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21 de dezembro de 2010

Código Florestal é instrumento de disputa, diz embaixador americano

O Código Florestal brasileiro nunca foi cumprido e tem servido mais como ponto de disputa entre ruralistas e ambientalistas do que como instrumento de redução do desmatamento. A opinião é manifestada pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, em um telegrama de fevereiro de 2010 vazado pelo site WikiLeaks.

O Código Florestal brasileiro nunca foi cumprido e tem servido mais como ponto de disputa entre ruralistas e ambientalistas do que como instrumento de redução do desmatamento. A opinião é manifestada pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, em um telegrama de fevereiro de 2010 vazado pelo site WikiLeaks.

No documento, Shannon traça um panorama da atual disputa em torno da legislação sobre florestas. Diz que “não é surpresa” que o governo tenha decidido adiar para junho de 2011 a implementação do decreto que criminaliza os produtores que estiverem em desacordo com o código, “especialmente à luz da eleição nacional vindoura em outubro de 2010”. E afirma que a regra da reserva legal de 80% gera mais polêmica do que resultado.

“Outras medidas menos controversas têm sido eficazes em reduzir o desmatamento na Amazônia”, diz o embaixador, que faz menção à política de restrição de crédito agrícola a desmatadores e ao programa Terra Legal. “Desde que assumiu, a administração Lula viu um declínio nas taxas de desmatamento na Amazônia de 21,5 mil quilômetros quadrados em 2002 para 7 mil no ano passado. Se as taxas continuarem a cair, a comunidade ambientalista pode se dispor a mostrar mais flexibilidade sobre uma solução de compromisso pragmática quando o assunto voltar, em 2011”, conclui Shannon. A reportagem é da Folha de São Paulo. O telegrama pode ser lido traduzido na íntegra abaixo:

UNCLAS SECTION 01 OF 03 BRASILIA 000156 SENSITIVE SIPDIS E.O. 12958: N/A

TAGS: SENV, EAGR, KGHG, KSCA, BR

ASSUNTO: BRASIL: CÓDIGO FLORESTAL PROVOCA DEBATE ACALORADO ENTRE AMBIENTALISTAS E AGRICULTORES REF: 2009 BRASILIA 123; 2009 BRASILIA 893 (U) ESSE TELEGRAMA É CONFIDENCIAL, MAS NÃO SIGILOSO (SENSITIVE BUT UNCLASSIFIED – SBU) E NÃO É PARA DISTRIBUIÇÃO NA INTERNET.

1. (SBU) Sumário. O requerimento do Código Florestal Brasileiro de que o proprietário de terras na Amazônia mantenha 80% da floresta nativa como reserva legal tem gerado uma grande disputa entre as comunidades de agricultura e meio-ambiente. Os ambientalistas vêem isso como uma ferramenta potencialmente poderosa para evitar o desmatamento e o setor agrícola vê isso como economicamente devastador para milhões de pecuaristas e agricultores. Na prática, o requerimento da reserva legal nunca foi efetivamente implementado e o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu, mais uma vez, postergar sua implementação até junho de 2011 – depois das eleições nacionais. Embora o debate continue sobre o Código Florestal, outras políticas do Governo do Brasil contribuíram para um forte declínio na taxa de desmatamento da Amazônia, de 21,5 mil quilômetros quadrados em 2002 para 7 mil quilômetros quadrados no ano passado. FIM DO SUMÁRIO.

REQUERIMENTO CONTROVERSO DE RESERVA DO CÓDIGO FLORESTAL

2. (SBU) O Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965) começou sua vida mais como uma ferramenta para controlar recursos do solo e da água do que para promover a conservação da floresta. A lei requeria a manutenção de florestas em áreas estratégicas, como junto a rios, riachos e lagos, nos topos de montanhas e colinas, e em encostas íngremes para proteger a qualidade da água e prevenir erosão. Na época da lei em 1965, o Governo brasileiro apoiou políticas para liberar a Amazônia para a produção agrícola. A Constituição ainda inclui uma provisão requerendo que o proprietário de terra faça um uso produtivo da terra, o que comumente é lido como significando que os proprietários de terra precisam liberar algumas florestas para propostas de agricultura ou estão arriscados a perder terra. O Código Florestal inicialmente requereu que as propriedades rurais na Região da Amazônia mantivessem 50% da floresta nativa na propriedade. Essa área é chamada de “reserva legal”. A reserva legal era de 20% das áreas rurais no Cerrado e também de 20% no restante do país.

