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Como a Argentina, China e UE restringem exportações brasileiras

Medidas restritivas contra exportações brasileiras vem aumentando em seus principais parceiros comerciais. Nada menos de 50% das vendas do país para a Argentina, China e União Europeia (UE) estão expostas a barreiras. Essa situação é detalhada em relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentado ao governo Lula.

O levantamento produzido com 19 entidades setoriais identifica 77 barreiras notificadas ao governo brasileiro em 25 mercados. ‘A grande parte das exportações brasileiras enfrenta obstáculos de acesso a terceiros mercados’, diz a gerente de Comércio e Integração Internacional da CNI, Constanza Negri.

As perspectivas não são de melhora, com a Organização Mundial do Comércio (OMC) projetando agora crescimento de apenas 1,7% do comércio global, depois do aumento de 2,7% no ano passado. A demanda global diminui e o protecionismo aumenta. Para a América do Sul, na qual o Brasil tem peso preponderante, a estimativa da OMC é de crescimento das exportações de apenas 0,3% comparado a 1,9% no ano passado. Do lado das importações, a região deve ter contração de 1,6% depois da expansão das compras de 4,2% em 2021. Essa situação reflete a baixa no crescimento econômico, e a tendência é de cada um tentar proteger ainda mais seu mercado.

O mapeamento da CNI aponta 16 barreiras na União Europeia, oito na China e seis na Argentina em empate com o Japão. Em seguida, estão Arábia Saudita, Índia, México, Colômbia, Indonésia e África do Sul. Os principais tipos de barreiras são: 21 sanitária e fitossanitária (SPS), 18 de regulamento técnico (TBT), 14 de imposto de importação, 10 de sustentabilidade, cinco de licenciamento de importação e nove outras medidas (cota tarifária de importação, subsídios, etc).

Conforme a entidade, as barreiras às exportações brasileiras no exterior têm aumentado em quantidade e tipo, e adquirido formas mais sofisticadas, muitas vezes de difícil identificação, e dificultam a inserção internacional. Menciona o Global Trade Alert (GTA), que monitora medidas comerciais adotadas pelos países. O GTA diz o Brasil foi potencialmente afetado por mais de 9.430 restrições comerciais entre 2009 e 2022, indicando um acúmulo de restrições ao comércio internacional desde a crise financeira global.

Para se ter uma ideia, de US$ 50,8 bilhões exportados pelo Brasil para a União Europeia, US$ 24,2 bilhões das vendas estão expostas a alguma restrição, ou seja 47,5% do total. Com a China, de US$ 89,4 bilhões de vendas, US$ 45,2 bilhões também enfrentam restrições, representando 50,5% do total.

Com a Argentina, a situação é ainda pior. Nada menos de 61,4% das exportações brasileiras para esse país foram impactadas por barreiras, ou seja, US$ 9,4 bilhões impactadas por barreiras de um total de US$ 14,3 bilhões exportados no ano passado.

Essas cifras são ainda mais inquietantes, porque os dois países são sócios do Mercosul, teoricamente um mercado comum onde as mercadorias deveriam circular livremente.

As exportações brasileiras para a Argentina melhoraram no ano passado, com alta de 29% em relação ao desastre de 2021. Mas no dia a dia o relato é de dificuldades que aumentaram para a indústria brasileira vender no vizinho e sócio do Mercosul.

Desde a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o setor de açúcar permanece como exceção ao livre comércio no bloco. A Argentina impede que a tarifa aplicada ao produto seja zero e a mantém em 20%.

Sobretudo, o governo argentino aumenta o uso de barreiras técnicas, controle nas importações, afetando grande número de setores da indústria brasileira. Um número enorme de produtos brasileiros está submetido a licença de importação. É uma medida prevista nas regras comerciais, mas o governo não pode demorar mais de 60 dias para decidir se dá ou não a licença para o produto entrar no mercado argentino. Na prática, o governo da Argentina demora em média 90 dias.

Produtos como têxtis e confeccionados; preparação à base de cereais, farinhas, amido, féculos ou leite; cereais, biscoitos, massa alimentícias; bebidas, itens de perfumaria, de higiene pessoal e de limpeza doméstica; e uma multitude de outros produtos também enfrentam barreiras técnicas para entrar na Argentina.

Outro problema é o enorme atraso de pagamento, ilustrando a dificuldade do país vizinho.

As restrições contra produtos brasileiros tem a ver com a situação econômica difícil do país, mas seus efeitos horizontes são muito negativos para os exportadores brasileiros, ainda mais porque, segundo o setor privado, essa situação vem se agravando nos últimos tempos.

