Fatores ambientais
Os fatores de ordem geográfica e sociológica precisam ser considerados quando estudamos os hábitos alimentares brasileiros. Quanto ao aspecto geográfico, devemos destacar que o Brasil fica entre a linha do Equador e a zona temperada pouco abaixo do Trópico de Capricórnio, o que facilita o cultivo de alimentos variados (de climas temperado e tropical). O fato de nosso país ter 8 mil km de costa atlântica favorece uma atividade pesqueira bastante diversificada.
Os pratos típicos regionais
As comidas regionais do Brasil são bastante ricas e variadas. As diferenças alimentares entre uma região e outra acontecem por fatores ambientais (clima, tipo de solo, disposição geográfica, fauna) e pelo tipo de colonização.
Região Norte
A culinária amazônica ou nortista, de influência indígena, utiliza os peixes de água doce da bacia local, como pirarucu, tucunaré e tambaqui. Característicos dessa área são o pato ao tucupi, refogados e sopas de carne de tartaruga, casquinhas de muçuã, feijão de coco, caldeirada de peixe, tacacá e refresco de açaí.
Os índios nativos da Região Norte tinham como alimento básico a mandioca. Esta raiz é, até hoje, o prato típico local, servindo, além de outros usos, para o preparo do tucupi, um molho feito a partir do “suco” da mandioca ralada e espremida, que depois é decantado e fervido. Ao caldo obtido são adicionadas alfavaca e chicória. O pato no tucupi é o prato mais famoso do Pará.
Os frutos são verdadeiros pratos, como o açaí, o piquiá, a pupunha e o pripriá. A Amazônia oferece maravilhas como o bacuri, metade flor, metade fruto, que se come fresco, em calda, em sorvete, creme e pudins, disputando com o cupuaçu a preferência local. Outro fruto muito apreciado é o murici (ou muruci), um grãozinho amarelo ou oliva, de sabor adocicado e convidativo: a cereja tropical, porque sua temporada é curta, do qual se faz vinho, doce, geléia, rebuçado, compota, e exporta-se enlatado em calda. Ainda tem as castanhas, dita do Pará (Bertholeia excelsa), que o mundo come chamando de brazilian nut (a noz brasileira).
Região Nordeste
Além das influências indígena, portuguesa e negra, os nordestinos receberam contribuições de holandeses, franceses e ingleses que invadiram o território e o dominaram durante uma época. O resultado é uma culinária rica e variada, que veio a caracterizar a comida da região.
A região Nordeste está dividida em duas partes: a primeira compreende o litoral, que se estende desde o Piauí até o Sul da Bahia, e é conhecida como zona da mata; a segunda compreende o sertão nordestino e é chamada de polígono das secas. Na zona da mata, o solo é fértil e as plantas encontram condições adequadas para se desenvolverem bem. Os alimentos mais usados nessa área são a farinha de mandioca, o feijão, a carne seca, a rapadura e o milho.
No sertão, a população se dedica à criação de gado bovino e caprino, usando a carne, leite, queijo e a manteiga. Consome-se feijão, batata-doce, mandioca e alguns legumes e frutas.
Outros pratos típicos do nordestino são angu, cuscuz, carne de sol e combinações exóticas como a abóbora com leite, queijo com rapadura, batata-doce com café, doce de leite com banana etc. Na maioria dos estados, as influências estrangeiras foram preservadas pela dona de casa branca, portuguesa de origem fidalga. A galinha ao molho pardo, feita com o sangue da ave dissolvido em vinagre é uma adaptação da chamada galinha de cabidela, prato do Portugal quinhentista.
Mas na Bahia, quem dominou o forno e o fogão foram as escravas africanas com seus pratos sagrados, o que caracterizou a culinária pelo encontro entre o real e o imaginário religioso. Muitas das comidas africanas são hoje preparadas para serem oferecidas aos deuses do candomblé. O acarajé e o abará são duas especialidades sempre presentes nos tabuleiros das baianas, impecavelmente vestidas com roupas brancas, babados e rendas. O caruru e o vatapá também são pratos famosos deste estado. Constituem ingredientes essenciais da cozinha baiana o coco, o azeite de dendê, o quiabo e a pimenta.
A carne de sol é um alimento indispensável no Nordeste e parece ter tido origem no hábito indígena de assar a caça para conservá-la por algumas semanas. A industrialização da carne de sol, comum no Rio Grande do Norte e no Ceará, teve início no final do século XVII. No litoral da região, merecem destaque as moquecas e frigideiras de frutos do mar, saborosas e cheirosas pelo toque dos temperos africanos e portugueses.
Região Centro-Oeste
A abertura da rodovia Belém-Brasília, na época da mudança da capital do Rio de Janeiro para a Brasília, em 1961 representou um marco de desenvolvimento da região. A rodovia permitiu que inúmeras famílias de colonos dos estados do Sul fossem para o Centro-Oeste brasileiro, como proprietários das novas terras cultiváveis. Esses colonos tinham larga experiência em agricultura e pecuária modernas. Antes dessa época, o Centro-Oeste era uma região isolada. Dessa forma, sua culinária estava condicionada aos recursos do meio ambiente, especialmente da pesca e da caça.