3. (SBU) Em resposta ao desmatamento massivo na Amazônia, o então presidente, Fernando Henrique Cardoso, buscou transformar o Código Florestal em uma ferramenta central para conservar a Amazônia. Em 1996 ele emitiu uma “Medida Provisória” para emendar o Código Florestal para aumentar o requerimento de reserva legal na Amazônia para 80% e no Cerrado para 35%. A oposição do poderoso bloco rural no Congresso, entretanto, garantiu que essa medida não fosse levada para votação. Ao invés disso, a Presidência re-emitiu a medida 67 vezes para mantê-la em efeito, até 2001, quando as regras que governavam as Medidas Provisórias mudaram. Hoje, apesar de o Congresso nunca ter votado nela, a Medida Provisória de 2001 é geralmente vista como tendo efeito de lei.

4. (SBU) O Governo do Brasil não perseguiu os infratores do requerimento da reserva legal na Amazônia, seja usando o padrão de 50% ou o de 80%. Isso pareceu que ia mudar em 11 de dezembro de 2009. Essa era a data quando a legislação de crimes ambientais, incluindo possíveis sanções criminais e multas altas por violação do Código Florestal, deveria entrar em efeito. Anteriormente, o Governo não tinha autoridade para punir severamente os violadores do requerimento de reserva do Código Florestal.

(REFTEL A) ADIAMENTO ATÉ DEPOIS DAS ELEIÇÕES NACIONAIS

5. (SBU) Em 10 de dezembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto Presidencial número 7029, que postergou as penalidades rígidas e criminais para violações do Código Florestal. Esse novo Decreto criou o Programa Mais Ambiente que fornece um período de três anos para todos os proprietários de terras registrarem suas terras junto à autoridade competente do Governo. Para se tornar legal, o proprietário precisaria registrar o tamanho da reserva legal com a documentação apropriada e, no caso do tamanho da reserva ser de menos de 80%, o proprietário precisaria entrar em um acordo com o Governo, se comprometendo a corrigir o problema. Para acalmar o setor ambiental, o presidente Lula decidiu que haveria multas e penalidades criminais para aqueles proprietários que não registrassem suas propriedades no programa e para aqueles que não cumprissem com os requerimentos de reserva do Código Florestal a partir de 11 de junho de 2011, dando aos proprietários de terra que estavam em desacordo pelo menos 18 meses de adiamento.

6. (SBU) O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, apoiou a decisão dizendo que se o presidente Lula não fixasse um novo prazo, mais de três milhões de produtores agrícolas se tornariam criminosos. Desse total, um milhão de agricultores e pecuaristas estariam provavelmente em posição de perder suas terras. O ministro do Meio-Ambiente, Carlos Minc, buscou obter o melhor da decisão. Ele disse que “O Programa [Mais Ambiente] ajudará esses produtores que querem proteger o meio-ambiente a tornar sua propriedade legal. O Programa dá uma mão àqueles que querem proteger o meio-ambiente, que é obrigatório”. COMENTÁRIO. Não surpreende que o Governo tenha evitado transformar milhões de agricultores e pecuaristas em criminosos que poderiam potencialmente perder sua terra; especialmente considerando as eleições nacionais que ocorreriam em outubro de 2010. FIM DO COMENTÁRIO.

7. (SBU) A comunidade reivindicante ambiental tinha previsto a falta de apoio do Governo ao Código Florestal. Já em outubro de 2009, um grupo formado por quinze organizações ambientais não-governamentais (ONGs) escreveu uma carta aberta criticando os esforços do Governo de fazer o que eles consideraram uma das mais importantes legislações ambientais do Brasil menos rigorosa. Essas ONGs afirmaram que o Código Florestal não é tão cruel como pintado pelo lobby rural. As multas e penalidades deveriam ser implementadas de uma forma flexível. Por exemplo, sanções por violações do Código deveriam ser impostas depois de uma determinação de que a violação tenha sido feita e que o proprietário da terra tenha sido oficialmente notificado. Após a notificação, o proprietário da terra normalmente teria 180 dias para resolver qualquer assunto pendente com as autoridades. (NOTA: Na prática, a identificação e a notificação dos violadores seria um processo lento devido ao tamanho da Amazônia e da equipe limitada na região, bem como à falta de informações sobre as propriedades particulares. Se o Governo levasse a sério a penalização de um grande número de proprietários de terra em violação do Código Florestal, o Governo nacional poderia esperar uma forte oposição e possivelmente até resistência violenta, como aquela ocorrida no município de Tailândia no ano passado após o Governo ter feito uma incursão em madeireiras ilegais em Novo Progresso, onde até mesmo pesquisadores brasileiros vistos como “bisbilhoteiros” foram expulsos. FIM DA NOTA.