Na prática, os dois países estão se tornando mutuamente menos relevantes, e não só pela falta de competitividade. O potencial que está deixando de ser explorado é enorme. A avaliação é de que, muitas vezes, o próprio comércio exterior argentino sofre com a situação, com a demora na entrada de insumos que vem do Brasil que serviriam para sua própria exportação depois.

Na expectativa da indústria, pela dimensão relação econômica bilateral e da parceria política entre os dois governos, Brasília e Buenos Aires deveriam estar em condições de encontrar soluções que prejudiquem menos as vendas brasileiras. Ou seja, a indústria acha que deveria existir um sistema permitindo as exportações brasileiras não caírem tanto na triagem, ou pelo menos haver celeridade maior quando o produto vem do Brasil.

No caso da China, um produto como o café brasileiro, por exemplo, enfrenta a mesma escalada tarifária aplicada pelos países desenvolvidos – e que a própria China julga escandalosa quando o tema é discutido em negociações na OMC.

A escalada tarifária ocorre assim: a China aplica alíquota de importação de 8% para o grão de café e de 32% para a essência do produto. O que Pequim quer é importar o grão para seus produtores locais ganharem com o valor agregado, e não deixar essa renda para o país exportador.

Há uma série de outras barreiras na China que freia a diversificação de vendas cobrada pelo Brasil. As políticas de subsídio afetam também diretamente exportações brasileiras de alumínio, borracha, ferro, aço, máquinas, aparelhos e materiais elétricos.

Produtos como suco de laranja, cosméticos, alimentos para animais domésticos com proteína de origem de ruminantes, produtos com organismos geneticamente modificados e couro web também estão expostos a obstáculos na China.

Na União Europeia (UE), persistem barreiras tradicionais e agora as barreiras novas. A carne suína brasileira está proibida de entrar na EU, por causa de uma legislação sobre febre aftosa que não seria baseada em qualquer regra ou justificativa técnica, segundo a CNI.

As medidas fitossanitárias continuam freando a entrada maior de produtos agrícolas. Os europeus restringem até a entrada de pão de queijo congelado. Exigências de decisão de adequação afetam a entrada de serviços de tecnologia da informação, telecomunicações e outras. Artigos têxtis, couro, peles também são atingidos.

A CNI considera agora novas barreiras na forma de regulamento sobre commodities e produtos associados ao desmatamento, como carne bovina, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha, madeira e celulose. Os objetivos são legítimos de produção do consumidor, mas nos detalhes a inquietação do setor privado é com o potencial de protecionismo disfarçado. O risco é de perda de grande fatia do mercado europeu para produtores de outros países. A previsão é de perda nas exportações.

A taxa de ajuste carbono na fronteira também trará desafios para o acesso ao mercado europeu para ferro e aço, alumínio, cimento, fertilizantes, por exemplo. O risco é grande de perda de participação no mercado europeu para outros países. Também nesse caso, o Brasil precisará comprovar que faz a transição verde, para evitar mais danos reputacionais no futuro.

O setor privado tem razões para se queixar de que haverá custos maiores para as empresas se adaptarem às medidas unilaterais da UE. Mas o Brasil precisará comprovar que faz o dever de casa contra o desmatamento e proteção dos povos indígenas, e isso não apenas para a União Europeia.

O levantamento da CNI menciona também a inclusão do Brasil nos EUA na lista de produtos ligados ao uso de mão de obra infantil e/ou forçada. As exportações brasileiras afetadas são revestimentos cerâmicos e vestuário. Washington diz que não pode retirar os setores brasileiros da lista sem que haja um estudo de campo que comprove a ‘significativa redução’ do problema.

Outra potencial restrição à importação está em preparação para commodities e produtos derivados provenientes de terras desmatadas ilegalmente. A consulta nos EUA identifica igualmente carne bovina, soja, café, celulose e borracha, por exemplo. Pelas estimativas da CNI, 9,4% das exportações brasileiras para os EUA serão afetadas pela medida.

No contexto atual de proliferação de barreiras, muitos países reforçaram questionamento a restrições comerciais. Os relatórios como o que a CNI acaba de preparar normalmente são feitos pelos governos.

Para a indústria brasileira, o Brasil precisa ser menos tímido e juntar forças de diferentes ministérios para identificar barreiras cada vez mais sofisticadas, e que aumentam os custos para os brasileiros. Ou seja, é preciso um monitoramento sólido para ter uma gestão de risco, questionar a legalidade de diferentes restrições que afetam as exportações do país e tudo isso sem demoras injustificáveis.

Fonte: Valor Econômico.

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