Há coisas neste nosso Brasil que eu realmente não entendo. Talvez por insuficiência de meus neurônios. Talvez porque, como disse uma vez a conceituada revista britânica The Economist: “o Brasil age às vezes como se estivesse bêbado.”
Como costuma acontecer em países de cultura ibérica, onde o Povo existe para servir o Estado, e não vice-versa, a maior parte das “coisas que eu não entendo” emanam do Poder Público. Sem qualquer pretensão a ordenamento lógico, vamos a algumas delas:
– Seguro Apagão: todos nós contribuímos compulsoriamente com este imposto, acrescido às contas de energia elétrica. A justificativa inicial para a cobrança, é que visava compensar as companhias de distribuição de energia elétrica pelo que deixaram de faturar durante o racionamento em 2001.
Pergunta: houve racionamento, pois a produção de energia elétrica era inferior à demanda. Ou seja, não havia energia elétrica suficiente. Ora pois, se não havia o produto, como as companhias de energia elétrica poderiam ter tido prejuízo em não poder vender aquilo que não existia?
– Petrobrás e o Custo de Combustíveis: a Petrobrás é contribuinte inigualável ao rol das “coisas que eu não entendo”. Por isso, sou eternamente grato a esta empresa híbrida, que é estatal quanto ao monopólio, mas privada ao fixar seus preços.
Pergunta 1: se a Petrobrás é monopolista em relação ao refino de petróleo, e importa quase a totalidade do saldo de petróleo que necessitamos, por quê é dada a ela a faculdade de fixar preços, o que só se justifica em mercados onde existe competição?
Pergunta 2: se é verdade que produzimos internamente 90% do petróleo que consumimos, por quê a totalidade da produção de petróleo – e de seus subprodutos – é dolarizada, e não apenas os 10% que efetivamente importamos?
Pergunta 3: assistimos recentemente, vosso presidente Lula se lamuriando quanto aos reajustes de tarifas de telefonia e de energia elétrica, dizendo pouco poder fazer, pois dependia de agências reguladoras, e dos contratos de privatização. Mas, como acionista majoritário da Petrobrás, o que o impede baixar o preço dos combustíveis, em cenário atual de queda das cotações do dólar e do petróleo?
Juros Altos: esta é outra lamúria constante do nosso Governo, especialmente do vice-presidente da República.
Pergunta: mas se quase 50% do rendimento de uma aplicação financeira, é recolhida em forma de cascata de impostos, o que impede o Governo em reduzir os juros, simplesmente reduzindo a alíquota destes impostos?
– Ponto Facultativo: Alguém já viu funcionário público “facultar” por trabalhar, quando o ponto é facultativo ?
– Cheque Especial: os Bancos, sejam privados ou estatais, brasileiros ou estrangeiros – afirmam fazer rigorosa análise de crédito, antes de conceder a qualquer cliente o privilégio de ter “cheque especial”.
Pergunta: se o cliente é bom, honesto e pontual – por quê paga taxas de mais de 100% ao ano, quando o saldo está negativo?
– Impostos: o Brasil é um dos países que mais cobram impostos das empresas, e, em especial, da população (via impostos indiretos ou “embutidos”). A carga já chegamos a quase 40% do PIB (Produto Interno Bruto). Se a memória não me falha, hoje só “perdemos” para a Noruega.
Pergunta: se pagamos tantos impostos, por quê os serviços públicos são tão deficientes, a ponto de forçar a população, e, em especial a classe média, a arcar com educação, saúde, previdência e segurança privadas?
– Dólar: por quê o dólar sempre é motivo para alta de preços quando sua cotação sobe, mas raramente produz queda de preços, quando sua cotação cai ?
Feijoada: Por fim, uma contribuição popular e gastronômica.
Pergunta: Todos os restaurantes que conheço, quando informam no cardápio que têm feijoada – dizem “feijoada completa”. Alguém alguma vez já viu algum restaurante anunciando “feijoada incompleta”?
Se você, dileto leitor, também tem algo similar a esta minha lista de “coisas que eu não entendo”, mande sua mensagem via BeefPoint, e vamos juntos contribuir para melhorar um pouco a sanidade mental do país, ou aliena-la de vez.
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Prezado Carlos
Realmente tem muita coisa difícil de entender.
Gostei do toque final, da feijoada, em seu artigo.
Um grande abraço
Excelente proposta esse artigo.
Outras coisas também não entendo.
