Estou deliberadamente atropelando a vasta contribuição dos leitores do BeefPoint, para realizar um pequeno vôo solo. É que há um assunto que tem me agoniado muito, ultimamente. A ilusão de que conseguiremos observar crescimento da renda, do nível de emprego, enfim, da Economia, com o atual sistema fiscal e tributário brasileiro. O senhor vice-presidente da República, que tanto luta pela redução dos juros básicos, como grande empresário e homem inteligente que é, sabe, tão bem, ou melhor, do que eu que o grande gargalo ao crescimento econômico no Brasil chama-se: peso do Estado (Toda vez que eu mencionar a palavra “ESTADO” considere-se a soma dos governos: federal + estaduais + municipais).
Este artigo na realidade não deveria se chamar “Coisas que eu não entendo”, mas sim “Coisas que infelizmente eu entendo”.
O “Espetáculo do crescimento”: O vosso presidente Lula, lastreado apenas em pequena queda de juros básicos, e também talvez por seu (dele) proverbial otimismo, tem mencionado com alguma freqüência que estaríamos por assistir o tal “Espetáculo do crescimento”. Não vamos, não. Pode sentar-se confortavelmente e aguardar, caro leitor, que o início da sessão deste “espetáculo” vai demorar, e muito. O máximo que pode ocorrer é algum “aquecimento” da economia, algo morno e sem fôlego suficiente para criar renda, emprego, e desenvolvimento de forma sustentada.
Gostaria de poder privá-lo, dileto leitor, de noções básicas de macroeconomia, mas, em função do que se anda falando por aí (Com todo o respeito: jamais vi tanta gente de “língua presa”, com tamanho pendor a ser “língua solta”) faz-se necessário explicar alguns conceitos básicos sobre política de desenvolvimento. Não é necessária argúcia, sequer grande conhecimento técnico, para entender algumas regras básicas.
Há três pré-requisitos para o crescimento consistente da economia de qualquer país:
A – Investimento: externo ou interno
B – Priorizar “Ciência e Tecnologia”
C – Aumento de produtividade (para o que é necessário ter-se Educação de boa qualidade, principalmente, é claro, às camadas mais pobres da população brasileira).
Vamos analisa-los de forma fria e desapaixonada:
A – INVESTIMENTO
O Brasil não tem mais estatais de peso para privatizar (ou melhor, ainda tem, mas não é intenção do governo federal continuar o programa de privatização dos governos anteriores. Não estou concordando, nem discordando, apenas constatando).
O grande fluxo de investimentos externos no Brasil, não secou, mas está apenas pingando. Isto não apenas era previsível, como fácil de entender. No auge das privatizações, havia entrada de recursos pela simples aquisição de empresas estatais. Depois vinha mais algum tanto, para colocar estas empresas funcionando da forma que seus novos donos queriam. Isso acabou. Muito pelo contrário, o que se verifica agora é o inverso: remessa de lucros (quando os há) para o exterior. Nada mais normal: a filial mandando dinheiro para a matriz.
Concomitantemente às privatizações, observamos na década de 90, outros investimentos de vulto, principalmente na indústria automobilística. Se a memória não me falha, o Brasil tem hoje 18 montadoras (certamente um exagero).
Seja como for, no auge dos investimentos externos no Brasil, chegamos a contabilizar US$ 30 bilhões por ano. Estima-se que deveremos ter em 2003/2004 nada mais que US$ 8 a 10 bilhões por ano – agravado pela recessão mundial (quando falo em investimento, excluo o especulativo, e de curto prazo – que não merecem, nem se encaixam nesta classificação).
Com este baixo índice de investimento externo (2% do PIB), o Brasil teria de recorrer à poupança interna (que, aliás, é a melhor, em todos os sentidos: ela “mora” no Brasil, ela promove diminuição de dependência externa, e, ainda por cima, pode ser vigorosa ferramenta de distribuição mais eqüitativa de renda).
