Quase sempre uma crise força a gente de repensar tudo o que fizemos e estamos fazendo e de entender o porque de ter chegado neste ponto. Nestas reflexões surgem então oportunidades para mudar o rumo, corrigir os erros e sanar os equívocos cometidos no caminho que levou a crise. Então, vamos parar de chorar sobre o leite derramado e trabalhar de acordo com o que nós podemos fazer no momento, porém sem perder de vista os ideais que temos para a tão abençoada, mas também tão invejada pecuária brasileira.
Quase sempre uma crise força a gente de repensar tudo o que fizemos e estamos fazendo e de entender o porque de ter chegado neste ponto. Nestas reflexões surgem então oportunidades para mudar o rumo, corrigir os erros e sanar os equívocos cometidos no caminho que levou a crise.
Muitas vezes estamos quase às cegas, como se tivessemos montados num cavalo doido sem ter tempo de poder olhar nos lados, sem querer ouvir outras opiniões, e perdendo assim o foco no que realmente importa.
Na realidade devemos até agradecer o aperto que a União Européia nos está dando, porque pelo que parece desta vez o jeitinho brasileiro não vai funcionar tão bem.
Apesar de que deve entrar ainda bastante carne por vias milagrosas e criativas, o embargo é no mínimo chato e caro, mas o pior resultado é sem duvida a imagem negativa que está sendo criada junto às autoridades e consumidores finais europeus sobre a segurança alimentar da carne brasileira.
E aí estamos tocando num ponto crucial e onde, no meu ver, a cadeia completa de carne bovina e o governo têm culpa no cartório no que tange a quase total ignorância e desprezo pelos interesses dos consumidores finais, tanto aqui no Brasil como lá fora também.
Caso não mudarmos esta situação drasticamente, é perigoso que a cadeia de carne brasileira seja percebida como desconfiável na visão dos consumidores finais e das autoridades aqui e lá fora.
Ficou claro que os participantes da cadeia de carne bovina brasileira não puderam imaginar qual foi o tamanho dos estragos que as ocorrências de doenças como aftosa e vaca louca causaram na bovinocultura na Europa e principalmente na Inglaterra, onde dizimaram rebanhos e apesar dos fazendeiros de lá receberem gordas compensações, muitos deixaram por desgosto o ramo e a atividade.
A doença de vaca louca continua, pelo que parece, a ser uma ameaça real para a saúde pública européia, porque o tempo de incubação do prion em humanos é reportado de chegar a até 30 anos.
O mero fato de que ainda tem consumo de carne bovina por lá é a prova da confiança que os consumidores tem na controle e segurança alimentar e também um exemplo de um marketing vitorioso em condições totalmente adversas.
Devido a um esforço gigantesco e concentrado da vigilância sanitária e da pesquisa na Europa, os problemas foram contornados e hoje aparentemente são perfeitamente administráveis, mas é obvio que as autoridades brasileiras num instinto de autopreservação criarqm o Sisbov não só para cumprir as exigências da União Européia, mas também como um tipo de salva-guarda caso uma situação similar aconteça por aqui.
É bom ressaltar que ninguém aqui no Brasil, no meu ver, pode afirmar que nunca teremos a doença da vaca louca, apesar de que as chances de acontecer isto são mínimas.
Alguns anos atrás, praticamente no início do Sisbov, estavamos falando sobre a rastreabilidade com representantes de um grande importador europeu e um dos seus mais importantes clientes, sendo uma grande rede de supermercados, e naquele momento ficou claro que o safety-net brasileiro de garantias normais em vigor naquele momento já atendia, pelo menos no papel, em grande parte as exigências mínimas daquele tempo sendo o mais importante a rastreabilidade dos lotes e das fazendas só que isto foi muito mal divulgado pelo pessoal aqui no Brasil e pelo jeito não entendido pelas autoridades lá fora; isto tem um forte cheiro de falhas graves na comunicação.
O grande problema na União Européia é que um caminhão de gado que vai para os abatedores tem no caminho, quase sempre, entrada em várias fazendas para carregar gado até completar a carga; este foi e ainda é a razão principal pela exigência de identificação individual do gado lá fora.
Aqui no Brasil, onde praticamente não temos este problema nos frigoríficos, uma simples lei proibindo o carregamento e transporte de gado de várias fazendas no mesmo veículo para o abate teria esclarecido e fornecido um embasamento legal para o caso, apesar de que isto apenas seria uma confirmação do que na prática já existe e funciona bem há muito tempo.
Como o país já tinha criado o Sisbov, ninguém deu mais bola para este assunto e partimos então para a ignorância jogando os jogos “esconde-esconde” e “me engana que eu gosto”.
Mas nada impede, que isto seja corrigido agora e com as melhorias que foram implantadas na emissão do GTA eletrônica e na identificação individual das carcaças na sala de matança dos frigoríficos, me parece que o bom senso técnico pode prevalecer.
