Nos últimos radares foram discutidos aspectos relacionados à importância da gordura na carcaça, aceitabilidade e saúde do consumidor, além de fatores que interferem no desenvolvimento e pontos de deposição do tecido adiposo. Ainda na temática de gordura, neste radar serão abordadas algumas das recentes discussões sobre a composição dos diferentes ácidos graxos da gordura e seus efeitos na saúde humana.
Por muitos anos acreditou-se que a gordura da carne vermelha era a principal causa de doenças cardíacas e obesidade, o que criou uma aversão generalizada pelo produto. Mesmo com os recentes avanços na ciência demonstrando fatos que contradizem antigas teorias sobre este tópico, muitas pessoas ainda têm a concepção errônea de que carne vermelha é incompatível com dieta saudável (Taubes, 2001). Sabe-se hoje que mais importante que a quantidade de gordura ingerida, é a qualidade, ou seja a composição de ácidos graxos que compõe a gordura (Willians, 2000).
A gordura como parte da dieta, ao contrário do que muitos pensam, é essencial para boa saúde, assim como carboidratos, proteínas vitaminas e minerais. A gordura é uma fonte altamente energética (9 kcal/g), e disponibiliza ácidos graxos essenciais necessários não só para o crescimento e desenvolvimento, como também facilita a absorção intestinal de vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Além da função de reserva, a gordura tem importância estrutural, relacionada aos fosfolipídios e colesterol, que fazem parte da membrana celular. Vale lembrar ainda que 70% do cérebro é constituído de gordura.
A maior parte da gordura corporal, ou dos alimentos está na forma de triglicerídeos, que é uma molécula de glicerol ligada a três moléculas de ácidos graxos. As gorduras são classificadas de acordo com a estrutura química dos seus ácidos graxos (Baghurst 2002):
– Gordura saturada: composta por ácidos graxos de ligações simples, sendo os mais comuns o ácido mirístico, palmítico, láurico e esteárico.
– Monoinsaturadas: contém ácidos graxos que apresentam 1 única dupla ligação na sua estrutura. O principal ácido graxo monoinsaturado da carne é o oléico, o mesmo que está presente nos óleos de oliva, canola e amendoim.
– Poliinsaturadas: composta por ácidos graxos com mais de uma dupla ligação, sendo que a posição da dupla ligação determina o tipo de função. Neste grupo podem ser citados os ácidos graxos linolénico, linoléico, linoléico conjugado (CLA).
– Gorduras trans: ácidos graxos que apresentam configuração geométrica na forma trans. É pouco comum na natureza. Este tipo de gordura aparece após processamento industrial como a hidrogenação de óleos vegetais para produção de margarinas.
– Colesterol*: lipídio que tem importante função no organismo, como a estrutural por fazer parte de membrana celular, cérebro, sistema nervoso, produção de ácidos biliares, ou como precursor dos hormônios sexuais e síntese de vitamina D.
*Em seres humanos, o colesterol apresenta-se em sua maior parte ligado a lipoproteínas, que são principalmente o LDL e HDL. O LDL tem a função de levar o colesterol do fígado para os tecidos, enquanto o HDL retira da circulação o colesterol em “excesso”, levando para o fígado produzir sais biliares. A alta relação LDL:HDL é um dos fatores considerados de risco para doenças cardiovasculares na medicina moderna.
A carne vermelha é caracterizada pelo seu elevado teor de gordura saturada em relação a outros alimentos, porém isto não significa que a carne bovina tenha apenas um tipo de gordura. Na figura 1 é possível observar a contribuição relativa de cada tipo de gordura em uma porção de carne cozida (USDA, 1999). A gordura saturada perfaz apenas 45% do total, sendo que destes 1/3 é composto por ácido esteárico (12-15% gordura total). Por outro lado, as gorduras poliinsaturada e monoinsaturada perfazem 55% do total, sendo que 90% desta última são compostas de ácido oléico. Segundo revisão feita recentemente por Baghurst (2002), as proporções dos tipos de ácidos graxos nas gorduras intramuscular e subcutânea são semelhantes.
Tabela 1: Concentração de ácido esteárico em diferentes tipos de carne preparadas
Diminuição nas concentrações totais de colesterol, efeitos anti-aterogénico, anti-trombótico, e anti-inflamatório são atribuídos, principalmente, à ingestão de gorduras poliinsaturadas. As gorduras poliinsaturadas são compostas basicamente pelo ácido linoléico e linolênico, precursores do omega-6 e omega-3. Para que tais benefícios ocorram é necessário uma ingestão equilibrada entre omega-3/omega-6. Este tipo de gordura é comum em alguns óleos vegetais e gordura de peixe. Também ocorrem em menores quantidades em gorduras de ruminantes (carne e leite) e não ruminantes. Em ruminantes, estudos têm mostrado que é possível aumentar a concentração e alterar o perfil de gorduras poliinsaturadas através da manipulação da dieta. Desta forma, segundo Willians (2000), o consumo de produtos de origem animal é uma forma atrativa de aumentar a ingestão diária deste tipo de gordura. Porém, o autor faz ressalvas quanto à recomendação de ingestão em grandes quantidades de gorduras poliinsaturadas, devido aos efeitos negativos à saúde pelo alto potencial de lipoperoxidação.
Neste grupo de gordura está o ácido linoléico conjugado (CLA), que tem mostrado efeitos principalmente anti-aterogénicos e anti-carcinogénicos. Uma revisão completa sobre CLA está disponível no radar técnico de Qualidade da Carne (Ácido Linoleico Conjugado, gordura produzida por bovinos e seus efeitos para saúde 28/06/2002).