Esta “poupança interna” poderia ser suprida pelo Estado – como acontece na Coréia do Sul – com pesados investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia. Por qualquer ângulo que se queira ver (até o marxista), a “poupança interna” gerada pelo Estado no Brasil é negativa. Em português claro: o Estado é, no Brasil, uma amante dispendiosa e perdulária, que te toma mais dinheiro do que te dá prazer.
Não teremos poupança (investimento) externa suficiente. A “poupança interna” gerada pelo Estado no Brasil é negativa. O que nos sobra? Poupança interna privada – ou seja, o meu dinheiro, o seu dinheiro que, investidos em produção (exemplo: mercado de ações), poderia gerar o tal “espetáculo do crescimento”.
Desculpe-me, caro leitor, por ser tão agourento. Mas é simplesmente impossível existir “poupança interna” quando o Estado se apropria de 34% do PIB (Produto Interno Bruto) através de taxas e impostos. Os críticos da reforma tributária (vejam bem, sequer é reforma fiscal) em curso, calculam que o peso da tributação poderá chegar a 41% do PIB.
Se assim for, então mais uma vez a Europa de curva diante do Brasil. Teremos ultrapassado a Noruega, e atingido o 1o lugar no Mundo, em matéria de tributação a pessoas físicas e jurídicas. E recebemos em troca o que?
Resumindo: se a poupança (investimento) externa já está sendo, e continuará sendo muito baixa; Se a “poupança interna pública” é negativa; E se a “poupança interna privada” é confiscada através de pesada tributação, o que sobra em termos de dinheiro para investir, e que sancione a afirmação do vosso presidente Lula, de que em breve estaríamos apreciando o “Espetáculo do crescimento”? Nada, mas nada mesmo. Mais fácil será recolocar a pasta de dente dentro do tubo.
B – CIÊNCIA e TECNOLOGIA
Não sejamos tão pessimistas. Quem sabe investimentos em “Ciência e Tecnologia” dão um empurrãozinho?
O Brasil investe apenas cerca de 0,6% do PIB em “Ciência e Tecnologia”, enquanto países como Alemanha, Coréia, Japão, EUA, investem de 2% a 4% do PIB. Não nos esqueçamos que atual governo federal cortou 45% do orçamento da Embrapa para 2003. E, como todos sabemos, não existiria a agropecuária moderna e pujante de hoje, não fora a Embrapa.
Além do mais, o atual ministro de Ciência e Tecnologia pretende descentralizar as “ilhas de excelência” existentes. Como somos país riquíssimo, podemos nos dar a este luxo. Como dizia o economista José Alexandre Scheinkman em recente palestra, ao criticar este modelo: nos Estados Unidos (país paupérrimo, como sabemos), se há um excelente Físico no estado de Arkansas, ele vai para algum centro de excelência em Física, seja onde for. Aqui se pretende criar vários centros de excelência, como se a simples existência deles fizesse brotar, por mágica, excepcionais técnicos e cientistas. E com que dinheiro, meu Deus?
C – AUMENTO DE PRODUTIVIDADE
Será que “aumento de produtividade”, embora seja mais subjacente que determinante para o “crescimento da economia”, pelo menos isto, estaremos conseguindo? Infelizmente não, embora a ação governamental em termos de Educação tenha melhorado nos últimos anos.
Por favor, não nos esqueçamos de uma equação muito simples, mas que funciona (aqui, e em qualquer lugar do mundo): só através da Educação é que o ser humano pode se tornar mais eficiente, mais “produtivo”. E só através do aumento real de produtividade é que se consegue uma verdadeira e duradoura distribuição de renda, coisa que, para a tristeza de muita gente, não se consegue por decreto.
Não estou muito otimista a este respeito. Apesar de considerar o ministro Cristóvam Buarque um dos melhores quadros do PT, e homem inegavelmente capaz, constata-se uma perda na área de atuação do Ministério da Educação. Possivelmente pelo fato do vosso presidente Lula haver criado uma série de ministérios (boa parte deles abrigando amigos de longa data, que perderam eleições), e, pior ainda, esses ministérios não terem área de atuação definida, alguns programas e recursos do Ministério da Educação estão sendo canalizados para esses ministérios de “ocasião”. Exemplo? O altamente eficaz programa “Bolsa Escola” que, se ainda não foi, em breve mudará de endereço, de nome, de foco, e de eficiência. Pena.
