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Correlação do sistema Manejão com o meio científico

Por Alexandre Garcia Carvalho1

Atualmente o MEC, CNPQ e outras instituições de pesquisa têm insistido para que as pesquisas no ramo agropecuário sejam feitas de forma sistêmica, encarando a atividade como um todo na abrangência das multidisciplinas de forma a se interagirem e se complementarem. A idéia seria harmonizar os vários aspectos envolvidos: agronômicos, zootécnicos, mercadológicos, educacionais, logísticos, gestão, treinamento, éticos, morais, de qualidade de vida no campo, de cidadania, etc.

Existe hoje uma enorme preocupação nessa área, pois as pesquisas realizadas no passado e a maior parte delas na atualidade foram e ainda vêm sendo realizadas de forma fragmentada e isolada sem considerar as relações entre clima, solo, planta e animal. O pesquisador acaba aprofundando-se na sua especialidade e se perde diante do todo. Especialmente aquelas pesquisas na área de manejo das pastagens, onde, segundo FARIA et al.(1996), durante os últimos vinte anos, a natureza dos trabalhos de pesquisa e estudo com plantas forrageiras, teve seu perfil praticamente inalterado e que somente uma pequena proporção destes, gerava informações realmente pertinentes e necessárias para fins de desenvolvimento de sistemas de produção animal a pasto.

A grande maioria dos trabalhos foi realizada sem a presença de animais (85%) e, naqueles onde animais estavam presentes (15%), os ensaios foram sempre realizados usando estratégias de manejo do pastejo definidas em termos de sua freqüência, taxa de lotação, níveis fixos de fertilizantes ou corretivos. Foram sob estas circunstâncias que as variáveis de resposta animal foram freqüentemente avaliadas.

Lotações e intervalos entre pastejos fixos são caracterizados por efeitos inconsistentes sobre os fatores pasto e animal, uma vez que mudanças no estado do pasto são passageiras e não controladas sob aquelas circunstâncias (HODGSON, 1985).

Um entendimento adequado dos efeitos de variação nas condições do pasto sobre o desempenho, tanto da planta, como do animal, e da sensibilidade destes à interferência do manejo, pode ser atingido somente em estudos baseados no controle e manipulação de características específicas do pasto num estado de equilíbrio (steady state) ou seguindo um padrão pré-especificado de variação (HODGSON, 1985). Fica claro, portanto, que em sua grande maioria, os trabalhos realizados com plantas forrageiras em nosso meio são baseados em parâmetros e variáveis que não permitem um entendimento adequado e efetivo do que ocorre com as plantas forrageiras sob pastejo, uma vez que não consideram, em momento algum, atributos relacionados à planta, nem tampouco, à natureza dinâmica do ecossistema de pastagens. Assim, os resultados obtidos são uma mescla dos ditos “tratamentos” e uma combinação das interações possíveis entre todos os componentes dos sistemas de pastejo, fazendo com que existam inconsistências e antagonismos quando se comparam vários ensaios que avaliaram aspectos semelhantes de uma mesma planta forrageira.

Os comentários acima, foram retirados dos ANAIS do 3o Simpósio sobre Ecossistema de Pastagens – Jaboticabal – SP, 1997 no capítulo que os pesquisadores Sila Carneiro da Silva e Carlos Guilherme Silveira Pedreira, abordam os Princípios de Ecologia Aplicados ao Manejo da Pastagem, pág. 2. Essas premissas tiveram a finalidade de discutir conceitos básicos de ecologia de plantas forrageiras dentro de um contexto de pastagens e sob um ponto de vista sistêmico, ou seja, considerando a relação solo: planta: animal: meio.

Entendemos, portanto que esse fato compromete a credibilidade dos resultados da maioria das pesquisas com plantas forrageiras realizadas “sem a presença do gado” e avaliadas de forma fragmentada.

Assim, há 15 anos, o sistema MANEJÃO percebendo este equívoco, iniciou uma empreitada que resume-se em reunir várias teorias, “cientificamente comprovadas”, e fazer uma síntese global, “costurando e amarrando” os vários procedimentos referenciados bibliograficamente, sugerindo uma proposta sistêmica para a agropecuária.

