
– Condições de veículos de transporte, manejo dos animais pelo condutor, condições tempo, distância, descanso, fornecimento de água e alimentos.
III) Estabelecimentos de Abate Frigorífico,
– Avaliação do recebimento e alojamento dos animais, condições de abate, identificação das carcaças (sistema de rastreabilidade), estrutura da cadeia do frio, processos de resfriamento e maturação.
IV) Desossa e Embalagem de Produtos,
– Avaliação da instalação e limpeza do local, controle de pH e temperatura, rastreabilidade do processo.
– Controle de etiquetas, expedição, armazenagem e exposição dos produtos.
De acordo com Silva et al. (2000) entre os benefícios resultantes da implementação dos processos certificados situa-se a organização, a simplificação e a clareza de procedimentos e tecnologias disponíveis para a produção e sua disciplina; a racionalização de tempo gasto nas atividades; a redução do consumo e do desperdício de recursos; a melhoria da qualidade do produto; a redução de entraves associados às barreiras comerciais; a proteção à saúde do consumidor e ao ambiente; a segurança e a confiabilidade do produto. Assim, esses benefícios podem ser priorizados, em função de grandes demandas dos consumidores: facilidade de identificação do produto, competitividade do mercado e acima de tudo, credibilidade.
A certificação no agronegócio
No cenário de incertezas e desconhecimentos, a Comunidade Européia passou a exigir garantias legais de seus fornecedores, quanto à origem e aos processos de produção de alimentos. Dessa forma, através de medidas eficientes, melhorias na transparência das condições de produção e comercialização desses produtos, principalmente no conhecimento dos antecedentes, estabelecendo para o setor produtivo um critério de identificação e registro de animais, definida como rastreabilidade. O objetivo principal é levar até a fase final da cadeia (o consumidor) todas as informações consideradas importantes a fim de garantir um produto seguro.
Nesse âmbito, a certificação da carne objetiva garantir um produto seguro, saudável, de alta palatabilidade e com as características organolépticas exigidas, através do controle de todas as fases da produção, raças utilizadas, análises laboratoriais, da industrialização, do transporte, da distribuição e da comercialização, como uma perfeita correlação entre o produto final e a matéria prima que o originou. Assim, o consumidor sabe exatamente o que adquire no momento da compra.
Por outro lado, com o aumento da conscientização mundial para as questões ambientais, alguns mercados estão exigindo cada vez mais produtos diferenciados, que em sua produção e processamento tenham causado o mínimo de prejuízos ao meio ambiente, resultando na necessidade de regulamentação do mercado para a comercialização desses produtos.
Nesse cenário, a certificação atua como fator chave nesse processo, garantindo conformidade do produto em relação aos padrões estabelecidos e permitindo ao consumidor o conhecimento da origem dos mesmos e de que maneira foram produzidos. Por exemplo, o produto com um certificado de orgânico atende às exigências e normas básicas para a produção orgânica, em todas as fases de produção e/ou processamento.
Em relação à segurança dos produtos, uma recente modificação na legislação brasileira (decreto lei no4.680, D.O.U. 25/04/2003) tornou-se obrigatória a rotulagem de produtos, que contenham no mínimo 1% de soja ou milho geneticamente modificados. Assim, os consumidores, no ato da compra, podem optar, ou não pela compra desses produtos.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) cerca de 70% dos casos registrados de doenças transmitidas por alimentos têm origem no seu manuseio inadequado. Uma das medidas adotadas recentemente, pelas empresas processadoras de alimentos, foi a implementação de gestão de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) ou Hazard Analysis and Critical Control Points (HACCP). Este sistema originou-se nos Estados Unidos, em 1959, pela NASA a fim de assegurar que os alimentos transportados ao espaço para uso dos astronautas fossem seguros. Posteriormente, o Codex Alimentarius (FAO/WHO) criou um grupo de trabalho em 1991, para desenvolver as normas internacionais de aplicação do APPCC, a qual tem sido adotada internacionalmente pelo Codex, Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia, Argentina, entre outros. Porém, o APPCC somente, não é resposta única, no que se refere à segurança do alimento, devendo ser implementado junto à BPF (boas práticas de fabricação) e os PPHO (programa padrão de higiene operacional). A certificação do sistema APPCC visa, nesse aspecto, a garantia da segurança alimentar, elevando a competitividade do produto na comercialização, devido ao atendimento dos requisitos legais do Ministério da Saúde e demais legislações aplicáveis, resultando em redução das perdas no processo produtivo.