A região é banhada pelas duas maiores bacias hidrográficas do continente: a da Amazônia e a do Prata. Alguns dos produtos da pesca e caça regionais são pacu, piranha, dourado, pintado, anta, cotia, paca, capivara, veado e jacaré. Dos peixes, frutas e carnes do Centro-Oeste surgem pratos típicos como o peixe na telha (assado na telha), peixe com banana, carne com banana, costelinha, bolinhos de arroz, pamonha. Pela fronteira com Minas Gerais vieram o feijão tropeiro, a carne seca, o toucinho e a banha de porco. Com a influência da culinária do Sul, os hábitos alimentares se ampliaram bastante, mas sem comprometer a manutenção dos pratos que existiam anteriormente. Exemplos de pratos que surgiram com a migração dos sulistas são o churrasco gaúcho e o virado paulista. Brasília pode ser considerada uma reunião dos diferentes costumes, sotaques e hábitos alimentares das mais diversas localidades brasileiras.
A culinária pantaneira, antes da construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil (finalizada em 1914) tinha uma dependência do rio Paraguai, pois navios estrangeiros ali aportavam trazendo mercadorias, passageiros e conseqüentemente seus costumes (geralmente fronteiriços). Deste período pode-se destacar o “puchero” (cozido) da Argentina, que é diferente do similar mineiro; do Paraguai veio a chipa, a sopa paraguaia e o locro; de Cuiabá as farofas de banana e de carne, o pacu ensopado, frito ou assado, e o caribéu (abóbora com carne seca).
Merece destaque especial o Tereré, também de origem paraguaia. Trata-se da mais popular bebida sul-matogrossense, uma espécie de chimarrão dos gaúchos, preparado com a erva mate (Ilex paraguariensis) e bebido frio ou gelado. Sua chegada deu-se por meio das cidades fronteiriças de Ponta Porã e Bela Vista, região rica em ervais nativos. Depois da finalização da estrada de ferro ligando Corumbá a Santa Cruz de La Sierra, a Bolívia contribuiu com a saltenha e o arroz boliviano (espécie de risoto com ervilhas, banana da terra frita, pedaços de galinha, ovos cozidos e milho verde).
Região Sudeste
Na região Sudeste estão os estados mais ricos do país. Sua comida recebeu diversas influências, que acompanham a história da colonização: a atuação dos jesuítas que conseguiram manter os índios no litoral capixaba; o desbravamento de novas terras em Minas Gerais pelos bandeirantes, em busca de ouro e diamante; a influência dos imigrantes italianos, que se fixaram no estado de São Paulo; dos espanhóis e árabes no Rio de Janeiro, e dos alemães e italianos no Espírito Santo.
No litoral do Espírito Santo, o prato típico que traduz fortemente a cultura indígena, sem qualquer influência africana, é a moqueca de peixe e camarão à base de coentro e urucum. O urucum é um tipo de corante vendido no mercado sob o nome de colorau. Outros pratos famosos do Espírito Santo são o quibebe de abóbora, que é uma espécie de purê, e a torta capixaba, feita com bacalhau, peixe fresco, camarão, ovos e temperos e preparada no forno ou frigideira.
Em suas viagens à procura de pedras preciosas em Minas Gerais, os bandeirantes tinham de carregar alimentos enquanto viajavam. Optaram pelo milho e grãos de feijão, o que mais tarde seria conhecido como o “virado paulista”, hoje uma preparação que também inclui toucinho, cebola e alho. Quando o ouro acabou, os bandeirantes se viram obrigados a optar por outra atividade rentável. Começaram, então, a criar animais domésticos e se dedicar à pecuária leiteira. A produção tomou tão grandes proporções que transformou o estado no maior produtor de queijos e doces de leite do país. A comida mineira permaneceu fiel à tradição do feijão, milho e porco. O tutu com torresmo, feijão tropeiro, angu com quiabo, couve à mineira, canjiquinha com carne, costela e lombo de porco e os inúmeros e variados quitutes à base de milho, como bambá de couve (milho com couve e carne de porco), curau, pamonha, broa, cuscuz de fubá, farofa de farinha de milho e canjica são algumas das delícias mineiras. O maneco com jaleco e a vaca atolada também são pratos tradicionais. O primeiro consiste em lombo de porco cozido com temperos e couve e o segundo em carne de vaca cozida com mandioca. O feijão tropeiro recebeu esse nome porque o feijão era servido, na época, durante as longas viagens em tropas de burro. Quanto às sobremesas, há fartura de doces e compotas: doce de buriti, de leite, rocambole recheado, geléias com queijo de minas, doces de amendoim etc.
São Paulo e Rio de Janeiro destacam-se pelo cosmopolitismo de suas cozinhas, resultante não só das imigrações, mas do grande número de visitantes que recebem de outras regiões do país e do exterior, em busca de lazer ou a negócios. O cardápio dessas cidades é, portanto, não só uma variante dos cardápios de todo o Brasil, como também de outras partes do mundo. Em São Paulo, os imigrantes italianos foram os que mais influenciaram nos hábitos brasileiros: lasanha, canelone, nhoque, pizza, pães etc. No Rio de Janeiro encontra-se forte influência portuguesa, pois foi nessa cidade que se instalou a corte de Portugal.
