"Se você joga a vaca num espaço junto com baldes de grãos, então você é uma pessoa incoerente", explica Thomas Harttung´s Aarstiderne, "Mas, se você coloca o animal no seu devido lugar, o pasto, isso pode vir a calhar principalmente na neutralização de carbono".
Traduzido por Luciano Bitencourt, da brasilcomz
O celeiro está em reforma na fazenda, uma propriedade na costa do Maine1. Por enquanto, o local é apertado em razão das vigas de concreto e chapas de madeira, mas quando as obras acabarem, o celeiro contará com um abrigo de inverno com capacidade para mais de seis bovinos e um tanto mais de cabeças de ovelha. Nada disso seria algo tão notável se não fosse o fato de que o proprietário desse celeiro é ninguém menos que um dos fazendeiros norte-americanos de produtos orgânicos de maior destaque no país: Eliot Coleman. Foi ele que escreveu, junto com a colunista de jardinagem do jornal Washington Post, Barbara Damrosch, a bíblia dos produtores de orgânicos, The New Organic Grower2 – algo como “O Novo Produtor de Orgânicos”. Num momento em que é cada vez maior o número de ambientalistas clamando o fim do consumo de carne, essa dupla central do pensamento vegan3 está começando a repensar a teoria. “Por quê?”, questiona Coleman, cheio de lama e ao lado da sua estufa repleta de nabos recém-plantados. “Porque eu preciso fazer algo pelo destino do planeta”.
Desde que o departamento para agricultura das Nações Unidas (FAO) concluiu uma pesquisa, em 2006, que atribuiu 18% da emissão de gases que provocam o efeito estufa à pecuária – de acordo com o estudo, um volume maior do que o impacto causado pelo setor de transportes -, a discussão em torno da atividade tem crescido bastante. A princípio, foram os próprios grupos de vegetarianos que usaram as descobertas da FAO para evidenciar e impor suas dietas à base de vegetais. Desde então, um volume cada vez maior de ambientalistas aderiram à causa. Em audiência realizada recentemente no Parlamento Europeu, e intitulada “Política Agrícola e Alerta Global: Menos Carne = Menor Aquecimento”, Rajendra Pachauri, diretora do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, argumentou que diminuir o consumo de carne é “simples, eficaz, além de uma medida que deve ser aplicada a curto prazo e com o apoio de todos que pretendem contribuir para a redução da emissão de gases”.
E de todos os animais da qual o homem se alimenta, nenhum deles é tão responsável pelas mudanças climáticas quanto aqueles que fazem “múúú”. Vacas não só consomem mais alimentos energéticos do que outros plantéis; elas também produzem mais metano – o poderoso gás responsável pelo efeito estufa – do que qualquer outro animal. “Se o interesse primordial é restringir a emissão de gases, não deveríamos comer carne bovina”, disse Nathan Pelletier, um economista da área ecológica da Dalhousie University, em Halifax, capital da província canadense de Nova Escócia, ao destacar que um bovino produz em média de 6 a 13,6 quilos4 de dióxido de carbono a cada 0,45 quilo de carne produzido.
Sendo assim, como Coleman e Damrosch podem acreditar que, ao se dedicarem à pecuária, estarão salvando o planeta? O pecuarista Ridge Shinn tem a resposta. Num sábado frio na sua fazenda em Hardwick, no estado do Massachusetts, Shinn move seu rebanho de animais da raça Devon pelas pastagens, em busca de maior cobertura. Ao longo do ano, seus 100 animais irão rotacionar aproximadamente umas quatro ou cinco vezes pelos 175 acres de pastos. “O modelo tradicional de pecuária é como a mineração”, diz ele. “É insustentável, porque o que você tira não é colocado de volta. Mas quando você cria o gado a pasto, muda-se a equação. Pois retorna-se à natureza mais do que é retirado”.
O negócio funciona da seguinte maneira: pasto o tempo todo. Criar bovinos e outros ruminantes em dietas exclusivamente a pasto, significa animais que serão abatidos sob um novo modelo de crescimento, e que ajudarão no trabalho de adubação e decomposição de outros materiais orgânicos no solo, tornando-o rico em húmus. Além disso, as raízes das plantas, no caso a pastagem, ajudam a manter o solo saudável ao reter água e microorganismos. Em boas condições, o solo fixa o dióxido de carbono no subsolo e, portanto, fora da atmosfera.
Pense: aproximadamente 99% do rebanho bovino de corte dos Estados Unidos passam seus últimos meses em confinamentos, onde são entupidos com ração à base de grãos de soja e milho. Em poucas décadas, o crescimento da produção dessas rações e concentrados resultou em milhares de hectares de padrarias abandonados ou direcionados – junto com vastas plantações de trigo – para a alimentação intensiva, e lucrativa, do gado. “A maior parte da pegada de carbono da carne bovina vem da utilização de grãos na alimentação dos animais, que requer o uso de fertilizantes à base de combustível fóssil, pesticidas e rede de transportes, na produção”, disse Michael Pollan, autor de The Omnivore´s Dilemma5. “A pegada de carbono da carne bovina produzida a pasto é bem mais leve”. Na verdade, apesar de o gado a pasto produzir mais metano do que o confinado (plantas ricas em fibras são mais difíceis de se digerir do que cereais, e qualquer pessoa que tenha sentido os efeitos gástricos de se comer repolho ou brócolis sabe disso), sua rede de emissões é menor uma vez que ajuda o solo a sequestrar carbono.