SOLUÇÃO NECESSÁRIA DE LONGO PRAZO

8. (SBU) A postergação do presidente Lula da implementação das penalidades criminais e multas por violação da reserva legal somente adia esse assunto controverso, mas não o resolve. Atualmente, existe cerca de trinta propostas no Congresso para modificar o Código Florestal, a maioria pedindo por uma mudança no requerimento de reserva legal. A Confederação Nacional de Agricultura (CNA) disse que apesar de apoiarem os esforços para reduzir o desmatamento, eles vêem o atual requerimento de 80% como impraticável. Existe uma série de propostas para retornar o requerimento para 50%, o que poderá possibilitar que grandes números de pecuaristas e agricultores que não podem se sustentar economicamente a um nível de 80% cumpram com a lei. Grupos ambientais do Brasil estão divididos nessa questão também. O Greenpeace considera a redução do requerimento uma traição, mas o Amigos da Terra considera essa medida pragmática e construtiva. O chefe da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, relator do projeto que altera Código Florestal, Aldo Rebelo (PC do B-SP), quer trazer as emendas propostas para votação em abril, incluindo uma bastante criticada pelos ambientalistas que permitiria que cada estado estabelecesse a reserva legal aplicável. Em uma recente entrevista à imprensa, Rebelo reclamou que o Governo, através da Medida Provisória de 2001, tinha “alterado [o Código Florestal de 1965] sem ouvir ninguém”.

9. (SBU) Embora a disputa sobre o requerimento de 80% de reserva legal continue, algumas soluções práticas estão sendo tomadas. O Código Florestal fornece (Artigo 16) que um Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) pode reduzir a reserva legal para 50%. O pequeno estado do oeste amazonense, o Acre, tem uma ZEE em prática e está aproveitando essa opção. Infelizmente, isso não é uma solução para toda a região, por causa da falta de ZEEs (é um estudo extremamente longo e complexo) e, como uma questão política, o Governo não quer usar essa exceção para eliminar o requerimento de 80% maciçamente. Outra possível solução está sendo buscada pelo The Nature Conservancy (TNC), que busca trabalhar com os proprietários de terra para satisfazer o requerimento de 80% usando extensões de terras compensatórias. O conceito é que o proprietário de terra, ao invés de cumprir com o requerimento de 80% com sua terra, conservaria a quantidade requerida de florestas em outras terras no bioma. Isso teoricamente poderia funcionar, mas precisa de mais desenvolvimento e aprovação do Governo.

ENQUANTO ISSO – REGISTRANDO TÍTULO

10. (SBU) Embora continue sendo uma questão aberta sobre quando, se for, e de que forma o Código Florestal será aplicado, o Brasil está buscando medidas menos controversas que podem ter um impacto bem maior no desmatamento. Essas medidas incluem o estabelecimento de grandes áreas protegidas e reservas nativas, aumento dos esforços de imposição da lei contra apropriação ilegal de terras e redução dos créditos financeiros para áreas responsáveis por grandes quantidades de desmatamento. Além disso, os Governos nacional e estadual estão buscando esclarecer a obscura questão de certificado de registro de terras na Amazônia. Em uma apresentação em janeiro de 2010, o Banco Mundial estimou que 85% das terras ocupadas por interesses privados (que são cerca de 30% do total) não têm documentação ou são baseadas em documentos de registro suspeitos ou fraudulentos. O Governo no ano passado aprovou uma lei (REFTEL B) que cria um caminho para esclarecer registros para pequenas parcelas de terra na região amazônica. Além disso, amarrando os créditos financeiros a um registro municipal de títulos de terras, o Governo nacional está dando um incentivo para resolver a questão de propriedade. Por exemplo, o município de Paragominas – anteriormente um dos campeões em desmatamento – deve cumprir com o requerimento de registro em poucos meses e seu prefeito está buscando desmatamento zero. Informações preliminares sugerem que, quando um proprietário de terra obtém posse livre de hipoteca, ele começa a se comportar de forma mais responsável e reduzir a taxa de desmatamento.

11. (SBU) COMENTÁRIO: O requerimento de 80% de reserva legal do Código Florestal na Floresta Amazônica tem gerado um debate muito acalorado no Brasil desde sua proposta em 1996. Nunca tendo sido implementado, isso serviu principalmente como um ponto de disputa entre as comunidades agrícolas e ambientais, enquanto outras políticas menos controversas têm sido efetivas em reduzir a taxa de desmatamento na Amazônia. Desde que assumiu as funções, o Governo Lula promoveu um declínio na taxa de desmatamento na Amazônia de 21,5 mil quilômetros quadrados em 2002 para 7 mil quilômetros quadrados no ano passado. Se a taxa de desmatamento continuar caindo, então a comunidade ambientalista pode estar disposta a mostrar mais flexibilidade sobre um compromisso pragmático no Código Florestal quando o assunto surgir novamente em 2011. FIM DO COMENTÁRIO. SHANNON SHANNON.

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