As gorduras trans, presentes principalmente em produtos industrializados, como a margarina, são mais nocivas à saúde humana que a gordura saturada da carne, pois além de aumentar os níveis de colesterol LDL, ela também reduz o HDL (Willians, 2000; Taubes, 2001).
Entre as gorduras, o colesterol é o que aparece em menor quantidade da carne vermelha, com valores semelhantes a de carne de frango (com remoção da pele) e suína (Tabela 2). A ingestão de alimentos ricos em colesterol, não significa aumento na circulação, pois a maior parte do colesterol circulante é sintetizado no fígado, e este tende a diminuir a produção quando grandes quantidades são absorvidas pelos intestinos.
Tabela 2: Comparação na composição de gordura nos diferentes tipos de carne (porção de 100g preparada) .
Com relação à gordura de carne bovina, Taubes (2001) cita que não existe nenhum trabalho epidemiológico que ao avaliar dietas ricas ou escassas em gordura animal, comprove o aumento na longevidade ou na incidência de doenças coronárianas. O autor cita três trabalhos de acompanhamento de 300 mil pessoas durante 10-20 anos onde foram gastos mais de 100 milhões de dolares. Em todos os três trabalhos as conclusões foram semelhantes:
– Não há nenhuma relação de doenças coronarianas com consumo de gordura bovina;
– Dietas ricas em gorduras monoinsaturadas reduzem o risco de doenças cardíacas;
– Dietas ricas em gorduras saturadas aumentam muito pouco, ou de maneira semelhante, os níveis de colesterol observados em dietas ricas em carboidratos (pão, macarrão, e doces).
Em sua revisão, Taubes (2001) faz duras críticas a trabalhos de baixo valor científico e a dados epidemiológicos, que execraram a gordura da carne bovina, muitas vezes por interpretação errônea. A exemplo disto, nos EUA, a diminuição de mortes por doenças cardíacas foi associada à redução do consumo de gordura animal, de 40% do total de calorias para os atuais 34%, entre 1980 até os dia atuais. As calorias da gordura foram substituídas por carboidratos. Por outro lado, a prevalência de obesidade aumentou de 14 para 22% da população, e as intervenções médicas em doenças coronarianas aumentaram de 1,4 milhão anuais, para atuais 5,4 milhões. Isto deixa duas questões: A diminuição das mortes foi por menor consumo de gordura, ou pelo avanço nas técnicas medicinais? O aumento de intervenções médicas/ano não poderia ser devido ao aumento da obesidade?
Carne vermelha, aparentemente, tem o mesmo efeito nas concentrações de colesterol no sangue que carne de frango ou peixe (Beef Facts, 1997).
Davidson et al. (1999) constatou tal afirmação ao comparar pessoas com níveis de colesterol elevados consumindo carne bovina ou carne de frango. Segundo os autores, as respostas foram semelhantes para ambos os grupos, com diminuição de até 3%, nas concentrações de LDL, sem alteração dos triglicerídeos, e com aumento do HDL em torno de 2%.
A diminuição dos níveis de colesterol através da dieta, dificilmente é reduzida além de 10%, enquanto que o uso de drogas específicas como as estatinas reduzem em até 30%, sem precisar alterar a dieta (Taubes, 2001). É certo que pessoas que apresentam tendências a níveis elevados de colesterol devem controlar o consumo de gorduras em excesso.
Sabe-se que a ausência total de gorduras nas dietas, com redução de níveis de colesterol abaixo dos 160mg/dl, podem levar a problemas de saúde, como morte prematura, tanto quanto para os níveis elevados de colesterol (>240 mg/dl), Taubes, 2001.
É indiscutível a importância nutricional da carne vermelha. Porém, apesar dos recentes achados científicos, ela ainda está cercada de mitos e preconceitos. Informações como as discutidas acima podem e devem ser usadas para desmistificação da carne vermelha.
Para completar o assunto gostaríamos de recomendar a leitura de alguns artigos relacionados a este tópico que já foram publicados no BeefPoint:
Radar Técnico Qualidade da Carne: Carne bovina faz mal à saúde? 23/5/2000; Colesterol: fato ou paranoia? 2/6/2000, Gordura vegetal faz mal à saúde? 24/11/2000; Ácido Linoleico Conjugado, gordura produzida por bovinos e seus efeitos para saúde. 28/6/2002
Comentário semanal: Excelente artigo sobre o histórico de consumo de carnes pela espécie humana – 10/8/2001; Excelente artigo sobre o histórico de consumo de carnes pela espécie humana – Parte 2 (continuação) – 17/8/2001 (Artigo na Integra do Dr. Dráuzio Varela sobre a revisão do Dr. Taubes).
Bibliografia consultada:
BAGHURST, K. Dietary fats, marbling and human health. In: Marbling Symposium. www. beef. crc.org.au . 2002.
BEEF FACTS. Dietary Fats and Meat. www.beefnutrition.org . 1997.
BEEF FACTS. Stearic Acid- A unique saturated fat. www.beefnutrition.org . 2000.
DAVIDSON, M. H.; HUNNINGHALE, M. D; MAKI, K. C.; et al. Comparison of the effects of lean red meat vs. Lean white meat on serum lipid levels among free-living persons with hypercholesterolemia.. Archives of internal medicine, v. 59, p. 1331. 1999.
TAUBES, G. The soft science of dietary fat. Science, v. 291. p.2536-2545. 2001.
USDA. Nutrient database for standart reference. www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp.
WILLIANS, C. M. Fatty acids and health. Ann. Zootech., v. 49, p. 165-180. 2000.