Carla M.S. Pedreira 1
Introdução:
A palavra colágeno deriva de dois termos gregos: Kolla, que significa cola e Genno, que significa produção(10).
O colágeno é uma proteína macromolecular composta de três cadeias peptídicas de tamanhos iguais (cadeias alfa, contendo pequenas quantidades dos açúcares galactose e glucose. É rico no aminoácido glicina (que compreende 1/3 da constituição total de aminoácidos), seguida pela hidroxiprolina e prolina (que compreendem outros 1/3 do total de aminoácidos). Devido a quantidade de hidroxiprolina ser sempre constante (13-14%) nos tecidos, este aminoácido é usado para estimar a quantidade de colágeno(4,5,6,9,10,11,12).
Nos mamíferos, o colágeno é a proteína mais abundante do corpo (constitui 20-30% da proteína total do corpo). Apresenta funções e quantidades diversas (dependendo da sua localização no corpo animal), como auxiliar na estrutura dos músculos e órgãos, protetora da pele, sustentação no osso, amortecedora na cartilagem hialina transmissora de forças de tendões e etc.(5,7,8,10,12)
Na carne, a maciez é diretamente influenciada pelo colágeno. As diferenças de maciez das carnes, em relação ao colágeno, não dependem somente da quantidade do colágeno presente, mas também da sua qualidade (tipos de colágeno e a natureza das ligações cruzadas).
Aplicações do colágeno:
O colágeno é encontrado sob a forma de subprodutos de matadouro-frigorífico como peles, tendões, músculos, cartilagens, ossos, córneas, aponevroses e órgãos. Sua utilização depois de extraído e purificado na indústria é ampla, tendo aplicações em produtos cosméticos, farmacêuticos e alimentícios. Em cosméticos, é utilizado em cremes de beleza (devido sua propriedade emulsificante), shampoos, condicionadores, sprays, produtos para banhos e maquilagem, esmaltes e outros. Na indústria alimentícia é utilizado em formulações para bolos em programas de enriquecimento protéico, mas sua maior importância está na sua utilização como tripa reconstituída para embutidos e como agente estabilizador em emulsões cárneas (por possuir uma porção hidrofílica e outra hidrofóbica). Quando da ocorrência do tratamento térmico este sofre gelatinização, tornando-se parcialmente solúvel na porção gordurosa da emulsão, daí seu papel importante na estabilização de uma emulsão cárnea. Na indústria farmacêutica, é utilizado para curativos de ferimentos e queimaduras, agente hemostático, veículo para medicamentos, suturas, lentes de contato, biopróteses, etc.(6,7,8,9,10)
Tipos de Fibras de Colágeno:
No total são encontrados 19 tipos diferentes de colágeno(7), sendo que na carne são encontrados 6 tipos (Tipos I, II, III, IV, V e VI).
* Tipo I: são fibras estriadas e com diâmetro entre 80 e 160 nm. Ocorrem em paredes dos vasos sangüíneos, tendões, ossos, pele e carne e é sintetizado pelo fibroblastos, células musculares lisas e osteoblastos.
* Tipo II: apresentam diâmetro menor de 80 nm e ocorrem na cartilagem hialina e discos intervertebrais. São sintetizados pelos condrócitos (células formadoras de cartilagem).
* Tipo III: forma fibras reticulares com algum grau de elasticidade, encontradas no pulmão, aorta e músculos. É sintetizado pelos fibrolastos e células musculares lisas. Apresenta alguma função na regulação do crescimento da fibra de colágeno.
* Tipo IV: ocorre no endomísio ao redor das fibras musculares individuais.
* Tipo V: é sintetizado pelos mioblastos (células formadoras do músculo), células musculares lisas, e possivelmente pelos fibroblastos. O Tipo V de colágeno também tem sido encontrado na base das membranas das fibras musculares, exceto no ponto onde as fibras musculares são inervadas.
* Tipo VI: é um tretâmero do Tipo VI. Ele forma uma rede filamentosa e tem sido identificado nos músculos e pele.
Desses tipos de colágeno, os mais estudados, e que influenciam diretamente na maciez da carne são os do Tipo I e III(3,5,7,10,12). Segundo BAILEY & SIMS (1977), o colágeno do Tipo I é o componente principal das membranas do epimísio e perimísio, enquanto que o Tipo III se encontra no perimísio e em menor proporção no endomísio, e o do Tipo IV se encontra em pequena quantidade no endomísio.
Colágeno e Textura da Carne:
O colágeno apresenta efeito direto sobre a textura da carne, atuando diretamente na maciez da carne. A influência na maciez da carne depende da quantidade e da qualidade de colágeno, localização no tecido muscular, dimensão (tamanho da fibra de colágeno) e tipo de ligação cruzada (solubilidade) dentro dos tipos de colágeno. Outros fatores como raça, espécie animal, idade, sexo, raça, etc., também influenciam na estrutura e conteúdo de colágeno no músculo(5). Existem diferenças entre mesmos músculos de espécies animais diferentes e diferenças entre músculos da mesma carcaça.
Na carne, o colágeno se encontra principalmente no epimísio (bainha de tecido conjuntivo que circunda o músculo inteiro), perimísio (tecido que circunda os feixes de fibras) e endomísio (tecido que circunda cada fibra).
Dos tipos de colágeno existentes, os do Tipo I e III são encontrados no perimísio em grandes quantidades, no músculo esquelético, e assim teriam uma maior contribuição na textura da carne(1).
