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Contribuições ao debate produção vs comercialização

Por Oberdan Pandolfi Ermitã1

Parabéns à equipe do BeefPoint pelo trabalho de consolidação deste espaço como importante fórum de debate do nosso setor.

A eficiência produtiva, muito bem definida e defendida pelo colega Vila, sempre será uma premissa para qualquer atividade empresarial. Por outro lado, acredito que a comercialização eficiente, defendida por Miguel, é tema válido e os argumentos levantados por Vila podem ser ponderados.

Todo incremento de eficiência produtiva, resulta em duas possibilidades extremas:

– Continuar vendendo o produto ao mesmo preço e se apropriar do ganho de eficiência, melhorando a margem de lucro.

– Repassar o ganho de eficiência, mediante redução do preço de venda do produto.

É sabido na teoria econômica que em mercados competitivos, onde não há segmentação e diferenciação do produto, todo incremento da eficiência produtiva do setor (continuar produzindo o mesmo só que de maneira mais eficiente) desloca a curva de oferta para a direita.

Dependendo do comportamento da curva de demanda e da sua elasticidade, a conseqüência é uma gradativa redução nos preços. Basta observar uma série histórica dos preços de uma commodity, parte do ganho de eficiência produtiva é repassado como redução de preço.

Não há como questionar que a pecuária de corte vem passando por um processo de incremento da eficiência produtiva, que também resulta em um aumento da produtividade. Nos últimos anos, o aumento da produção não se deve apenas ao ciclo, mas também ao gradativo acréscimo da produtividade.

O que motiva o produtor a inovar, é o desejo de continuar vendendo o seu produto e ao mesmo preço, se apropriando do ganho de eficiência. Entretanto, no caso da pecuária de corte, como se trata de um mercado competitivo (do ponto de vista da produção) e monopsonista (do ponto de vista daqueles que compram nosso produto) este desequilíbrio de forças transfere em um curto espaço de tempo todo o ganho de eficiência para o demandante.

De um modo geral, se não estou equivocado, o colega Francisco Vila considera como única alternativa viável para o setor; o produtor continuar melhorando sua eficiência produtiva. Vejamos a passagem:

“Sendo assim, não deve ser ´por aí´ (aumento de demanda e recuperação dos preços) que nós devemos repensar o nosso caminho para os próximos anos. (…) A solução começa em casa, ou seja, na fazenda do produtor. Enquanto a crise navega lá fora, podemos, nós, aproveitar para fazer algumas lições de casa que sempre ficaram para trás durante os anos de crescimento agitado e da experimentação febril de uma dúzia de tecnologias de aceleração da produção” (Francisco Vila. Claro que há saídas para a crise).

Conforme havia comentado, concordo plenamente com Vila que esta premissa sempre será válida. Entretanto, caso a estrutura de comercialização do nosso setor não se modifique, todo o ganho de eficiência sempre será repassado para os demais elos da cadeia e o produtor vai continuar “morrendo na praia”.

Além de se tornarem eficientes do ponto de vista da produção, as empresas também estão constantemente reinventando o seu produto, com inovação, segmentação e diferenciação. Esta é uma estratégia de atuar também no lado da demanda: modificar a curva de demanda. Se a estratégia não é observada, dependendo do poder de mercado do comprador, todo o ganho de eficiência será transferido.

No artigo “Porque nossa bezerra não pode calçar as havaianas da Giselle“, Vila enumera características do setor da carne, diferente das Havaianas, que tornam a metáfora frágil e que, portanto, “inviabilizariam” a tentativa de atuar no lado da demanda, ou a comercialização eficiente, defendida por Miguel. Vejamos resumidamente os argumentos de Vila:

– A Alpargatas era produtora quase monopolista, ao passo que os pecuaristas formam um mercado em concorrência perfeito.

– De forma inversa, os compradores das Havaianas são pulverizados (sem condição de impor preços), ao passo que o setor de carne bovina é, a cada dia que passa, mais cartelizado.

– No setor da carne não falta apenas embalagem, ainda falta conteúdo. A nossa carne ainda não corresponde aos requisitos de qualidade e sanidade conforme padrões internacionais. Mesmo resolvendo o problema da regularidade da oferta, ainda resta a problemática da logística que também tem a ver com ´qualidade´, ´pontualidade´ e ´custos´.

– A Alpargatas domina todo o processo produtivo, usa uma commodity tecnicamente simples como matéria prima, fabrica o produto final e ajuda o comércio, ao passo que a carne envolve toda uma cadeia, com muitas complexidades, que vai desde a origem dos animais até a tarefa de processar a carne.

Acredito que o sistema cooperativista pode superar algumas destas limitações e apontar um caminho para trabalhar a comercialização de maneira eficiente e, principalmente, não permitir que os ganhos de eficiência migrem totalmente das mãos do produtor.

