Por Josyanne C. Marajó de C. Rocha1 e Raysildo Barbosa Lobo2
Resumo: O trabalho tem como objetivo descrever e conceituar o sistema de alianças mercadológicas existentes no Brasil, com a finalidade de oferecer aos consumidores produtos de melhor qualidade com regularidade e rastreabilidade. Foram relatados as vantagens de participar de um sistema de verticalização da cadeia produtiva e também os desafios enfrentados pelos elos participantes do processo. O trabalho aborda a importância da existência de um órgão que promova e coordene a integração de todos os elos participantes.
Introdução
Parceria vertical, ou aliança mercadológica no sistema carne bovina é definida como uma iniciativa conjunta de supermercados, frigoríficos e pecuaristas objetivando levar ao consumidor uma carne de origem conhecida e qualidade assegurada. Entretanto, não há porque não ampliar esta definição de modo a incluir outros agentes como açougues e serviços de alimentação. De acordo com Fearne (1998) esses negócios colaborativos (linkages, alliances, value-added chains ou partnerships) são vistos como um meio-termo entre os extremos do livre mercado de commodities, ou seja, de produtos sem marca, e da completa integração vertical.
As alianças na cadeia da carne bovina são estratégias comerciais utilizadas em vários países. Tanto na Austrália quanto nos Estados Unidos, esta iniciativa é feita na maioria das vezes em conjunto com associações de raças e com apoio do governo. Na Austrália basta existir relacionamento em apenas dois elos da cadeia para ser considerada uma aliança, ou seja, uma iniciativa em conjunto com produtores e supermercado ou qualquer canal de distribuição pode se enquadrar no conceito.
Uma aliança é uma associação com caráter duradouro entre fornecedores de produtos ou serviços com clientes e/ou intermediários comerciais. Podem contribuir para a melhoria da qualidade de atendimento dos clientes, bem como viabilizar a diminuição de estoques em pontos da cadeia de abastecimento, através da reposição contínua de produtos e entrega just in time na distribuição ao varejo (Alves, 1997). Para promover maior integração entre todos os agentes é necessário que se estabeleça normas (responsabilidades) para cada envolvido, da produção ao varejo (Fundepec, 1997).
Alianças estão surgindo, pois os clientes finais que consomem a matéria prima carne recebem na maioria das vezes um produto tratado como commodity e raramente seus anseios chegam ao frigorífico e menos ainda ao pecuarista. Somente analisando a cadeia produtiva como apresentada em sua totalidade na Figura 1, fica evidente seu nível de complexidade e pode-se constatar que as pequenas modificações alcançadas se devem a estratégias setoriais de curto prazo, sem aplicação de conceitos modernos visando à diminuição das tensões entre os elos e maximização do poder de adaptação às mudanças de mercado (Lazzarini et al, 1996).
As alianças mercadológicas vêm sendo criadas para atender segmentos de mercado diferenciados. Para isto, são necessários mecanismos de coordenação específicos entre os diversos agentes que compõem o sistema. Esta ação visa gerar um produto com atributos de qualidade, demandado por agentes que sinalizam para trás e para frente na cadeia. Nestas relações se necessita cada vez mais de postura cooperativa entre os componentes. Aumentam-se as especificidades dos ativos envolvidos, com o intuito de atender o consumidor, cada vez mais exigente e atento para adquirir produtos com uma segurança garantida.
O objetivo geral deste estudo foi descrever e conceituar o sistema de aliança mercadológica existente no Brasil, com a finalidade de oferecer aos consumidores produtos de melhor qualidade com regularidade e rastreabilidade.
Figura 1– A cadeia produtiva completa da carne bovina.