Segundo SWATLAND (1999), exemplos de diferenças de maciez entre mesmos músculos de espécies animais diferentes é que em suínos as ligações cruzadas encontradas no músculo Longissimus dorsi (LD) são menores do que em músculo LD de bovinos. Ainda, as ligações cruzadas no músculo LD são menores do que em músculo Semimembranosus (Sm), ou seja o músculo LD é mais macio que o Sm.
O colágeno é uma proteína termolábel, que pela ação do calor experimenta mudanças que afetam a qualidade dos produtos cárnicos(5). Quando em cocção, a carne é amaciada devido elevadas temperaturas afetarem o colágeno do Tipo I (encontrado no epimísio), enquanto que o colágeno do Tipo III é menos afetado pelo calor. A explicação para esse fenômeno é que, o colágeno do Tipo I apresenta mais ligações cruzadas lábeis ao calor e ao ácido, enquanto que o colágeno do Tipo III apresenta ligações dissulfeto intramoleculares, aumentando a estabilidade ao calor das fibras(3).
A diferença na maciez da carne de animais jovens e velhos, em relação ao teor colágeno, ocorre devido o fato que em animais jovens a síntese de grandes quantidades de colágeno novo é mais rápida, do que em animais mais velhos(2,11). Como em colágeno novo existem poucas ligações cruzadas (que reduzem a solubilidade da molécula de colágeno) este colágeno é facilmente solubilizado quando da aplicação de calor (cocção). Este fato é evidenciado em trabalho de WOESNER JR. (1961), que mostra uma diferença marcante na solubilidade do colágeno, onde em animais jovens de 8-9 semanas 22% do colágeno intramuscular é solubilizado em água quente, em novilhos de 10 meses essa solubilidade reduz para 12% e em vacas adultas a solubilidade cai para 4%.
Também, com a idade ocorrem diferenças nas ligações cruzadas do colágeno. Segundo LIRA (1997) são conhecidos dois tipos de ligações cruzadas no colágeno: ligações intramoleculares e ligações intermoleculares. As ligações intramoleculares ocorrem no interior da molécula. As ligações intermoleculares ligam uma tripla hélice a outra e são cruciais para o mecanismo de estabilidade da fibra de colágeno.
Em estudos de LIGHT et al. (1985), observaram-se correlações entre o diâmetro da fibra muscular e a dureza da carne . Carnes com diâmetro da fibra de colágeno acima de 75 nm apresentaram menor maciez (Sternomandibulares e Gastrocnimius).
O sexo também influencia o conteúdo de colágeno, onde animais machos apresentam maior quantidade de tecido conectivo intramuscular, que as fêmeas. A castração, reduz o conteúdo de colágeno melhorando a qualidade da carne(5).
Bibliografia Consultada:
1 BAILEY, A.J.; LIGHT, N.D. Connective tissue in meat and meat products. London: Elsevier Applied Science, 1989. p.355.
2 BAILEY, A.J.; SIMS, T.J. Meat tenderness: distribution of molecular species of collagen in bovine muscle. Journal Science and Food Agriculture, v.28, n. , p.565-570, 1977.
3 BURSON, D.E.; HUNT, M.C. Heat-induced changes in the proportion of types I and III collagen in bovine Longissimus dorsi. Meat Science, v.17, p.153-160, 1986.
4 HEDRICK, H.B.; ABERLE, E.D.; FORREST, J.C.; JUDGE, M.D.; MERKEL, R.A.; Principles of Meat Science, 3rd edition, Chapter 5. Conversion of Muscle to meat and development of meat quality. p.95-122. 1994.
5 FLORES, J.; BERMELL, S. Colágeno: características y propriedades de interés para la industria cárnica. Revista Agroquímica Tecnologia Alimentos v. 28, n.4, p.463-472, 1988.
6 LAWRIE, J. 1985. Meat Science. Oxford, New York, Pergamon Press, 4th Edition, 267p.
7 LIRA, G.M. Influência do colágeno sobre a textura de carnes. Higiene Alimentar, São Paulo, v.11, n.48, p.12-18, mar./abr. 1997.
8 LIGHT, N.; CHAMPION, A.E.; OYLE, C.; BAILEY, A.J. The role of epymisial, perimysial and endomysial collagen in determining texture in six bovine muscles. Meat Science, v.13, p.137-149, 1985.
9 OLIVO, R.; BETANHO, C.; DAGLI, M.L.Z.; SHIMOKOMAKI, M. Como as fibras de colágeno estabilizam uma emulsão cárnea. Revista Nacional da Carne, São Paulo, v.20, n.230. p.20-24, abr. 1996.
10 SHIMOKOMAKI, M. Aproveitamento de sub-produtos das indústrias cárneas para produção de colágenos e suas aplicações. Revista Nacional da Carne, São Paulo, v.16, n.187. p.32-34, set. 1992.
11 SWATLAND.1999. Fibrous connective tissue. 9p. http://www.uoguelph.ca/~swatland/ ch2_3.htm
12 WOESNER, Jr., J.F. The determination of hydroxiproline in tissue and protein samples containing small proportions of this amino acid. Archivos Biochemical and Biophysical, v.93., p.440, 1961.
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1 Aluna de Pós-graduação (Doutorado)
Departamento de Produção Animal
USP-ESALQ – Piracicaba – SP.
Bolsista FAPESP.