De Vermont, no estado da Nova Inglaterra, onde o produtor de leite e carne de vitelo, Abe Collins, desenvolve um software que ajuda manter rica em carbono, rapidamente, a camada superior do solo, para a Dinamarca, onde a fazenda Thomas Harttung´s Aarstiderne mantém 150 cabeças de gado, a vanguarda entre os pequenos produtores é seguir a ordem do dia e tentar ser muito mais amigo do meio ambiente do que as fazendas industriais. “Se você joga a vaca num espaço junto com baldes de grãos, então você é uma pessoa incoerente”, explica Harttung, “Mas, se você coloca o animal no seu devido lugar, o pasto, isso pode vir a calhar principalmente na neutralização de carbono”. Collins vai além. “Com a gestão da propriedade, selecionadores, pequenos produtores ou invernistas, podem alcançar 2% de incremento nos níveis de carbono em áreas de lavouras, pastagens ou solos áridos, nas próximas duas décadas”, prevê. A hipótese levantada por algumas pesquisas é a de que apenas 1% de incremento poderia (principalmente em áreas extensas) ser o bastante para capturar um total equivalente às emissões mundiais de gás carbono responsáveis por provocar o efeito estufa.
Essa matemática leva em consideração fazendeiros como Shinn que não usa fertilizantes ou pesticidas para manter suas pastagens, que não necessita de energia para produzir o que seus animais comem e que obtém a alimentação do gado gratuitamente e a partir de recursos naturais como o sol. Além do mais, as pastagens utilizam áreas que de outra maneira poderiam estar improdutivas. “Gostaria de ver alguém tentando plantar soja aqui”, disse ele, gesticulando em direção ao rochedos existentes nos campos ao seu redor.
Por diversas razões, carne bovina produzida a pasto é saudável. Uma delas certamente envolve os animais; pois a criação a pasto não necessita dos antibióticos que os confinamentos são forçados a aplicar no gado para prevenir a acidose que ocorre quando a alimentação do plantel é à base de grãos. Comparada com a carne oriunda de animais confinados, a carne bovina a pasto possui menos gordura saturada e maior concentração de Omega-3s – ácido presente no Salmão e indicado para o coração. Mas isso ainda parece estar longe de ser verdade para os consumidores de carne bovina.
Nem todo mundo pode pagar por esse diferencial. Nesse agregado soma-se o alto preço na etiqueta da carne bovina produzida a pasto – Shinn´s abastece o mercado cobrando cerca de R$ 12,00 em 450 gramas6, mais do que o dobro do preço da carne de animas confinados. Do outro lado, os confinadores alegam que somente a produção em escala pode abastecer a demanda por carne bovina, principalmente nas áreas de grande crescimento populacional. Criticam a produção a pasto em razão de ser uma alimentação menos calórica do que a dos grãos, o que significa dois ou três anos em pastagens para se atingir o peso ideal para o abate – exigência que o gado confinado atinge em apenas 14 meses. “Isso sem falar que, com menos animais, e em menor tempo, se produz exatamente o mesmo volume de carne nos confinamentos quando comparado ao sistema a pasto”, comenta Tamara Thies, responsável pelo conselho de meio ambiente da National Cattlemen´s Beef Association7 (que contesta o índice de 18% da FAO), “além disso, se os animais confinados crescem mais rápido, então eles produzem menos gases que provocam o efeito estufa”.
Na opinião de Allan Savory, a mentalidade da economia em larga escala ignora o papel que o gado a pasto pode exercer na luta para enfrentar as mudanças climáticas. Antigo preservacionista da vida selvagem no Zimbábue, Savory há muito responsabiliza o sistema extrativista pelas ações de desertificação. “Eu fui preparado para derramar muito sangue nos ranchos deste país”, lembra. Através do pastejo rotacionado com volumosos, ele conseguiu reverter a degradação local, transformando um solo até então pobre e morto numa pastagem vistosa para grandes ruminantes.
A exemplo de Savory, Coleman também zomba o discurso ambientalista que difama o consumo de carne bovina. “A idéia de que evitar o consumo de carne bovina é uma solução para o mundo, é ridícula”, salienta o fazendeiro em sua propriedade no Maine. “Um vegetariano que se alimenta de tofu fabricado industrialmente, e a partir da soja produzida no Brasil, é muito mais responsável pela emissão de CO2 do que eu.”
