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Coisas que eu não entendo II

Eu não fazia muita fé que o “Coisas que eu não entendo” tivesse seqüência. A mim restavam uns dois ou três itens. Porém, com a valiosa contribuição de leitores do BeefPoint, lá vamos nós com outra listinha.

Só citarei nomes dos leitores que assim autorizaram. Dos demais, mencionarei apenas que se trata de contribuição de leitor, mas sem identificá-lo. E perdoem-me todos, nominais ou anônimos, pela necessidade de editar vossos textos, reduzindo a extensão, e também por não resistir à tentação de comentá-los. A simbiose entre autor e leitor é, por vezes, incontrolável.

Não me surpreendeu que emanasse do Poder Público a maioria das diatribes e reclamações dos leitores, pois, como já mencionei antes, nossa cultura ibérica, faz crer que o Povo existe para servir o Estado, e não vice-versa.

A atual situação do nosso país muito me lembra um livro escrito por meu ex quase sogro, o humorista Sérgio Porto (cujo nome artístico era Stanislaw Ponte Preta. Os “cinquentões” haverão de se lembrar dele). A coletânea do Stanislaw chamava-se “Éfebêapá” (Festival de Besteiras que Assola o País).

Passados mais de 30 anos, cá estamos nós revivendo o Stanislaw. Sem qualquer pretensão a método seqüencial, vamos a algumas preciosidades:

CPMF: por quê este imposto, que já se tornou definitivo, continua se chamando Contribuição “Provisória”? (Antonio Castello Branco).

Meu irônico comentário: deixaram o “P”, meu caro Antonio – para significar “Permanente”. Aliás, alguém já viu taxa ou imposto criado no Brasil, mesmo com a promessa de ser transitório, que não houvesse se tornado definitivo?

Economia emergente: há mais de 30 anos que o Brasil é classificado como “Economia emergente”. Será um processo em câmera lenta? (Antonio Castello Branco, novamente)

Meu confuso comentário: não sei, prezado Antonio. Sempre fui mau aluno de Física.

Greve de Juízes: se o Poder Judiciário realmente tivesse entrado em greve, para tentar manter os privilégios da classe – quem julgaria se a greve era legal ou abusiva? (autor anônimo)

Meu comentário obtuso: Sei lá, talvez Deus?

IPVA: é um imposto estadual, cobrado de todos os proprietários de veículos, tem sua arrecadação direcionada à conservação de estradas estaduais (pelo menos é o que nos prometem). Se assim é, o pagamento de pedágio nestas estradas não se constituiria em amoral bi-tributação? (Fabrício Pelizer de Almeida)

Meu comentário meio desanimado: Bingo, prezado Fabrício, você tem toda razão.

Correção de valores na declaração de Imposto de Renda: Por quê não podemos corrigir os valores de nossas fazendas, não apenas as terras, como também benfeitorias – já que existe inflação? (Lóris De Carli)

Meu comentário, já em total desalento: para criar um fictício “lucro imobiliário” a ser pago, quando de alienação do imóvel, meu prezado Lóris (meu companheiro de criação da raça Tabapuã).

Contradição: haverá cura para a esquizofrenia do atual governo federal, que ora age como empedernido revolucionário, ora adota uma postura conservadora – qual uma nau sem rumo, o que é sentido mais nítida e dolorosamente no campo? (autor anônimo)

Meu comentário sombrio: sou pessimista a este respeito. Consultar um psicólogo, ou uma pitonisa, seria mais proveitoso. Em programa de TV durante a Expozebu 2003, o entrevistador me fez uma pergunta similar. Tudo o que pude dizer é que a ausência de personalidade (ou o excesso delas) do governo federal, cedo ou tarde eclodirá em eventos muito desagradáveis, talvez próximos de uma ruptura institucional.

As contradições internas do governo federal são abissais. O Ministério assemelha-se a um “samba do crioulo doido”. E já passou a hora do vosso presidente Lula descer do palanque, e assumir a presidência da República. E se ele conseguir, mal não faria observar a indispensável compostura e liturgia que o cargo exige.

Criação de empregos: o Brasil importa 2/3 de toda borracha natural que consome. Portanto, produz apenas 1/3, certo? Esta cultura é intensiva em mão de obra, fixa e semi-especializada. E a cada quatro hectares, cria-se um emprego direto, sem mencionar os indiretos – com a vantagem de fixar o homem ao campo, amenizando o inchaço das grandes cidades. Por quê não estimular esta cultura que, ao mesmo tempo em que reduz nossa dependência externa desta matéria-prima estratégica, melhora nosso saldo comercial e, não menos importante, pode criar milhares de empregos rurais? (Dirceu Borges Monteiro F.)

Meu comentário algo aturdido: não sei, Dirceu. Burrice, talvez?

Permitam-me algumas observações adicionais de minha lavra:

Invasão de Terras I: o vosso Procurador Geral da República, Sr. Cláudio Fontelles declarou, segundo os jornais, que “invasão pacífica e ordeira de terras improdutivas, não fere o estado de Direito”. Perdoe-me o preclaro Procurador Geral da República, que, em uma só frase, e com notável poder de síntese, conseguiu cometer três heresias:

1a) Heresia jurídica: invasão de próprio alheio, público ou privado, em uso ou não, é caracterizado no Código Penal brasileiro, como crime.

2a) Heresia etimológica: não existe invasão pacífica. O ato de invadir, por si só, mesmo que não haja derramamento de sangue, constitui ato de violência. O dicionário mais próximo poderá elucidar ao nobre causídico, e de forma definitiva, a questão.

3a) Heresia substantiva: quem julga se a terra é improdutiva ou não? Pelo excelso parecer do Sr. Fontelles, é o próprio beneficiário-invasor, perdão, ocupante pacífico.

Invasão de Terras II: o vosso Procurador Geral, desta feita do INCRA, em impressionante contorcionismo de interpretação legal, assim considerou a legislação que impede sequer a vistoria, quanto mais a desapropriação, de qualquer área rural invadida: “na realidade, apenas a parcela invadida está vedada à vistoria e desapropriação, desde que o restante da área da propriedade rural seja suficiente para o funcionamento da mesma”, assim declarou este senhor (ou algo bem similar).

Ora, pois, façamos uma singela ilação: Deus tal não permita, que a residência deste senhor seja invadida. Mas a área invadida restrinja-se a uma sala apenas. Não poderá chamar a polícia, pois, afinal, desfruta ele da posse e do uso do restante de sua (dele) residência. Simpático, não?

Salvo se a excepcional criatividade dos leitores do BeefPoint cessar de abastecer-me com essas “pérolas”, meu próximo artigo deverá versar sobre assunto “sério”.

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