Porque apoiar a instalação e manutenção de pedágios? Há diversos impostos sobre o trânsito (passagens, IPVA) e ainda assim o pagamento de pedágios que melhora indubitavelmente as condições das estradas brasileiras, mas enarecem viagens e são excessivos, já que o próprio Estado não ocupa a sua função.
Mas o que realmente não entendo, é o comentário social sobre a saúde. Coloca-se muito sobre a questão de orgânicos, a preferência por hortifruti saudável, sem agrotóxicos e agora com o tal do medo dos transgênicos, com a promessa de uma vida mais saudável sob o discurso da segurança alimentar.
Parece ficar só nisso, pois dificilmente alguém troca uma cerveja gelada ou uma coca-cola, ambas estupidamente gelada, por um copo com suco natural, ou um delicioso copo com leite. Deixar um cachorro-quente, hambúrguer, bolachas, salgadinhos, batata frita, e incluir apetitosas saladas, e alimentos feitos na hora. Seria melhor um Macarrão Instantâneo. Não sou contra, mas deixe o discurso de “segurança alimentar” nas indústrias que detonam a imagem do produtor rural, enquanto estas incluem aditivos perigosos, conservantes, corantes e estabilizantes, com a idéia de alimentos seguros, com lindas e entusiasmadas propagandas.
É um modismo ridículo, que ainda não entendi…
Arthur,
Você é fantástico!
Escreve bem e nesse artigo nos mostra como somos “mansos” como povo.
Um abraço,
Também não entendo:
Porque dão uma empresa rural para os sem terra quando não têm qualificação para desenvolve-la… eles precisam mesmo é de um emprego rural que os remunere dignamente e que eles possam trabalhar com mais tranqüilidade naquilo que sabem fazer – trabalhar na terra.
Os cursos de pós-graduação estão cheios de estudantes que procuram estes cursos, muitas vezes, motivados por uma bolsa de estudos (ajuda de custos) por não terem oportunidade de trabalho…
Não seria mais oportuno dar a empresa rural a estes e, assim, levar o emprego e a tecnologia ao campo fixando o homem a terra (agrônomos, veterinários, engenheiros florestais, agricultores, etc.)…
Sou professor Assistente Doutor de Medicina Veterinária – UNESP (+ de 15 anos de formado), vários cursos de pós-graduação – altos custos para o governo. Até ontem – SEM TERRA, a custa de muita economia e suor consegui comprar 1,5 alqueire…acho que poderia ser um bom empregador além de ser professor, mas não tenho nenhuma ajuda do governo para isso.
Por outro lado para outro SEM TERRA que sofre por falta de qualificação empresarial (não teve oportunidade) o governo deu 10 alqueires.
Os meus ex-alunos são SEM TERRA – qualificados, SEM EMPRESA…Até quantos anos serão necessários para conseguirem 10 alqueires????
Quantos SEM TERRA conseguem tocar os 10 alqueires que recebem??
Há alguns anos – três ou quatro, eu acho -, li na revista do Fundecitrus um exemplo disso que o senhor diz, socraticamente, não entender. A revista informava que a indústria do suco cítrico tinha realizado um grande aprimoramento no transporte e no embarque de suco de laranja – um trabalho violentíssimo de Logística desde a agroindústria aos trabalhos portuários que acabavam dentro do navio. Esse trabalho resultou em uma redução de custos de – digamos, x milhões de dólares. No final do ano, o aumento dos custos em função da cobrança de pedágios foi de 3 x milhões de dólares… é uma penas mas não me lembro dos valores verdadeiros… Eu gostaria de obter os valores reais. Alguém, por favor , teria?
Mas permita-me elaborar em torno destes problemas que penso ser dois dos três problemas verdadeiramente sérios em economia: o modo de ação do oligopólio (cujo caso limite é o monopólio) e o modo da ação governamental. Às vezes – ou sempre – eles se interlaçam.