Lamento muito, mas muito mesmo, em ser tão pessimista em relação ao crescimento da economia brasileira, em curto prazo. Mas o pessimista às vezes é apenas um realista bem informado (desculpem-me pela falsa de modéstia).
Fato é que não existem mágicas:
Se a intenção é obtermos, ao mesmo tempo, e de forma firme e duradoura: (I) Crescimento da Economia. (II) Melhor distribuição de Renda, e (III) Melhoria no nível de Emprego, só há um caminho: a diminuição do Estado, não apenas em seu nocivo e paralisante intervencionismo, mas principalmente, através de redução drástica da brutal carga de impostos que inibem investimentos, geração de empregos, e de renda. E que sufocam a Nação.
Economia é, muitas vezes, a manipulação do óbvio. Só isso. Façamos, pois uma comparação com pecuária: se você investe em genética, mas não em meio (pastagens, suplementação mineral, etc.), o que ocorre? Você está jogando dinheiro fora, pois gastou para obter uma genética superior, mas não permitiu que o potencial desta genética se manifestasse em sua plenitude, por ausência de meio de qualidade compatível. É isso o que verificamos hoje no Brasil.
Estamos caminhando para uma desoneração do setor produtivo, como prometeu por repetidas vezes o governo federal? Acredito que não.
A prédica é essa, mas a prática indica um aumento de carga tributária, e também um acréscimo no já astronômico “Custo Brasil”. Não fora uma das primeiras propostas deste governo, a redução da carga de trabalho semanal de 44 para 40 horas, sem redução salarial. Só aí o custo da mão de obra seria onerado em cerca de 10%.
Como já faz tempo que não acredito em Papai Noel, Saci Pererê, fadas e duendes – aguardo um exemplo inequívoco do governo federal para começar a acreditar que as promessas da campanha eleitoral eram para valer, e não apenas para ganhar a eleição.
Para a felicidade geral – inclusive a minha – o próximo artigo da série “Coisas que eu não entendo”, contará com a valiosa e vigorosa contribuição dos leitores do BeefPoint, que já se manifestaram. E se você quiser participar, por favor, envie seu comentário.
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Meu caro Carlos,
Você faz uma crítica coerente, racional. Parabéns. Toda crítica construtiva é importante para o país.
Só não concordo com os seus dizeres “Vosso Presidente”. Como democrata e nacionalista que sei, você é, e mesmo não tendo votado no Lula, seria mais coerente, respeitoso e até cordial de sua parte considerá-lo, como Nosso Presidente. O Presidente é do Brasil, ou não é?
Vamos em frente, companheiro!
Grande abraço,
Prezado Antonio,
É um prazer receber mensagem sua, por quem tenho longa amizade. Mesmo que seja para receber um “puxão de orelhas”.
Entendo suas razões quanto ao uso do termo “vosso presidente” e não “nosso presidente”. Não se trata de desrespeito meu, nem falta de apreço pessoal ao presidente Lula. Pelo contrário, como ser humano, gosto bastante dele. Além de ser detentor de uma biografia fantástica, parece-me um dos poucos políticos que não se deixaram corromper pela malícia e pela hipocrisia.
Porém, e assim como com Fernando Henrique, Itamar, Collor e os que o antecederam, não o considero “meu” presidente. O “meu” último presidente chama-se Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Que o sr. Luiz Inácio Lula da Silva é, legitimamente, presidente do “meu” país, não há qualquer dúvida. Que ele seja ou não “meu” presidente, é questão de foro íntimo meu – e não de descortesia.
Assim, como cidadão, e respaldado pela Carta Magna da Nação, reservo-me o direito de tratá-lo, com todo o respeito, de “vosso presidente”. Se algum dia, e sinceramente espero que tal ocorra, ele me fizer mudar de idéia, passarei a tratá-lo como “meu presidente”. Até então…
Com um forte abraço,