Considerações gerais
Com a globalização, muitos aspectos, anteriormente, pouco valorizados, como, qualidade, segurança, higiene alimentar e confiabilidade no produto tornaram-se indispensáveis atualmente, ao observar o comportamento do consumidor moderno. Dessa forma, o entendimento do perfil desse consumidor é fundamental para a sobrevivência e competitividade das empresas, possibilitando a adequação de seus produtos às exigências dos mercados.
Assim, a certificação atua como ferramenta chave no processo, que assegura o atendimento às exigências por mecanismos de rastreabilidade e a requisitos de qualidade e sanidade para os produtos cárneos, nos mercados interno e externo, trazendo para todas as partes envolvidas na cadeia, credibilidade, segurança e qualidade de um produto diferenciado e com maior valor agregado.
Referências bibliográficas
ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo, FNP, 2002.
LUCHIARI FILHO, A. Pecuária da Carne Bovina. São Paulo. 134p., 2000.
NUNES, R. Terra preservada: Coordenando Ações para Garantir a Qualidade. Estudo de caso. In: IX Seminário Internacional PENSA em Agribusiness. Águas de São Pedro, 1999.
SILVA, A.YOUNG, M.C.P. Produção Integrada de Frutas e Rastreabilidade de Produto – In: 7º Semana Internacional de Fruticultura e Agroindústria. Ceará. 10p., 2000.
ZÜGE, R.M.; VIEL, R.; SAUPE, A.C.; FELIX, F. Avaliação da Conformidade no Agronegócio. In: Congresso de Metrologia. Metrologia para a Vida Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM). Recife, Pernambuco, 2003a.
ZÜGE, R.M.; SCHWARTZ, F.F.; FELIX, F. Carne Certificada: Produto Diferenciado para a Exportação. In: Congresso de Metrologia. Metrologia para a Vida Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM). Recife, Pernambuco, 2003b.
Agradecimentos: Equipe de Certificação de Produtos Agroindustriais do Tecpar-Cert/Instituto de Tecnologia do Paraná. Roberta Mara Züge, Fabiola Fernandes Schwarz.
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1Angélica Simone Cravo Pereira e Camila Guedes são pós-graduandas na FZEA/USP
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O valor médio do equivalente carcaça (U$ / ton eq.carc) da carne brasileira tem aumentado significativamente nos últimos anos, especialmente nesse ano – ver dados da CNA/CEPEA – ESALQ/USP.
Antonio de Andrade – Vitoria – ES – antoniodeandradeacla@gmail.com
Por coincidência hoje assistindo o Globo Rural, ouvi a noticia que a Rússia havia suspendido as importações da Carne Bovina Brasileira, eu penso que as empresas brasileiras deveriam usar tecnologias que já estão disponíveis para atestar ou certificar que nossa carne ou outro produto qualquer estão livres de organismos, elementos indesejáveis ou doenças que a torna impropria ao consumo humano, como exemplo a Febre Aftosa, ou qualquer outra doença que poderiam ser detectada. Aqui não temos espaços para detalhamento desses processos, mas se alguém se interessar pelo assunto pode nos contatar para mais esclarecimento sobre esses processos com alta tecnologia já disponível e usada em diversas partes do mundo para ajudar as empresas e o mercado obter um produto com cem por cento de certeza de um produto sadio e livre de qualquer doença ou elemento indesejável ao consumo humano.