Entretanto, esta proposta conota um modelo de cooperativismo que pressupõe uma filosofia empresarial que não considera a cooperativa com um fim em si mesmo, e sim como um instrumento para a conquista e consolidação de mercado para a produção de seus cooperados2. A cooperativa busca organizar o diálogo entre produtor e o mercado.

Neste modelo, algumas premissas são relevantes :

– Quadro de associados limitado: a cooperativa define sua escala de produção de acordo com um estudo de mercado e vende direitos de uso aos associados para conseguir o volume necessário de matéria prima. A cooperativa passa a ter um quadro de associados definido e, portanto, controle sobre a oferta;

– Proporcionalidade na oferta de capital: as integralizações de capital se dão em função da proporcionalidade que cada cooperado utilizará a cooperativa.

– Contrato de comercialização: a cada ciclo de produção, o cooperado assume o compromisso de entregar a quantidade pré-determinada do produto na data acordada entre produtor e cooperativa. Este fator se apresenta como importante vantagem competitiva. De um lado, ao possuir informações prévias, quantitativas e qualitativas sobre a matéria prima, se criam as condições para que se possam honrar de forma planejada contratos de venda do produto final com regularidade, qualidade e nas quantidades combinadas. De outro lado, a cooperativa passa a atuar repassando informações e incentivando o cooperado a produzir conforme demanda específicas de mercado, o que permite desenvolver diferenciação do produto e explorar nichos específicos e mercado, permitindo elevar a rentabilidade do produtor.

Resumidamente, vejamos porque esta proposta supera algumas das limitações apontadas por Vila:

– Tendo a cooperativa o controle sobre a produção e os cooperados honrando os contratos de entrega, o produtor sai da condição de mercado competitivo e pulverizado para um volume de produção relevante.

– Não concordo plenamente que nossa produção ainda falte conteúdo. Pelo contrário, acredito que é a atitude dos frigoríficos, sempre punitiva, que faz com que o conteúdo não seja aproveitado. Pelo menos esta é uma realidade que percebemos claramente aqui em Rondônia.

– No sistema cooperativista, também podemos dominar todo o processo produtivo e ter um Norte de atuação, com estratégias de negociação, busca de mercados, etc.

– Os contratos de entrega do produto, associado ao trabalho de extensão rural permitem conhecer a matéria prima e planejar a venda.

– Por último, com relação ao monopólio das grandes redes de supermercados, na hora da compra da carne bovina, pedindo permissão para usar a metáfora do Miguel, o supermercado não quer ficar sem as “Havaianas”, porque sabe que ela vende bem, daí sempre está demandando o produto e não o contrário. O poder de negociação muda de lado. Enquanto nosso produto for sempre ofertado, de qualquer maneira, o poder de negociação estará com as grandes redes, que com todo o mérito farão o máximo para adquirir o produto da forma mais cômoda (preço, prazo, etc.).

O primeiro passo para a mudança é não acreditar e aceitar que o que estamos vivendo é natural, sempre foi assim e que por isso continuará sendo. Enquanto continuarmos com atitudes servis, continuaremos trabalhando para pagar “mensalões”.

2Vide Chaddad F. R. & Bialoskorski S. (2002). Northeast Missouri Grain Processors, Inc. Uma cooperativa de nova geração. Workshop Internacional de Cooperativismo. Ribeirão Preso – SP.

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1economista e consultor

0 Comments

  1. Alexandre Zadra disse:

    Os comentários tecidos sobre o cooperativismo são corretos quando pensamos em volume e controle de qualidade pela proximidade entre os cooperados e a facilidade do fluxo de informações entre eles, quando da vinda da informação do mercado consumidor, ajustando a produção conforme demanda.

    Agora, nesse momento, precisamos agir para ajudar os criadores e não apenas teorizar.

    Iniciamos há 20 dias uma pesquisa de mercado com nossos clientes que compram nosso sêmen para saber o que vendem (bezerro, boi magro ou boi gordo), qual grupo racial dos animais e qual o número máximo que poderiam fornecer caso houvesse um prêmio por qualidade em 2006 2007 e 2008.

    Assim teremos um perfil por região de bezerros de qualidade, bois magros para invernistas e bois para abate.

    A idéia é nos reunirmos regionalmente com as lideranças e apresentar o que eles tem em mãos, aí sim, estaremos colaborando com o setor.

    Iniciamos parcerias com empresa de assessoria em nutrição e gestão (Sr. Vila conhece muito bem) em confinamentos e pecuária responsáveis pela nutrição de mais de 40.000 bois em confinamento para comprarem os bezerros de cruzamento produzidos por nossos clientes e esses por sua vez estão fechando parceria com frigorífico exportador.

    Esperamos outras empresas de insumos de sal, ração, etc mapear o que seus clientes tem e ajudar na verticalização da cadeia.

    Alexandre Zadra
    Gerente produto – Corte europeu – Lagoa da Serra
    Zootecnista