Como na época tratava-se de uma proposta abrangente e de difícil formatação experimental dentro dos moldes científicos (poderia ser, inclusive tese para Doutorado), preferiu-se primeiramente, aplicar no campo em várias propriedades em ambientes diferentes, somente os conhecimentos científicos já comprovados isoladamente, mesmo porque, as fazendas não poderiam se “arriscar” como os centros de pesquisas. Porém, os conhecimentos científicos foram utilizados de maneira a interagirem-se e complementarem-se visando a harmonia, principalmente entre os aspectos agronômicos, zootécnicos e mercadológicos onde as tomadas de decisões passaram a ser imparciais, ou seja, o procedimento sugerido deveria respeitar o animal, a planta forrageira, o solo e o “bolso”. Teve-se o cuidado de iniciar esse “manejo da propriedade” com os conhecimentos mais “básicos” ensinados nas faculdades de ciências agrárias, tais como: fisiologia vegetal, antropologia, sociologia, filosofia, ecologia, genética, economia, administração rural, fitologia, física do solo, fertilidade do solo, comportamento animal, etc.

Essas tomadas de decisões também deveriam ser submetidas à aprovação dos aspectos administrativos e financeiros na propriedade, submetidas ao consentimento da equipe de campo (vaqueiros, capatazes, etc) e à apreciação do proprietário de acordo com seu perfil e suas limitações de gerenciamento de seu Agronegócio.

A medida em que essa proposta foi tomando força e consistência com resultados econômicos, os próprios pecuaristas e vaqueiros, agora seguros dessa visão sistêmica, passaram a incorporar a filosofia do Manejão e começaram a observar e propor técnicas empíricas que na prática estão funcionando até hoje, porém, sem respaldo da pesquisa. Infelizmente. Isso é uma pena, pois o mais prejudicado é novamente o setor primário, ou seja, o produtor.

Queremos ressaltar que a missão do Manejão era e continuará sendo de produzir alimentos “limpos”, mediante a utilização de técnicas simples e adequadas para cada propriedade, cada uma com suas particularidades. Desta forma, pode-se viabilizar economicamente a produção de alimentos saudáveis, promovendo o bem estar social, gerando o mínimo impacto ambiental, garantindo sustentabilidade à atividade agropecuária.

Ainda dentro desse raciocínio, o sistema Manejão adota princípios da Permacultura australiana e da Tecnologia de Processos, focando em “procedimentos” que irão minimizar a entrada de insumos no sistema produtivo, valorizando as reciclagens e permitindo o fechamento de todos os ciclos na natureza. Nesse contexto, a excessiva produtividade, ainda ensinada nas escolas, passa a não ser mais o foco. O que importa é a lucratividade com sustentabilidade ambiental, social e tecnológica.

E quando se fala em tecnologia, desde a revolução verde, ainda hoje a “maioria” dos pecuaristas e professores, infelizmente, estão arraigados na ultrapassada Tecnologia de Produtos, a qual gera saldo energético “negativo” na atividade agropecuária. Quando se fala em energia, a idéia e englobar além da energia proveniente do petróleo e das hidrelétricas, também a energia das plantas, vaqueiros, “tropa”, rebanhos, proprietários, caminhoneiros, consumidores, etc.

Portanto, por volta de 94% dos procedimentos sugeridos pelo “sistema” Manejão, já possuem comprovação científica, conforme pode ser verificado claramente nos ANAIS do 5o Congresso Brasileiro da ABCZ. Logicamente que alguns procedimentos, mais precisamente 6 deles, ainda não têm comprovação científica, mas que estão tendo resultados surpreendentes na prática em mais de 200 fazendas em 9 estados da federação.

