O início de 2004 está bastante movimentado devido ao caso de EEB nos EUA e muito já se falou sobre isso. O título desse editorial poderia até ser “Alguém ainda aguenta ouvir falar em vaca louca?”, parodiando o título do Carlos Arthur Ortenblad dessa semana na seção Espaço Aberto. Muitos falaram e poucos acertaram, pois grande parte dos comentários iniciais não se baseou em uma análise mais profunda.
A primeira grande afirmação foi de que o Brasil ganharia rapidamente mais espaço no mercado internacional, uma vez que os grandes mercados compradores tinham fechado suas portas aos EUA, segundo maior exportador do mundo. Hoje já se observa que o Brasil está conseguindo avançar, mas não tão rapidamente como anunciara. A assessoria do MAPA anunciou que em breve receberemos uma missão japonesa que, entre outros compromissos, irá avaliar a situação sanitária de nosso rebanho e estudar possibilidades de importação de carne brasileira. Excelente avanço, que foi favorecido pela maior facilidade de apresentação do Brasil pós-vaca louca nos EUA.
Outro ponto levantado foi que o consumo de carne bovina iria cair nos EUA, pois a população teria menos confiança em relação a segurança da carne bovina dos EUA. Quando houve as crises de EEB na Europa e Japão, o consumo nesses países caiu muito e levou alguns anos a se recuperar.
O Japão, por exemplo, ainda não conseguiu recuperar o consumo per capita a níveis pré-vaca louca (primeiro caso em setembro de 2001). Na Europa o mesmo aconteceu, com drástica redução de consumo. No entanto, no Canadá, o consumo de carne bovina hoje é maior que antes da EEB (maio de 2003). Por que isso aconteceu e o que podemos esperar que ocorra nos EUA?
O surgimento de casos de EEB na Europa e Japão foi seguido por fatos que mostravam que o sistema de segurança alimentar e controle sanitário desses países não estava sendo eficiente e principalmente não estava sendo transparente. A mídia atacou severamente o setor produtivo e uma imagem negativa em relação à segurança da carne e transparência dos envolvidos na produção de bovinos foi criada.
Hoje, países como França e Japão têm conseguido excelentes avanços no consumo de carne bovina e na reconquista da confiança dos consumidores por adotar uma comunicação cristalina junto a seus consumidores. A cadeia da carne francesa é reconhecida por sua maneira de se comunicar com consumidores em toda a Europa. A campanha conduzida pelo CIV (Centre d’Information de Viandes, similar ao SIC brasileiro) é um exemplo de como recuperar a confiança dos consumidores.
No Canadá e nos EUA existiu um trabalho muito bem feito por associações de produtores e organizações de classe objetivando informar e tranqüilizar os consumidores a respeito da doença, de que se tratava de um caso isolado, de que o risco de contaminação era muito baixo. Para se alcançar sucesso nessa empreitada é preciso divulgar em certos momentos informações não muito “positivas”, como por exemplo o número de pessoas que morreram da variante humana da doença ou como a doença pode ser contraída.
A percepção dos consumidores norte-americanos é de que a carne bovina é segura. Algumas pesquisas de opinião indicaram uma possível ressalva à carne vermelha, mas como é comum nesses casos isso não se materializou num menor consumo. Restaurantes e supermercados até o momento não notaram nenhuma tendência negativa no consumo. Existe uma tendência positiva em relação a carne orgânica, natural, gado criado a pasto, no entanto esse é um mercado percentualmente bem pequeno nos EUA, mas pode indicar uma possível mudança de consumo no médio prazo.
Outro ponto interessante é que grupo anti-carne (alguns deles são anti-tudo) está utilizando o episódio da vaca louca para difundir mensagens negativas em relação ao consumo de carnes em geral. Geralmente essas mensagens se utilizam do medo e da falta de informação para mudar a opinião das pessoas. Mais um lembrete de que é preciso ter uma comunicação clara, baseada na ciência e constante com o objetivo de levar a verdade sobre a produção de alimentos.
A maneira como os EUA e Canadá lidaram com tema EEB durante a crise da vaca louca e a maneira como Japão e França lidam com a informação hoje, após aprenderem com as lições da queda de consumo, servem como importante recado para o Brasil. Em alguns momentos parece que a cadeia da carne está omissa. Devemos tratar nossos consumidores com respeito e ter informações embasadas e claras. Esse é o seguro contra possíveis problemas no futuro.