Vantagens no sistema de alianças mercadológicas
Uma estratégia do tipo coordenação vertical, através da aliança mercadológica, visa trazer vantagens a todos os segmentos que a compõem. Para o pecuarista, participar de um programa de qualidade, aumenta o giro de capital dentro da sua propriedade devido ao fato de estar trabalhando com uma matéria prima mais precoce e também pela possibilidade de haver uma remuneração extra pela qualidade de seu produto. A indústria terá a garantia do fornecimento de sua matéria prima, em quantidade e qualidade com regularidade, pré-determinada entre as partes. O varejo poderá promover aproximação entre o consumidor e o produto de qualidade garantida.
As vantagens de uma aliança estão fundamentalmente associadas à redução de custos de transação e melhorias em processos devido ao maior fluxo de informações e capacidade de previsão. Indústrias processadoras teriam a garantia de que o fornecimento de suas matérias-primas, em quantidade e qualidade, estaria de acordo com suas necessidades e a vantagem de poder estar mais próxima do consumidor de seus produtos e assim identificar mais facilmente suas necessidades de consumo, aumentar sua diferenciação em termos de qualidade e de serviços, controlar melhor seus canais de distribuição, entre outros (Silva e Batalha, 1997).
As alianças estabelecem um programa de qualidade que leva em conta uma redefinição do comportamento dos agentes que compõem a mesma. O oportunismo que geralmente compromete as relações comerciais entre os agentes econômicos na cadeia da carne bovina é um impedimento à melhoria da eficiência econômica dos diversos elos desta cadeia. A re-engenharia deste sistema produtivo não é fácil e está comprometida pelo individualismo, condição precária de exploração, baixo nível tecnológico dos pecuaristas e proprietários de frigoríficos e finalmente pela falta de informação dos açougueiros e consumidores. Somente as exigências dos consumidores provocarão a re-organização e educação do sistema produtivo da carne bovina. Nesta ótica o varejo assume uma posição estratégica, pois ele terá que identificar as exigências dos consumidores e repassar estas informações para toda a cadeia, surtindo os efeitos desejados no produto final (Pineda, 2001).
Desafios no sistema de alianças mercadológicas
Existem muitos desafios, que poderiam ser traduzidos em incertezas ligadas ao ambiente e ao comportamento dos agentes: os pecuaristas encontram dificuldades em trabalhar com oferta de novilhos ou bois para obter melhor fluxo de materia prima, forçando as alianças a criar uma estratégia operacional, determinando um fluxograma ou programação de produção mensal/anual de novilhos acabados de acordo com os padrões estabelecidos para o abate, e, com relação ao peso das carcaças, os quais afetam diretamente a produtividade industrial e a padronização dos cortes. O custo operacional onera o produto, motivo pelo qual os pesos das carcaças são tão relevantes.
Outra das principais dificuldades do sistema de alianças é promover uma harmonia de interesses dos participantes, que muitas vezes são conflitantes e requer do processo de coordenação transparência dos objetivos e das etapas a serem cumpridas por cada parte. Existe uma enorme diferença entre o poder de barganha dos distintos agentes.
Segundo Perosa (1999) este poder de barganha ora se apresenta maior para o pecuarista, ora pelos frigoríficos e, mais recentemente, para os distribuidores varejistas, observando ainda hoje a postura oportunista dos elos quando diz respeito a ganhos momentâneos. Tal postura, dificulta estabelecer um planejamento e uma modernização ao longo da cadeia, adicionando custos de transação e reduzindo a confiança das partes na relação.
Para obtenção de sucesso entre os relacionamentos organizacionais alguns aspectos devem ser levados em consideração. A excelência individual de cada participante, com adequado padrão produtivo e tecnológico que possam realmente contribuir para a produção de um produto diferenciado pronto a atender as exigências dos consumidores torna-se importante para a parceria. As relações entre os participantes devem ser congruentes com objetivos estratégicos a fim de beneficiar ambos parceiros, devendo haver dependência mútua.
É de fundamental importância a existência de um agente que promova a coordenação entre os elos da cadeia. As alianças praticadas na Austrália e nos Estados Unidos são em sua maioria coordenados por uma Associação de Raça com apoio do governo. O Fundepec tentou promover esta coordenação na Aliança Mercadológica no estado de São Paulo praticada até 1999. Infelizmente não está mais atuando, pois o mesmo não pode influenciar nas decisões comerciais e nas diferenças de poder entre os participantes.