Portanto, a polêmica em torno do Manejão, resume-se em apenas 6% de suas 100 recomendações mais importantes, e nem por isso deveria ser criticado por alguns técnicos desinformados que se prendem a esses 6% de procedimentos já testados na prática, porém, ainda não comprovados cientificamente:
1) Veda estratégica por volta de 30 dias na maioria dos pastos durante o início das chuvas;
2) Podas laterais na vegetação espontânea que podem vir a virar árvores;
3) Raleamento da vegetação arbustiva no fim das águas para induzir o ramoneio do rebanho na seca;
4) Controle de plantas “daninhas” anuais e perenes apenas mediante o adequado manejo das pastagens;
5) Alternância da altura de pastejo (ora só Desnatando, ora adotando o Desnate e Repasse sucessivamente) para frear o suporte nas águas sem permitir que o capim fique extremamente lignificado quando vier a seca.
6) Adoção do rodízio com 2 lotes de gado: Desnate e Repasse sem preservar índice de área foliar remanescente (IAF);

Gostaríamos de convidar nesse momento aqueles pesquisadores interessados a nos ajudar, de uma forma direta ou indireta, a validar cientificamente esses 6 procedimentos acima citados e nos ajudar nessa empreitada que irá gerar “felicidade coletiva com progresso evolutivo”:

Desafio do Brasil: Desenvolver economicamente o país promovendo impactos ambientais e sociais positivos.

Notem que com relação ao ítem 6, primeiramente, sugerimos que o experimento conte com a “presença do gado”. Também sugerimos uma duração por volta de 3 anos para que se possa constatar, assim como já foi verificado na prática, que a porção baixa da touceira, caso venha a ser preservada (não pastada), torna-se extremamente lignificada (fibrosa) e com baixíssima eficiência fotossintética, logo após 90 dias de rodízios sucessivos. Esse IAF remanescente só aumenta a velocidade de rebrota da forrageira nas duas primeiras rodadas (por volta de 30 dias de repouso em cada rodízio “durante as águas”). Após esse período, esse IAF remanescente passa a não contribuir satisfatoriamente com a rebrota da planta, pois as folhas mais baixas (que são as mais velhas) chegaram quase no clímax do processo de senescência. Essas folhas e talos que ficaram velhos, além da abrigar o fungo Pithomyces chartarum que causa a fotossensibilização, também passam a prejudicar (devido o sombreamento excessivo na base da touceira) a emissão de novos perfilhos os quais, cada um, poderia contribuir com 5 a 6 folhas novas, nutritivas para o rebanho e eficientes fotossinteticamente.

Gostaríamos de reforçar que Manejão também resgatou alguns conhecimentos antigos, selecionados sob a ótica da sustentabilidade, valorizando-os mediante confirmações, hoje, possíveis cientificamente. E para finalizar, Manejão não é um conjunto de técnicas e práticas de manejo da pastagem. Manejão é um sistema de manejo “da propriedade”. Daí o nome Manejão, que aliás é de domínio público os seus procedimentos e conhecimentos, sem preocupação em “reter” informações.

Bibliografia

FARIA, V.P.; PEDREIRA, CGS.; SANTOS,F.A. P. Evolução do uso de pastagens para bovinos. In: ANAIS DO 13o SIMPÓSIO SOBRE MANEJO DA PASTAGEM. Piracicaba: FEALQ, 1996. p. 1-15.

HODGSON, J. The significance os sward characteristics in the management of temperature sown pastures. In: INTERNATIONAL GRASSLAND CONGRESS, 15, 1985, Kioto. Proceedings…Nishi-Nasuno, Tochigiken:Japanese Society of Grassland Science, 1985.p. 63-67.

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1Alexandre Carvalho é Engenheiro Agrônomo e é diretor da VISÃO consultoria.

Para saber mais sobre o sistema Manejão, desenvolvido pela Visão Consultoria acesse www.manejao.com.br

0 Comments

  1. GERZY ERNESTO MARASCHIN disse:

    Sr. Alexandre Carvalho:

    Apreciei seus comentários a respeito da pesquisa em pastagens no Brasil. Pelo que V. Sa. captou das leituras realizados sobre pesquisas em pastagens e daquelas sobre os estudos da relação ambiente-solo-planta-animal, muito deixou a desejar.