A elegância do sistema natural de crescimento dos vegetais, por exemplo, pode nos ensinar bastante sobre círculos de vida. A partir do momento em que os fazendeiros Coleman e Damrosch tiveram que conduzir seus plantéis, eles se tornaram hábeis em “utilizar o esterco como alimento para as plantas e as plantas como alimento para os animais”, conforme salientou o primeiro. “E já que não somos consumidores de pastagem temos que transformá-la em algo da qual podemos nos alimentar”.
Link para a matéria: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1953692-1,00.html
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1 Um dos 50 estados norte-americanos. Está localizado na região da Nova Inglaterra, no extremo nordeste do país. Florestas cobrem aproximadamente 90% do Maine, que é conhecido como The Pine Tree State. É considerado o ponto mais oriental dos Estados Unidos.
2 A jornalista Abend parece ter se enganado quando a co-autoria do livro, que foi escrito apenas por Coleman. De acordo com o site Amazon.com, Damrosch assina junto com Coleman outra obra: “Four-Season Harvest: Organic Vegetables from Your Home Garden All Year Long.”
3 Teoria relativa ao vegetarianismo.
4 Texto original: “13 to 30 lb. of carbon dioxide per pound of meat”.
5 Lançado no Brasil, em 2007, como “O Dilema do Onívoro, uma história natural de quatro refeições”, pela editora Intrínseca.
6 Texto original: “$7 a pound.”
7 Associação Nacional dos Produtores de Carne Bovina, ou BeefUSA (Beef.org), entidade norte-americana sediada no Colorado
*O artigo é de Lisa Abend, publicado na Revista Time (Time.com), em 25 de janeiro de 2010, traduzido por Luciano Bitencourt, da brasilcomz.
3 Comments
Tenho dúvidas a respeito desse assunto!!
Por exemplo, por que ficam tão preocupados com o que bovino produz de metano, se ele sempre produziu, em alguns momentos mais e em outros menos, mas nunca deixou de produzir.
Pelo pouco que entendo a natureza por si só, sem esforços, conseguiria absorver por completo tudo que é produzido de metano não só por bovinos como por todos os animais e vegetais, isso se não houvesse por parte do HOMEM tanta emissão descontrolada e incosequentede de dióxido de carbono CO2. Dai me aparece uns “Zés Bonitinhos” e começam a colocar a culpa toda na Vaca.
Talve na minha pouca experiencia e ignorância esteja Muito Errado, se estiver me ajudem, preciso me esclarecer!!
Muito Obrigado!!
parabens para o beefpoint por trazer um texto tão coerente e atual, e que contribui com a dendencia de se desenvolver a interligação do homem com a natureza;
Metodos de produção intensiva a pasto, alem de recuperar a vida do solo, traz o bem estar animal, diminui os custos de produção com o passar do tempo, devido o aumento da materia organica no solo, assim como no plantiu direto da lavoura.
E agora aprendi mais uma, diminui os efeitos do gas metano produzido pelos bovinos, capturando CO2 da atmosfera.
Não sou cientista e não tenho conhecimentos técnicos, mas quando criança aprendi logo cedo na escola os ciclos da água e do carbono. E em quimica aprendi que nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.
Uma parte do carbono absorvida pelas plantas volta a atmosfera no processo de decomposição das mesmas. Parte é absorvida pela solo e parte pelos animais que as ingerem. E os animais também podem servir de alimento a outros e, quando mortos, estão sujeitos a decomposição.
Um boi a pasto, como predomina no Brasil, é um sistema em equilibrio. Na verdade tende a acumular carbono (matéria orgânica) no solo mais que emiti na atmosfera. Mesmo considerando o efeito dos “puns” de metano. É um sistema de baixa intensidade.
Converter um ruminante, adaptado a se alimentar de pastagens em um comedor de grãos pode intensificar o processo de produção, mas certamente desequilibra o mesmo.
O que ambientalistas apontam na produção pecuária brasileira é que a derrubada da florestas para abertura de pastagens emite muito carbono na atmosfera. É uma verdade. Não adianta questionarmos. Mas é também uma visão unidimensional. Não avaliam o quanto a atividade pecuária como um todo extrai de carbono da atmosfera ao longo dos anos.
Os rebanhos de centenas de milhões de bisões que povoavam as pradarias americanas a dois séculos atrás são um exemplo de equilibrio.
O petróleo, gás e carvão nada mais são do que carbono de origem vegetal e animal aprisionados ao longo do tempo em camadas inferiores do solo.
Lógico que sua extração e queima de grandes volumes num período muito curto de tempo, geologicamente falando, dificulta sua reabsorção pela natureza.
O que fizemos no último século foi extrair e “queimar” combustíveis fosséis que a natureza sequestrou em centenas de milhões de anos em um ritmo frenético.
O problema aqui é de ritmo. As plantas não estão conseguindo sequestrar o carbono no ritmo liberado pela queima de combustíveis fosséis.
O impacto do atual modelo de industrialização, baseado no petróleo, e da sociedade de consumo é que precisam ser questionados.