Obter um entendimento do monopólio passa por entender o mecanismo interno de como alguns grupos econômicos obtém a capacidade de determinar os preços dos produtos (bens ou serviços) que vendem. Alguns setores econômicos conseguem determinar preços “regulamentando” o mercado. Esses agentes econômicos atuam sobre os legisladores e/ou sobre a burocracia governamental prara criar leis, regulamentos, instruções normativas, portarias etc que possam ser usados como instrumentos de criação de mercados reservados nos quais possam simplesmente realizar suas imposições de preços – administrar preços. Todos os outros setores da economia que trabalham sob o regime de competição perfeita – no qual o senhor bem sabe que o lucro tende a zero – irão necessitar viver trocando seis por meia dúzia. Ou o que é pior, dar seis e obter cinco, quatro, três…. Por exemplo, ao invés de produzir alguma coisa – açúcar, frutas, gado, café, serviços de assessoria técnica e de comercialização etc – empresários podem vislumbrar oportunidades de obter lucro mono ou oligopolóstico criando arcabouços legais – institucionais em um senso lato – em torno da produção e distribuição de bens e serviços produzidos por outros empresários.
É claro que nem todos os empresários querem atuar em mercados regulamentados, da mesma boa maneira que nem todos os funcionários públicos optam por não trabalhar em pontos facultativos. Alguns trabalham até mesmo aos sábados e domingos. Veja o trabalho de alguns funcionários públicos brasileiros, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Arnaldo Vieira de Carvalho, Euryclides de Jesus Zerbini etc. Deixando de lado vidas salvas – porque vidas parecem já não ter tanto valor – o trabalho de alguns funcionários públicos também tem criado muita riqueza. Alcides Carvalho, Rocha Lima, D´Ápice, Teixeira Vianna, Joanna Dobereiner são alguns nomes de funcionários ligados à agricultura e à pecuária que ajudaram os empresários a criar riqueza. Parece-me que apenas o trabalho da Dra Joanna – e das pessoas anônimas que a auxiliaram lavando a vidraria de seu laboratório – tem economizado bilhões de dólares anuais em fertilizantes nitrogenados para a sojicultura brasileira. Funcionários que são professores anônimos, agentes de saúde anônimos, agrônomos anônimos também vem ajudando muitos empresários a produzir riqueza.
Mas reconheço que existem muitos “barnabés”. Assim como existem agricultores “caloteiros”. Este simples fato não me deixaria muito confortável para perguntar a razão pela qual os agricultores brasileiros não honram seus financiamentos bancários se eu soubesse que apenas um deles honra. E a maioria deles honra !
Contudo, parece-me que existem países que resolveram o problema da ação governamental há muito tempo. Em alguns “lugares” econômicos, a ação econômica do estado parece ser “econômica” no sentido de “mais barato”. Em outros, a ação privada é mais “econômica”. A ação governamental deve ser concertada com os setores econômicos para o desenvolvimento da nação como um todo. Subsídios agrícolas e subsídios “disfarçados” às indústrias bélicas e de informática feitos pelos países avançados são explicados por esta abordagem. Talvez muitos pecuaristas brasileiros já estejam voltando a notar que a ação governamental – desde que bem liderada pelos próprios cidadãos interessados em tomar a si o governo de si mesmos- ajuda a criar riqueza. Notícia do Beefpoint diz que “O vice-governador e secretário estadual de Agricultura, Orlando Pessuti, lançou ontem (29 de julho) em Londrina o Programa Estadual de Rastreabilidade de Bovídeos. O norte do Paraná é a segunda região piloto a integrar o programa estadual, que foi lançado em Guarapuava no dia 4 de julho. O Estado é o primeiro do País a oferecer aos pecuaristas uma certificadora do governo.”
Mas o problema do monopólio que o senhor aborda é mesmo muito fascinante. Permita assim deixá-lo com algumas respostas ligadas a ele que obtive em minha atividade extensionista. Um produtor rural inovador e economista como o senhor pode achá-las interessantes
“Se você procurar entre as grandes empresas mundiais, vai ver que nenhuma delas, mesmo em sua busca da diversificação, quer produzir produtos agrícolas. A razão é muito simples. É que a lucratividade do produto agrícola, pelo fato de trabalhar em condições de mercado próximas à concorrência perfeita, tende a zero. O que significa isso? Um mercado de concorrência perfeita significa grande número de produtores, nenhum dos quais têm condição de determinar preço. O maior produtor do mundo de boi, soja, não consegue afetar nem um centavo do preço, seja segurando o produto ou aumentando sua oferta do seu produto. Esta grande pulverização da produção em milhões de produtores faz com que a rentabilidade tenda a zero.”