Região Sul
A região Sul foi a que recebeu maior influência de imigrantes. Isso porque o clima temperado da região era mais parecido com o clima europeu, facilitando a adaptação dos italianos, alemães, poloneses e ucranianos, que se estabeleceram preferencialmente em atividades agrícolas.
Os poloneses radicados no Paraná contribuíram para a alimentação local com pratos como repolho à moda, pão de leite e sopas. Os italianos introduziram o cultivo da uva, o interesse pelo vinho, a elaboração artesanal de pães, queijos, salames, massas em geral e sorvete. Os alemães conservaram o cultivo da batata, centeio, carnes defumadas, lingüiça e laticínios, além do hábito do café colonial – uma refeição farta que reúne preparações de um chá da tarde e de um jantar.
Os descendentes de imigrantes mantêm viva a cultura de seus ancestrais e comemoram a colheita através de festas realizadas anualmente, tais como a festa da uva, em Caxias do Sul, e a da maçã, em Santa Catarina.
Até hoje ainda existe a figura do peão gaúcho, nas extensas planícies do Rio Grande do Sul. Enquanto pastoreia as boiadas a caminho das pastagens, o gaúcho se aquece ao lado da brasa, onde pendura uma manta de carne para assar e ferver água para preparar a infusão do mate nativo. Assim, nasceram o churrasco, que se transformou em comida nacional, e uma bebida famosa do local: o chimarrão.
Em Santa Catarina, destacam-se diversos tipos de peixes e camarões, em especial a tainha. Também são famosos os doces de maçã e a cuca, um pão ou bolo coberto com frutas e farofa açucarada.
Na região Sul estão concentrados grandes rebanhos, lavouras e muitas indústrias alimentícias, o que colabora para o consumo de carnes, cereais, verduras e produtos industrializados. O arroz de carreteiro reúne dois elementos básicos e muito apreciados da produção rio- grandense: o arroz e o charque. O encontro dessas diferentes culturas resultou num cardápio bastante rico e variado.
Barreado
O barreado incorporou-se à culinária cabocla por meio dos tropeiros que subiam e desciam o litoral pelos caminhos das serras e que no final da tarde, quando acampavam para o pernoite, faziam em seguida uma densa refeição ao cair da noite. Alguns explicam que o louro é utilizado como tempero em função das suas propriedades digestivas, já que o barreado é um prato “pesado”. Afirma-se também que no passado, o barreado, era levado a um braseiro e deveria permanecer por 24 horas no fogo, até “ficar no ponto”.
Símbolo de fartura, de festa e alegria, o nome do prato vem da expressão “barrear a panela”, isto é, vedar com pirão de farinha de mandioca e cinza para não se perder a fervura. Outros dizem que a origem do termo está ligada ao utensílio de barro utilizado para fazer o cozido. Hoje, o barreado ultrapassou as fronteiras culturais e há a disputa entre Morretes, Antonina e Paranaguá para se tornar o único prato mais típico do litoral paranaense.
Fontes consultadas:
LIMA, Claudia. Tachos e panelas: etnografia da cozinha brasileira. Recife: Ed. da Autora, 1999.
LODY, Raul. Cozinha brasileira: uma aventura de 500 anos. In: FORMAÇÃO da culinária brasileira. Rio de Janeiro: Senac CNC-Sesc, [s.d.]
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Alimentação e cultura. Depto de Nutrição da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/ UnB) e a Área Técnica de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde (DAB/SPS/MS).
REVISTA CLAUDIA. A Cozinha Brasileira. São Paulo. Ed. Círculo do Livro.
ROBATTO, Sonia. Coleção O gosto brasileiro. São Paulo. Ed. Globo, 1996.
ROMIO, Eda. 500 anos de sabor. São Paulo. Ed. Comunicações, 2000.
Site: www.amazonia.com.br
2 Comments
Prezada Dra. Licinia Campos
Li com muito entusiasmo as suas 3 matérias a respeito da Cozinha Brasileira. Expresso os meus alegres parabéns pelo trabalho apresentado.
Acrescentaria apenas, como filho de capixaba, o palmito nas deliciosas tortas capixabas (salgadas), muito consumidas na semana santa, e com sabor diferente entre cada família que a prepara. Hoje com a dificuldade e o preço alto do palmito já se substitui pela couve-flor.
Também lembro a dos deliciosos frangos a molho pardo de Domingos Martins. Estes só comendo para descrevê-los.
Enfim nossa cozinha é muito rica e gostosa.
Sou médico veterinário e coordenador de Abastecimento e segurança alimentar da Secretaria de estado de agricultura do RJ, realizo palestras sobre boas praticas de manipulação de alimentos para o comercio varejista no RJ.
Um abraço
Joel Montagnoli da Silva
legal