Por Lucas José Mari1 e Luiz Gustavo Nussio2
1. INTRODUÇÃO
As enterobactérias representam a menor parte da microflora de plantas forrageiras, mas se apresentam em número maior que as bactérias láticas e sua população eleva-se substancialmente nos primeiros dias de ensilagem. Normalmente com o decorrer do processo fermentativo, durante a queda do pH pelo desenvolvimento de bactérias ácido láticas (BAL), a população de enterobactérias sofre severo declínio. Entretanto, quando a fermentação é por algum motivo retardada, essas espécies de bactérias competem entre si por nutrientes. Outra conseqüência indesejável da fermentação por enterobactérias é a produção de endotoxinas – lipídio A – (Lindgren et al., 1987) e amônia (Seale et al., 1986; Henderson, 1987) durante o processo de ensilagem.
As enterobactérias competem com as BAL por carboidratos disponíveis, principalmente durante a fase inicial de fermentação. De acordo com Seale (1986) as enterobactérias iniciam a produção de amônia através de variadas reações de deaminação e comprometem severamente o valor nutritivo desse volumoso. Enterobactérias potencialmente patogênicas como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, bem como Listeria monocytogenes podem estar presentes na silagem, particularmente naquelas estocadas sob más-condições (Woolford, 1990; McDonald et al., 1991). Essas bactérias indesejáveis são responsáveis por desarranjos intestinais e mastite em bovinos, certas cepas de Listeria monocytogenes são relacionadas a um grande número de patogenias e causam aborto espontâneo (Brenner, 1984; McDonald et al., 1991).
Pouco se sabe sobre os tipos de enterobactérias presentes na forragem e silagem. Este artigo tem como objetivo apontar as espécies predominantes e a ação de ácidos orgânicos (lático, acético e fórmico) sobre a população destas bactérias indesejáveis.
2. MECANISMO DE AÇÃO E CONTROLE DE ENTEROBACTÉRIAS
Para controlar a população dessas enterobactérias, McDonald et al. (1991) preconizaram a rápida acidificação do meio por ação da fermentação lática em anaerobiose. Ainda, segundos esses autores, a formação de outros ácidos oriundos da fermentação por bactérias láticas heterofermentativas, especialmente o acético podem controlar a população de enterobactérias. O ácido fórmico, muito utilizado como aditivo no norte da Europa, tem propriedade de reduzir o pH e inibir bactérias seletivas que podem provocar efeito deletério sobre o processo fermentativo da silagem (McDonald et al., 1991). Esse ácido é conhecido por retardar o crescimento de microrganismos como enterobactérias, Clostridium sp., Bacillus sp., Listeria sp., leveduras e fungos (Baird-Paker, 1980).
O efeito inibitório dos ácidos orgânicos sobre a população de enterobactérias está relacionado principalmente à quantidade de ácido não-dissociado (Baird-Paker, 1980). A equação 1 mostra como pode ser calculada a porção de ácido não-dissociado. Entretanto, para Eklund (1985) um efeito mais tênue também pode ser relacionado às moléculas dissociadas. O mecanismo de ação consiste na difusão de moléculas não-dissociadas de ácidos orgânicos (lático, acético e fórmico) através da membrana celular, já no interior da célula ocorre a separação dos ácidos não-dissociados em ânions e prótons, dependendo do pH interno. Isso pode levar a acidificação do citoplasma, quebra da força próton-motiva, inibição do transporte de substrato, síntese de macromoléculas e produção de energia (Baird-Paker, 1980).
Embora a atividade inibitória dos ácidos orgânicos não-dissociados seja conhecida há mais de 60 anos, nos artigos sobre conservação de forragem na forma de silagem, o pH é ainda utilizado como o principal critério de indicação da atividade inibitória (Lindgren & Dobrogosz, 1990).
3. RESULTADOS DE CONTROLE DE MICRORGANISMOS INDESEJÁVEIS
Woolford (1975) estudou a adição de três ácidos orgânicos (acético, fómico e propiônico) em três níveis de pH (4, 5 e 6). Como resultado (Tabela 1) verificou que o ácido fórmico pareceu ser mais efetivo em inibir o crescimento de bactérias próximo do pH 4, e na faixa de pH 5 e 6, o ácido propiônico foi mais ativo em inibir o crescimento de Clostridium sp., Bacillus sp. e bactérias Gram-negativas.
Tabela 1 – Concentração inibitória mínima (CIM) (mmol litro-1) de ácidos fórmico, acético e propiônico contra vários grupos de microrganismos em três níveis de pH
Na Tabela 2 pode-se notar o pH máximo para restringir o crescimento de certos grupos de enterobactérias. Nota-se que mesmo na presença de ácidos orgânicos, algumas enterobactérias são capazes de resistir ao baixo pH, e somente quando este foi menor que 3,7, Östling & Lindgren (1993), conseguiram controlar o crescimento dessas bactérias indesejáveis. No pH mínimo de 4,0 ainda certas cepas de Salmonella sp. foram capazes de iniciar seu crescimento. Valores de pH abaixo de 4,1 são necessários para inibir o crescimento de vários grupos de enterobactérias e pH abaixo de 3,8 foi necessário para inibir uma cepa de Salmonella sp.
Tabela 2 – Valores de pH máximo para restringir o crescimento de bactérias
Quando o ácido fórmico foi aplicado em culturas que apresentaram altos teores de CS, a fermentação predominantemente lática os preservou. Esse resultado foi encontrado no ensaio conduzido por Carpintero et al. (1979), no qual uma mistura de azevém e trevo, contendo 203 g kg-1 MS de CS foi ensilado em silos do tipo laboratório com diferentes doses de ácido fórmico. Quando utilizaram altos níveis de ácido fórmico o teor de CS resultante encontrado na silagem foi até mesmo mais elevado que aquele encontrado na forragem, presumivelmente em virtuda de hidrólise de polissacarídeos ocorrida durante o processo fermentativo. O efeito da aplicação sobre a porção protéica também pode ser visualizada na Tabela 3, mostrando que com o aumento das doses levou a decréscimos nos teores de N-amoniacal.
Tabela 3 – Efeito de diferentes doses de ácido fórmico (g kg-1) na composição de silagens de azevém e trevo, após 50 dias de fermentação
Tabela 4 – Composição das silagens de azevém tratadas com ácido fórmico (1,15 % MS) em diferentes teores de matéria seca
Os resultados dos trabalhos apresentados demonstram que certas espécies de enterobactérias se apresentam em grande número durante a ensilagem e minoritariamente na forragem fresca. Os ácidos orgânicos têm igual importância na inibição do crescimento de enterobactérias na silagem como forma de ácidos não-dissociados. A possível aplicação de certos ácidos orgânicos de forma não homogênea pode permitir o crescimento dessas bactérias indesejáveis, mesmo se a quantidade de ácidos orgânicos não-dissociados for relativamente elevada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Médico Veterinário, Mestre, Doutorando em “Ciência Animal e Pastagens” – USP/ESALQ.
2 Professor Associado do Departamento de Zootecnia – USP/ESALQ – Piracicaba, SP.