Os sistemas de produção e as fazendas onde são praticados terão que ser certificados como aptos para produção de carne para o consumo humano, aqui no país e lá fora.
Por isto e o fato de que aqui no Brasil até hoje não se tem notícias de ocorrências da doença de vaca louca, o clima é propício para uma nova avaliação sobre as garantias de rastreabilidade e segurança alimentar que devemos oferecer para os consumidores finais incluindo os da União Européia.
Uns dos enormes erros que cometemos foram a introdução das certificadoras na cadeia, ignorar o potencial do SIF que podia ter um protocolo muito mais abrangente e não incluir para valer os frigoríficos e pecuaristas no assunto de rastreamento.
A discussão sobre o Sisbov ficou restrita à identificação individual dos animais vivos e assim invalidou e obscureceu tudo que já estava sendo feito e que podia ser muito melhor regulamentado e divulgado por vias legislativas.
Nos resta agora corrigir os rumos, e é obvio que a identificação individual dos animais vivos tem que ser uma meta para médio e longo prazo com claros benefícios financeiros e fiscais para aqueles que já estão neste caminho.
O papel das certificadoras deve ser revisto e, para mim, ficarão sob a responsabilidade do SIF/ SDA. As responsabilidades dos frigoríficos nos assuntos de segurança alimentar e rastreamento devem ser esclarecidos e sacramentados por vias legais.
• Todos os frigoríficos devem ter Inspeção Federal.
• Somente pode ser transportada e vendida carne oriunda destes estabelecimentos fiscalizados.
• A vacinação, quando e onde é obrigatório, contra doenças é um caso de segurança alimentar e por isto se enquadra na segurança nacional e o não cumprimento das regras por parte de produtores e donos do gado deve ser considerando como um crime contra a saúde pública com severas punições para os infratores.
• Tem que se introduzir a classificação de carcaças, principalmente para gado já rastreado através de identificação individual dos animais vivos.
• Todos os protocolos, procedimentos dentro das indústrias tem que ser expostos em português e inglês.
Então, vamos parar de chorar sobre o leite derramado e trabalhar de acordo com o que nós podemos fazer no momento, porém sem perder de vista os ideais que temos para a tão abençoada, mas também tão invejada pecuária brasileira.
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Caro Louis,
Lendo o seu artigo fica a impressão que a culpa de toda esta situação é das certificadoras, achamos que esta análise precisa ser feita com mais profundidade e critérios.
Temos no país certificadoras e certificadoras e sua atuação está diretamente vinculada ao Mapa, que é quem instituiu o Sisbov e quem tem o dever de fiscalizar o cumprimento de todas as normativas. Se alguém não cumpriu ou não cumpre que seja feita justiça, mas acusar todo o sistema não nos parece o caminho mais adequado para o momento.
Como pode ser visto fazemos parte deste grupo, hoje julgado culpado, culpa que não aceitamos, pois em toda a cadeia, do produtor ao frigorífico existem desvios de conduta, que precisamos corrigir e seremos os primeiros a continuar fazendo o que sempre nos propomos, trabalhar com seriedade e oferecer aos nossos clientes um produto de qualidade garantida.
Resposta do autor:
Caro Geraldo,
Muito obrigado pela sua carta com um protesto contra a suposta culpabilidade das Certificadoras na novela SisBov.
Não vou esconder que sempre fui e sou frontalmente contra a introdução das Certificadoras, do jeito que foi feito, na cadeia de carne porque criou uma barreira grande entre os produtores de gado e o frigorifico e é uma fonte interminavel de manipulação pelo menos por um grande parte das “empresas certificadoras”.
Por curiosidade fiz um “curso” de capacitação de certificador que não durou mais de duas horas o que foi no meu ver uma grande piada. A mais séria objeção que tenho é que a instituição e o papel do SIF não foi usada da maneira mais ampla e que a relação verificado na pratica entre certificadores e frigorificos/ produtores tem margem para promiscuidade porque falta meios efetivos de fiscalização e auditoria e as industrias parecem que não se sentem responsáveis pelo que acontece antes do desembarque do gado nos currais das industrias.
Como escrevi no artigo, o papel dos certificadores tem que ser revisto e o vinculo com a MAPA melhor definido.
É obvio, quando uma cooperativa de Med. Veterinarios, como a de vocês, trabalha como um certificador o assunto tem tudo para ser levada e séria, mas mesmo assim fica presa numa visão, no meu ver, errada como devemos trabalhar como cadeia de carne bovina aqui no Brasil.
Não estou culpando as Certificadoras, mais sim os seus criadores, no fim ninguém tem culpa mas todos são culpados pela situação que se tornou, no meu ver, insustentável e quanto mais cedo mudamos o rumo melhor para todos.
Um abraço,
Louis.