    E parece que até hoje estas pesquisas não conseguem atender as demandas do setor produtivo. Mas há um fundo de verdade nisto, pois o que vem sendo pesquisado com competência no Brasil, dentro das Universidades, e em Centros de Pesquisas, é apanágio de uns poucos bem informados, com formação “superior qualificada”, e cujos resultados ultrapassam a capacidade de compreensão e entendimento de muitos consultores em atividade.

    E como neste país, temos entendidos em todas as áreas de atividade, não falta também o inventor de uma nova roda. Vossa manifestação sobre a contundente afirmação de Faria (1996), eu já vinha chamando a atenção desde a Reunião da Sociedade Brasileira de Zootecnia, em 1994, Maringá, PR.

    E com mais contundência se tocou no assunto Avaliação de Pastagens no Brasil, na Reunião da SBZ em Viçosa, MG, 2000. Ambas palestras publicadas em anais destas reuniões.

    Quanto ao Manejo de Pastagens para o Brasil inteiro, a iniciativa de professores da ESALQ, desde 1972, recebendo o apoio incondicional dos pesquisadores de bom nível do país, ao longo dos dezenove simpósios já realizados, todos com publicações da FEALQ, Piracicaba, SP, provê uma riqueza de informações técnicas que demanda boas doses de massa cinzenta para comprender e retirar dalí o que for adequado a uma e outra situação.

    E quando se fala em manejo de pastagens, se está falando de produzir animal a pasto, sem concentrados, buscando utilizar mais do ambiente e dos recursos naturais, tendo o estudante, a indústria e o consumidor final como elementos fundamentais dentro do sistema produtivo.

    Num país-continente como o nosso, com esse ambiente disponível, é crítico pensar em modelos e receitas. Acredito que o nosso produtor já aprendeu a ler, ele viaja, participa de exposições e palestras técnicas, e até visita estações experimentais. Um dia ele se acorda e verá que o Brasil em que ele vive é aqui mesmo.

    O que o Brasil precisa é da ação dele, pois as boas informações a serem postas em prática estão escritas e discutidas em portugues, por gente nossa e para as nossas condições.

    Estou dizendo isto porque estive presente na maioria dos simpósios realizados pela FEALQ, e com capitulos escritos em 9 ou 10 das publicações. Sr. Alexandre Carvalho, para facilitar sua atividade em consultoria, tomamos a liberdade de sugerir leituras como as apresentadas por Maraschin (1996), sobre Produção de Carne a Pasto, e sobre Caracterização de Sistemas de Produção em Pastagens, ambas editadas pela FEALQ.

    Para fortalecer e enriquecer um pouco mais vosso acervo tecnológico, recomendamos os dois trabalhos científicos publicados na Revista Brasileira de Zootecnia, 29(05):1281 a 1295, do ano 2000, sobre um manejo aplicado em capim elefante, com conhecimento e base científica. Após estas leituras, acredito que vossa senhoria possa entender resultados emergentes sobre uma braquiária que vem produzindo 1,oo kg de ganho de peso por novilho por dia, ao longo da estação das águas!. Mas isto só acontece onde são aplicados os conhecimentos científicos e se maneja as pastagens com base em atributos fisiológicos que favorecem as manifestações do índice de área folhar, materializando-se em pastagens saudáveis fisiologicamente, produtivas na sua essência, e com os deslumbres de se obter carcaças competitivas, somente a pasto. Estes valores sobre braquiária estão em fases de gestação/aleitamento, mas sobre outras pastagens, já existem há mais de dez anos.

    No momento que os extensionistas entenderem as mensagens, os setores envolvidos com a cadeia da carne bovina experimentarão transformações que os capacitarão a conquistarem a posição real de maior produtor e exportador de carnes do mundo tropical. E o bom zebú já existe! O que o país precisa, em termos técnicos na área de pastagens, é acreditar no giro da roda, nos 365 dias do ano, nas benesses das estações das águas e da seca e na capacitação técnica nacional. Ler, refletir, pensar, discutir as idéias sobre o que foi captado e visualizar o produto final materializado, tendo o consumidor como avaliador final. Para isto acontecer, todos deverão pensar globalmente, e agir localmente. A partir daí é que o Brasil poderá sentir que tem competência à campo.