” Se eu entendi bem, você quer saber por que algumas empresas privilegiadas conseguem extrair um lucro maior da sociedade e por que outras empresas não entram no mercado dessas empresas privilegiadas com o objetivo de obter parte desse lucro. Primeiro temos que considerar a existência de fato de economia de escala. O que é economia de escala? Economia de escala significa que, se você produz em quantidades maiores, você consegue produzir com custos menores. Se existe escala numa atividade, a tendência é realmente cair o número de empresas e você ter um número menor de produtores. Existe uma certa economia de escala na produção de cana. À medida que você produz em áreas maiores, você pode usar adubação líquida, você pode usar sub-soladores maiores, tratores de esteira que compactam menos o solo e consegue produzir um pouco mais barato. Mas isto é muito discutível em outras áreas de agricultura…”
” Mas algumas pessoas descobriram que é muito mais eficiente criar artificialmente economia de escala forçando uma vantagem monopolística ou de competição imperfeita, para determinadas empresas. Uma delas é através da chamada regulamentação de mercado. O que é isso ? Você, em geral, envolve organismos governamentais e cria leis, decretos, portarias etc que impedem a entrada de competidores no mercado em que você atua. E aí aqueles privilegiados que conseguem estar ou se manter no mercado auferem ganhos às custas da sociedade. Em geral, essas leis e normas vêm sempre travestidas de ajuda ao consumidor. A hora em que se começa a falar de maior fiscalização, de normas de higiene, de normas de apresentação do produto etc, você está claramente tentando ganhar a simpatia dos consumidores para uma regulamentação que acabará impedindo a entrada de um número maior de produtores. Essa é claramente a tentativa da indústria do frio no Brasil com essa regulamentação que eles conseguiram inclusive passar em lei. Só que não pega e não pega por força do mercado mesmo. Os consumidores não querem que pegue. E não querem que pegue porque eles vão pagar muito mais caro se pegar. O que a indústria do frio está fazendo? Ela conseguiu um conjunto de regulamentos que, se obedecidos, reduziria dramaticamente o número de frigoríficos. Pouquíssimos frigoríficos no Brasil poderiam existir. Consequentemente você daria para o pequeno número de frigoríficos restante um grande poder de mercado: só eles poderiam comprar gado e vender carne. Eles imporiam preços e, ganhando do lado do pecuarista e do lado do consumidor, teriam belíssimos lucros. É muito razoável que a indústria queira fazer toda essa mobilização, esse lobby, para conseguir isso. Mas o que aconteceria se essa lei pegasse? Você teria que fechar o grosso desses milhares de pequenos abatedores, que estão matando, com mais ou menos higiene, mas que estão desempenhando o papel de introduzir uma alta competição nesse mercado. E é por isso que essa indústria é uma das poucas que são competitivas, você tem baixas taxas de ganho, você tem muita falência em frigoríficos. Agora, é lógico, se eu fosse o dono de um frigorífico eu ia querer essa regulamentação de forma tal que apenas eu pudesse continuar no mercado. Como eu disse, uma regulamentação travestida daqueles atrativos para o consumidor. Eu diria: “Nós vamos dar um produto com uma melhor higiene, com uma classificação melhor, embalados à vácuo, etc” . Você ia vender toda essa ilusão de produtos melhores. O que não é verdade no sentido de você acabaria tirando do mercado um punhado de consumidores que atualmente só conseguem comprar porque o produto, embora não tendo aquelas condições ideais, tem condições suficientemente boas para ser consumindo. Tanto que o consumidor não está morrendo. Não existe nenhuma evidência no Brasil de que consumir carne de abatedores municipais faz mal à saúde. Ao contrário, faz bem porque a população está tendo acesso aos nutrientes protéicos da carne. Agora feche os abatedores e os pequenos frigoríficos, deixe uma meia dúzia de frigoríficos botar o preço da carne lá em cima, que é o que vão acabar fazendo, que eles vão eliminar do mercado todos os consumidores de baixa renda que atualmente conseguem comprar carne desde que ela esteja suficientemente barata.”
“A Petrobrás! A Petrobrás sozinha teve renda maior que os quatro ou cinco maiores bancos do Brasil. Isso você não ouve falar ! E ninguém fala que o Fernando Henrique teve conluio com a Petrobrás. Não é esse o ponto. O sistema bancário tem certas vantagens por ser um setor regulado. Mas o sistema bancário, que chegou a ter 19% do PIB nacional, caiu para 6% e está caindo. Quando se fala esse negócio, isso tem efeito político. Politicamente, para ganhar votos, eu até acho estar certo o PT ter falado isso. Mas não corresponde à realidade.”
Muito atenciosamente,
João Pimentel
Veterinário, extensionista governamental da CATI-SAA-SP.