Considerações finais e implicações
As alianças no mercado da carne bovina e especificamente nos programas de qualidade para a carne são estratégias de coordenação que estão crescendo em importância e podem representar mecanismos de melhor coordenação das cadeias produtivas.
Os problemas enfrentados por este tipo de coordenação são principalmente a falta de padronização e a irregularidade de oferta dos novilhos, a sazonalidade da produção, o oportunismo nas negociações, a falta de coordenação e o entrosamento entre os elos da cadeia produtiva. As iniciativas de coordenação do setor, promovida pelas alianças, contribuem para o progresso financeiro e produtivo do Sistema Agroalimentar, fazendo com que os produtores e a indústria tenham melhores lucros, os supermercados tenham produtos de melhor qualidade para ofertar aos consumidores, que por sua vez estão cada dia mais exigindo esta diferenciação.
As alianças visam integrar vários elos da cadeia produtiva, objetivando uma melhoria do produto final, um retorno financeiro para os elos envolvidos e como conseqüência criará um banco de dados único que servirá como base para programas de rastreabilidade. É importante que cada elo pense na cadeia como um todo para que realmente ocorra o sucesso, ao invés de pensar da porteira para dentro, esquecendo os elos que estão a sua frente e os que o antecedem.
Bibliografia consultada
ALVES, M.R.P.A. Logística agroindustrial. In: BATALHA, M.O. Gestão agroindustrial. Atlas, 1997.
FEARNE, A. Building partnerships in the meat supply chain: the case of the UK beef industry. Food Industry Management Group, Wye College, University of London, junho de 1998. (mimeo).
FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA PECUÁRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO. Programa FUNDEPEC de qualidade para a carne bovina. São Paulo, 1997. 10 p. (mimeo.).
LAZZARINI, S. N.; LAZZARINI S. G. PIEMEL, F. S.; Pecuária de corte: a nova realidade e perspectivas no agribusiness. Relatório Lazzarini & Associados. SDF Editores 1996. p. 56.
MACHADO, C. A. & NEVES, M. F.; Conseqüências da abertura do mercado externo para o produtor. In. V CONGRESSO O NELORE DO SECÚLO XXI., 2000. Ribeirão Preto. Anais…Ribeirão Preto. SP. Brasil. 2000. p. 14.
PEROSA, J.M.Y. Coordenação do sistema agroalimentar da carne bovina. Araraquara, 1999. 190 p. Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista, Faculdade Ciências e Letras de Araraquara.
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CARVALHO-ROCHA, J.C.M. de; FAVA NEVES, M.; LÔBO, R.B. Experiências com alianças verticais na coordenação da cadeia produtiva da carne bovina no Brasil. In: III Congresso Internacional de economia e gestão de negócios, 2001, Ribeirão Preto. Anais. Ribeirão Preto:FEA-USP.
SILVA, A.L & BATALHA, M.O. Marketing estratégico aplicado a firmas agroindustriais. In: BATALHA, M.O.
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1Zootecnista, Mestre em Melhoramento Genético Animal, Aluna de Doutorado em Genética da FMRP-USP, Ribeirão Preto. josymarajo@netsite.com.br.
2 Prof. Dr. em Genética do Departamento de Genética, FMRP/ USP, Ribeirão Preto. rayblobo@genbov.fmrp.usp.br
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Muito bom esse artigo, está de parabéns. O fluxograma também é importante para entender como funciona o SAG da carne bovina. Tenho certeza que as alianças mercadológicas fazem com que haja um avanço da cadeia produtiva já que servem como uma meio de comunicação entre os membros das cadeias.
Também estou produzindo minha monografia de graduação sobre os aspectos jurídicos dos mercados futuros na cadeia produtiva de carne, e esse artigo vem para complementar minhas obervações.